Duas características marcantes diferenciam a pecuária de leite nacional: a primeira é a produção pulverizada e que ocorre em todo o território. Estima-se que a produção de leite esteja presente em 554 microrregiões das 558 consideradas pelo IBGE para 2013. A segunda é a grande diversidade dos sistemas de produção, não existindo um sistema padrão em raças, manejo e forrageiras, independentemente da região. Apesar de a atividade ocorrer em todo o território nacional, existem regiões onde ela está mais concentrada e tecnificada do que outras. Diante desta complexidade fica a pergunta: a pecuária de sua região pertence a qual Brasil? O que não evoluiu e ficou a margem do desenvolvimento ou o que moderniza, cresce e é competitivo?
Pelas estatísticas oficiais (IBGE), na década ada cerca de cinco milhões de estabelecimentos rurais no Brasil estavam envolvidos com algum tipo de exploração animal. Dos proprietários ou dirigentes destes estabelecimentos, apenas 2,5% possuíam alguma qualificação formal e a maioria deles (57%) eram classificados como detentores de pouca instrução. Ou seja, era um universo de pessoas que não tiveram alfabetização normal (embora soubessem ler e escrever), ou que haviam recebido alfabetização depois de adultas ou que tinham ingressado no ensino fundamental, mas não o concluíram.
Comparando dados dos Censos Agropecuários de 1996 e de 2006, constata-se que o número de propriedades que exploravam leite caiu de 1.810 mil para 1.350 mil, uma redução do número de estabelecimentos de 26% ou 460 mil no período de 10 anos. Nos dias atuais estima-se que o número de estabelecimentos que produzem leite está próximo a um milhão e cinquenta mil, dos quais 400 mil produtores não vendem leite e ordenham as vacas apenas para consumo próprio. Assim, considerando apenas as propriedades que produzem e comercializam leite ou derivados, o número estimado cai para próximo de 650 mil.
Dos estabelecimentos que comercializaram leite, próximo de 20% não dispunha de ordenha mecânica na propriedade e não adotava manejo reprodutivo direcionado ao melhoramento genético, como adoção de tecnologias de inseminação artificial ou transferência de embrião. Do total de produtores, 78% nunca recebeu algum tipo de assistência técnica, agravado pelo fato de que 79% serem analfabetos ou pouco letrados.
Observando a evolução da produção em termos da estrutura de produção de leite no Brasil em 2015 segundo o IFCN, houve crescimento expressivo na produção apenas nos estratos acima de 400 litros/fazenda/dia, mas que representa apenas uma minoria, 59 mil produtores. No outro extremo, com produção diária abaixo de 100 litros/dia, 80% das propriedades possuem menos de 30 vacas/fazenda e produtividade inferior a 1000 litros/vaca/ano e respondem por 16% da produção de leite, ou seja, 836 mil fazendas produzem próximo a 6 bilhões de litros de leite por ano.
Se nada acontecer, nas próximas décadas a expectativa é de continuar a reduzir o número de estabelecimentos que produzem leite, ou por falta de renda, devido à baixa escala de produção e competitividade, ou por falta de mão de obra e sucessores na fazenda, ocasionada pela migração para as cidades e a falta de estímulo para retornar ao campo. O perfil demográfico no meio rural está mudando rapidamente, alavancado pela crescente e irreversível mecanização e automação agrícola, que na década de 50 contava-se com 75% da população no meio rural e hoje apenas 15%.
Quanto à qualidade do leite, a minoria dos estabelecimentos que vendiam leite dispunha de unidades de resfriamento. As amostras de leite classificadas de acordo com os limites de 100.000 UFC/ml, estabelecidos pela Instrução Normativa 62 do MAPA, 53% não atinge hoje a exigência da legislação que vigorará a partir de 2016 para a Região Centro-Sul do país, segundo os resultados de quatro laboratórios que compõem a Rede Brasileira de Laboratórios de Qualidade do Leite – RBQL, que totalizam 4,5 milhões de dados. Pior, o país ainda contabiliza 30% do leite na total informalidade, ou seja, 10,8 bilhões de litros são produzidos sem nenhum serviço de inspeção sanitária.
A produtividade animal cresce 27 litros por vaca/ano, não anda bem e tem se um longo caminho a percorrer. Com 1.605 litros/vaca/ano estimativa média para 2015, desponta-se como uma das piores do mundo e apesar dos ganhos recentes devido à adoção de tecnologias, estamos muito distantes dos níveis ideais que garantam competitividade ao setor.
A baixa produtividade aliada à pequena escala de produção é cruel para o produtor de leite em todos os sentidos. Na maioria das vezes ele paga mais caro na compra dos insumos, onerando o custo de produção e perdendo em competitividade; perde na renda, por ter pouco volume de produção o preço de venda do produto é comparativamente mais baixo.
É um Brasil heterogêneo que se reveste de desafios que am pela necessidade de políticas públicas eficazes que estimulem a assistência técnica, a formação e qualificação da mão de obra, o controle sanitário do rebanho e a melhoria da qualidade do leite. A combinação desses fatores é essencial para avalizar o aumento da escala de produção e competitividade para que o Brasil que não evoluiu e a ser o que cresce.
Pelas estatísticas oficiais (IBGE, 2014), a produção brasileira de leite cresceu em média 4,2% ao ano entre 2000 e 2010 e no início desta década cresceu a 4,5%, exceto em 2013 que registrou 6%. As expectativas são de que a produção em 2014 tenha sido superior a 36 bilhões de litros e a de 2015 será próxima a 37 bilhões (IFCN, 2014; FAO, 2014; USDA, 2014), levando a acreditar que, independentemente da fonte de projeção, a produção brasileira continuará a crescer nesta década a taxas próximas de 4%.
Uma parte do setor leiteiro nacional tem mostrado uma forte vocação para crescer e modernizar, caminhado na contramão de algumas projeções. Nos dez anos anteriores a 2014 a produção nacional cresceu 12,5 bilhões de litros, com destaque para um crescimento médio na produtividade das vacas ordenhadas da ordem de 2,1% ao ano, reflexo da considerável modernização tecnológica.
Dois cenários foram projetados por pesquisadores da Embrapa (Vilela & Resende, 2015) para 2025, um com produção de 47,4 e outro com 56,6 bilhões de litros e neste caso, com exportações próximas a dois bilhões de litros equivalentes leite ao ano. A diferença entre as duas projeções, apesar de expressivas, dependerão de deduções fora do controle dos produtores, como mudanças climáticas e incertezas na economia: inflação, recessão, câmbio, emprego e renda.
O estrato de produção de leite que mais cresceu nos últimos anos encontra se acima de 400 litros/fazenda/dia, porém o que mais se destacou na participação da produção foi o estrato acima de 2.000 litros/fazenda/dia. Estudos conduzidos pela equipe de economia da Embrapa Gado de Leite indicam que atualmente cerca de um terço do leite nacional é produzido por um contingente de apenas 28 mil fazendas com produtividade próxima de 3.500kg/lactação. As estimativas para 2015 são de que menos de 1% das fazendas responderão por 5,5 bilhões de litros de leite.
Nas fazendas colaboradoras dos programas de melhoramento genético de raças leiteiras no Brasil, assistidas entre 1985 e 2015, a produção média saiu de 1.900 kg e foi para 4.390 kg/lactação. Assim, dependendo apenas da estrutura atual de produção de leite no Brasil, não é impossível prever para 2025 uma produção de 56,6 bilhões, com crescimento de 4,2% ao ano, podendo-se deduzir que existe um Brasil que cresce e dá certo.
Para Eliseu Alves, assessor e ex-presidente da Embrapa, 70% do incremento da produção nacional de leite são explicados pela adoção de tecnologias, enquanto a elevação da produtividade do trabalho e da terra respondem pelos restantes 20% e 10%, respectivamente. Nos últimos 40 anos as pesquisas têm concentrado esforços na busca por tecnologias que comportem produtividades entre 2.500 e 4.500 kg/lactação e é chegado o momento de concentrar esforços para se conseguir produtividades mais elevadas, sem perder a eficiência, em consequência do maior preço da terra e custo da mão de obra, principalmente próximos aos grandes centros consumidores.
É inconcebível delinear um cenário para o Brasil que cresce e dá certo sem considerar os avanços atuais da pesquisa brasileira e sua contribuição para a inovação tecnológica nos sistemas reais de produção de leite, com emprego de tecnologias com grande sinergia entre biotecnologia, nanotecnologia e tecnologia da informação. Isso não tem volta. O mundo digital é uma realidade no campo e a tendência é que a tecnologia ganhe cada vez mais importância no setor leiteiro e o desafio será a inclusão de todos os produtores para que tenham o a ela em suas propriedades.
A adoção de biotécnicas na área de reprodução animal, como exemplo, a IATF/TE/FIV/Sexagem é uma realidade que pode mudar o perfil genético da pecuária leiteira em pouco tempo, assim como a genômica que procura genes ligados a características de importância econômica e a nanotecnplogia procura biosensores e nanopartículas para diagnóstico e controle de doenças.
A integração de esforços do poder público e da iniciativa privada, dentro de uma visão sistêmica, será fundamental para assegurar a valorização e a competitividade do setor leiteiro nacional no cenário mundial.