O kefir é um leite fermentado ácido, levemente alcoólico e de consistência cremosa, resultante da produção de ácido lático, gás carbônico e álcool durante o processo de fermentação desenvolvido por diversos microrganismos atuando simbioticamente.
Acredita-se que o kefir teve origem nas montanhas do Cáucaso há mais de 2000 a. C. Os caucasianos observavam que o leite, transportado em bolsas de couro, se transformava naturalmente em uma bebida refrescante e efervescente. Ao longo dos anos, com o aumento do conhecimento da sua tecnologia e benefícios para a saúde, a produção de kefir difundiu-se para outros países.
Nos últimos anos e motivado pela pandemia da Covid-19, é crescente o interesse do consumidor por alimentos funcionais que proporcionem benefícios à saúde, impulsionando o consumo de kefir. Apesar de o kefir ser produzido comercialmente, destaca-se no Brasil a sua produção artesanal para consumo familiar.
Este artigo tem o objetivo de apresentar a tecnologia de fabricação de kefir, além dos seus benefícios para a saúde e tendências atuais de mercado.
Tecnologia de fabricação: como é feito o kefir?
Mas o que difere o kefir dos demais leites fermentados? O kefir é o resultado metabólico de diversos microrganismos que vivem em simbiose, formando os grãos de kefir. Estes são compostos por espécies de leveduras, bactérias do ácido lático e bactérias do ácido acético.
A composição microbiana dos grãos pode variar de acordo com o local de produção e estação do ano, mas geralmente os gêneros predominantes são Lactobacillus (p. ex. Lactobacillus acidophilus, Lactobacillus brevis, Lactobacillus kefir e Lactobacillus casei), Leuconostoc, Acetobacter, Lactococcus, Kluyeromyces, Kazachstania, Naumovozyma e Saccharomyces.
Estes microrganismos encontram-se envolvidos em uma matriz proteica e polissacarídica denominada kefiran, que contribui para as características sensoriais, funcionais e de estabilidade do kefir.
Ao observarmos os grãos de kefir (Figura 1), percebemos que eles se apresentam com uma aparência semelhante à couve-flor, tamanho irregular (2 a 4 cm de diâmetro), coloração branca ao amarelado e estrutura gelatinosa.
Figura 1. Grãos de kefir.
Fonte: Canva (2021).
A utilização dos grãos de kefir ocorre preferencialmente na produção artesanal do produto. Neste caso, utiliza-se de 5 a 10% dos grãos. O tempo de fermentação pode variar de 12 a 48 horas a 25 °C, dependendo das características desejadas do produto final, como acidez e textura.
Após o processo de fermentação, os grãos são separados do leite fermentado. Assim, o kefir está pronto para ser consumido, enquanto os grãos são utilizados em uma nova produção artesanal, reiniciando-se o processo (Figura 2).
Figura 2. Produção artesanal de kefir.
Fonte: autores.
Em ambos os processos (tradicional ou industrial), após a fermentação e envase, o kefir pode ser submetido à maturação sob refrigeração durante 24 horas. Durante esta etapa há o crescimento de alguns microrganismos, principalmente leveduras, contribuindo para a valorização do sabor e aroma do kefir.
Atualmente, além da doação dos grãos de kefir entre vizinhos e amigos, há sites especializados de venda. Os grãos comercializados vêm acompanhado do manual que ensina como fabricar o kefir e cuidar dos grãos recuperados ao final do processo fermentativo.
Porém, a composição microbiana dos grãos de kefir e, consequentemente, do kefir, pode variar dependendo das condições geográficas, climáticas, culturais e da diversidade de espécies de leveduras e bactérias selvagens.
Logo, o kefir artesanal produzido em diferentes regiões do Brasil tende a apresentar diferença na diversidade microbiológica (ZANIRATI et al., 2015), resultando na produção de diversos compostos com potencial bioativo.
Para a garantia da qualidade e segurança do kefir, o controle da matéria-prima e dos ingredientes assim como as boas práticas de fabricação são primordiais, evitando a obtenção de um produto de baixa qualidade higiênico-sanitária, nutricional e com atributos sensoriais indesejáveis.
Quais os benefícios associados ao consumo de kefir? O que tem neste alimento que proporciona saudabilidade?
O kefir tem apresentado atividade antimicrobiana contra bactérias patogênicas comumente presentes no nosso dia-a-dia, tais como Staphylococcus aureus, Escherichia coli, Bacillus cereus, dentre outras. Este potencial bioativo do kefir está relacionado à presença de ácido lático, peptídeos e do kefiran. A atividade antioxidante do kefir também tem sido associada ao kefiram.
Porém, a literatura científica ainda é insipiente quanto aos estudos sobre o efeito das atividades antimicrobiana e antioxidante do kefir in vivo, demonstrando a necessidade de mais pesquisas sobre os seus efeitos em sistemas fisiológicos.
Peptídeos bioativos presentes no kefir tem demonstrado aumentar as contagens de bactérias benéficas presentes no intestino, além de reduzir as patogênicas. O exopolissacarídeo do kefiran demonstrou ter melhor efeito sobre a diversidade da microbiota intestinal comparado à inulina, que é um prebiótico utilizado na indústria de alimentos.
O kefiran também têm apresentado impacto preventivo contra os cânceres de mama, colo do útero e cólon. Também estão associadas ao consumo de kefir as vitaminas do complexo B (B1, B2, niacina, pirodoxina e biotina), ácido fólico, vitamina K e aminoácidos essenciais, além de minerais como cálcio, fósforo e magnésio (BENGOA et al., 2020; GUZEL-SEYDIM; GÖKIRMAKLI; GREENE, 2021; TU et al., 2020; VIEIRA et al., 2021).
Além do potencial bioativo, o kefir também pode ser mais propício para os consumidores intolerantes à lactose. Durante a fermentação do leite para a produção do kefir, a lactose é consumida pelas bactérias, total ou parcialmente, reduzindo assim o seu teor no produto final. Vale ressaltar que existem diferentes graus de intolerância à lactose, o que determinará se o indivíduo poderá ou não consumir o kefir.
Tendências
Nos últimos anos, a indústria de laticínios tem desenvolvido produtos com propriedades funcionais, de modo a atender aos anseios dos consumidores por alimentos mais saudáveis. No entanto, para a produção industrial otimizada do kefir, faz-se necessária a utilização de uma microbiota selecionada para a padronização do produto final.
Para atingir este objetivo, a estratégia adotada, principalmente em países como os Estados Unidos, Canadá e França, tem sido o uso de culturas starters liofilizadas contendo espécies de bactérias e leveduras previamente selecionadas, baseadas nos microrganismos presentes nos grãos tradicionais de kefir.
O uso destas culturas simplifica o processo de produção, obtendo-se um produto com atributos sensoriais padronizados e com baixo risco de contaminação devido à menor manipulação durante o processamento. Tal padronização é fundamental para a identificação e fidelidade dos consumidores com determinada marca disponível no mercado.
A produção de kefir também apresenta grande versatilidade quanto ao sabor. Além dos tradicionais, como morango e banana, sabores exóticos tem sido desenvolvidos como de cupuaçu, graviola e jabuticaba, dentre outros.
Outra alternativa que tem sido pesquisada nesta linha é o uso de soro oriundo de diversas tecnologias, particularmente os soros desproteinados (soro de ricota e permeado de ultrafiltração) e o soro ácido, para a produção de bebidas lácteas à base de kefir, possibilitando ainda maior agregação de valor ao produto ao adicionar-se à fabricação etapas como a de delactosagem e/ou a carbonatação.
Exemplo é uma bebida láctea carbonatada à base de kefir sabor limão, desenvolvida recentemente pelo Instituto de Laticínios Cândido Tostes, da Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais.
Conclusão
Devido às propriedades funcionais e benefícios à saúde aliados à conjuntura mundial atual da pandemia da Covid-19 o kefir vem aumentando a popularidade e, consequentemente, seu consumo tem ganhado destaque.
Industrialmente, a utilização de culturas starters com uma microbiota variada, comparada aos grãos de kefir, é importante para potencializar as propriedades bioativas do kefir. A maior variabilidade de sabores, além da adição de cereais e prebióticos como a inulina, também são estratégias interessantes para aumentar a atratividade do kefir frente ao consumidor.
A utilização de kefir na fabricação de bebidas com aproveitamento de soros não convencionais (desproteinados e soro ácido), além do desenvolvimento de sobremesas geladas e vitaminas são outras opções promissoras para maior agregação de valor ao produto e aumento da competitividade das indústrias.
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Referências
BENGOA, A. A. et al. Exopolysaccharides From Lactobacillus paracasei Isolated From Kefir as Potential Bioactive Compounds for Microbiota Modulation. Frontiers in Microbiology, v. 11, 16 out. 2020.
CANVA.Kefir 3b6j3Q/edit. o 27/12/2021. GUZEL-SEYDIM, Z. B.; GÖKIRMAKLI, Ç.; GREENE, A. K. A comparison of milk kefir and water kefir: Physical, chemical, microbiological and functional properties. Trends in Food Science & Technology, v. 113, p. 42–53, jul. 2021. TU, M.-Y. et al. Kefir Peptides Prevent Estrogen Deficiency-Induced Bone Loss and Modulate the Structure of the Gut Microbiota in Ovariectomized Mice. Nutrients, v. 12, n. 11, p. 3432, 9 nov. 2020. VIEIRA, C. P. et al. Bioactive Compounds from Kefir and Their Potential Benefits on Health: A Systematic Review and Meta-Analysis. Oxidative Medicine and Cellular Longevity, v. 2021, p. 1–34, 27 out. 2021. ZANIRATI, D. F. et al. Selection of lactic acid bacteria from Brazilian kefir grains for potential use as starter or probiotic cultures. Anaerobe, v. 32, p. 70–76, abr. 2015. *Fonte da foto do artigo: Freepik