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Historicamente, o leite de cabra tem sido utilizado desde a antiguidade, sendo famosa a lenda de Cleópatra, que, segundo relatos, preservava a maciez e o brilho de sua pele ao se banhar nesse produto, pois acreditava-se que esses banhos promoviam rejuvenescimento e hidratação. Embora não haja comprovação científica desse hábito, a história destaca o reconhecimento milenar das propriedades cosméticas e terapêuticas do leite de cabra.
A produção de leite de cabra está disseminada por todos os continentes. De acordo com a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO), a produção mundial é estimada em 20 milhões de toneladas, ocupando a terceira posição global, após o leite de vaca e o de búfala (FAOSTAT, 2023). Na América do Sul, o Brasil se destaca pela organização da cadeia produtiva, sendo responsável por cerca de 26 milhões de litros por ano, com a região Nordeste concentrando 70% desse volume (OLIVEIRA et al., 2022).
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Nos últimos anos, o leite de cabra tem ganhado popularidade como um "superalimento", sendo reconhecido por suas propriedades biológicas, medicinais, nutricionais e imunológicas únicas (AKSHIT et al., 2024; NAYIK et al., 2022). Do ponto de vista nutricional, o leite de cabra se diferencia dos leites de outras espécies, especialmente de vaca, destacando-se pela alta digestibilidade, maior capacidade tamponante e propriedades terapêuticas, como demonstrado na Tabela 1. No entanto, sua comercialização enfrenta desafios devido ao sabor característico e à produção sazonal. A ampla divulgação de seus benefícios pode ajudar a superar essas barreiras.
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Tabela 1 - Composição química do leite de cabra e vaca |
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Componentes |
Leite de cabra |
Leite de vaca |
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Água |
87,0% |
87,0% |
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Proteínas |
3,1% |
3,3% |
|
Lipídeos |
4,1% |
3,7% |
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Carboidratos (Lactose) |
4,4% |
4,8% |
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Cálcio |
134 mg/100 ml |
122 mg/100 ml |
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Vitamina A |
70 µg/100 ml |
95 mg/100 ml |
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Vitamina D |
1,0 µg/100 ml |
1,2 µg/100 ml |
|
Vitamina B12 |
0,2 µg/100 ml |
0,4 µg/100 ml |
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Fonte: CENACHI et al, 2011; PARK et al., 2007 |
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O leite de cabra, em comparação ao leite de vaca, é mais facilmente digerido e possui menor potencial alergênico, o que o torna uma excelente opção para bebês com alergia às proteínas do leite de vaca. Ao contrário do leite de vaca, que é ligeiramente ácido, o leite de cabra tem natureza alcalina, sendo benéfico para pessoas com problemas de acidez estomacal. Esta alcalinidade se deve à maior quantidade de proteína e a um arranjo diferente de fosfatos (LAMBRINI et al., 2021; WALSTRA et al., 2005).
Potencial nutricional do leite de cabra
Sua composição nutricional é diferenciada, com gorduras em glóbulos menores, que facilitam a digestão, e um perfil proteico que favorece sua absorção pelo organismo. Essas características fazem dele uma alternativa eficaz para a nutrição infantil, além de ser utilizado na produção de alimentos hipoalergênicos. O leite de cabra também tem mostrado benefícios para pacientes com condições como:
- Enxaqueca,
- Asma,
- Eczema,
- Colite,
- Dor abdominal,
- Desconforto epigástrico,
- Úlceras gástricas,
devido à menor alergenicidade em relação ao leite de vaca (AKSHIT et al., 2024; VERRUCK et al., 2019).
Em relação à composição proteica, o leite de cabra contém menos caseína αS1, a principal responsável pelas reações alérgicas no leite de vaca (Tabela 2).
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Tabela 2 – Teor de proteína do leite caprino e de vaca |
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Componente: |
Cabra |
Vaca |
|
α-Caseína (g/L) |
7,5 – 8,8 |
12,2 – 15,0 |
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β-Caseína (g/L) |
10,3 – 14,5 |
9,0 – 9,8 |
|
Κ-Caseína (g/L) |
1,8 |
3,2 – 3,5 |
Fonte: Adaptado de Nayik et al., (2022)
Em contrapartida, a β-caseína, presente em maior quantidade no leite de cabra, é mais solúvel e tem maior capacidade de digestão (Tabela 2). O leite de cabra também apresenta micelas de caseína menores, o que favorece a absorção das proteínas e melhora o aproveitamento nutricional. Além disso, o leite de cabra tem menor teor de β-lactoglobulina, um dos principais alérgenos presentes no leite de vaca, o que o torna mais adequado para indivíduos sensíveis (NAYIK et al., 2022).
Quanto ao teor de lipídeos, o leite de cabra apresenta glóbulos de gordura menores do que o leite de vaca, o que facilita a digestão e a absorção. Há ainda, maior concentração de ácidos graxos essenciais e ácidos linoleicos conjugados (CLAs), que são benéficos para a saúde humana. Além disso, o leite de cabra tem menor teor de colesterol, o que pode ser vantajoso para a saúde cardiovascular (KAPOOR et al., 2023).
No que diz respeito ao conteúdo de carboidratos, particularmente a lactose, os teores encontrados no leite de cabra e vaca são semelhantes, o que requer atenção para que o leite caprino não seja erroneamente recomendado à pessoas com intolerância a este carboidrato. Já em relação aos oligossacarídeos, há uma marcante distinção em comparação ao leite de vaca, uma vez que o leite de cabra contém uma maior variedade e quantidade destas substâncias, com destaque para os sialiloligosacarídeos. Estas substâncias são importantes para a saúde intestinal e o desenvolvimento dos bebês, uma vez que também estão presentes no leite materno, contribuindo no desenvolvimento da microbiota intestinal e na proteção contra patógenos (KASKOUS & PFAFFL, 2025).
Quando se trata de minerais, o leite de cabra se destaca por ser especialmente rico em cálcio, fósforo, magnésio, potássio, cloro e manganês. Além disso, apresenta uma biodisponibilidade superior de minerais como cálcio, ferro, cobre e fósforo, o que favorece sua absorção pelo organismo. Apesar de conter mais zinco do que o leite humano, ele possui quantidades menores de ferro e selênio.
Já em termos de vitaminas, o leite de cabra se destaca por ter mais vitamina A, devido à conversão eficiente dos carotenos, mas é uma fonte mais pobre de ácido fólico e vitamina B12 em comparação com o leite de vaca, além de apresentar níveis mais baixos de vitaminas B6, C e D (NAYIK et al., 2022; SAIKIA et al., 2022).
O consumo regular de leite de cabra ajuda a prevenir problemas como a osteoporose, especialmente em mulheres idosas e a ingestão de 200 mL de leite de cabra por dia pode fornecer cerca de 29% da recomendação diária de cálcio para um adulto (CAMARA et al., 2019). Adicionalmente, um estudo de Baranwal (2013) demonstrou que crianças que consumiam leite de cabra apresentaram um risco 13% menor de fraturas ósseas em comparação com aquelas que não o consumiam, que apresentaram um risco de 34,8%.
Derivados de leite de cabra
O potencial tecnológico do leite de cabra tem sido amplamente explorado por meio do desenvolvimento de produtos diferenciados, especialmente queijos e iogurtes. Em diversas partes do mundo, particularmente no Mediterrâneo, Ásia e América Latina, seus derivados são apreciados não apenas pelo sabor, mas também por suas qualidades nutricionais e fácil digestibilidade. Essa característica favorece a fabricação de uma ampla variedade de produtos, conforme detalhado por Nayik et al. (2022), entre os quais se destacam:
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Queijos de leite de cabra: Reconhecidos pelo sabor marcante e textura cremosa, os queijos caprinos são bastante variados. Entre os mais conhecidos estão o chèvre, tradicional queijo francês fresco ou temperado; o feta, que pode conter leite de cabra em algumas regiões da Grécia; e o Crottin de Chavignol, apreciado tanto fresco quanto maturado..
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Iogurte de Cabra: Possui uma textura cremosa e um sabor mais suave e menos ácido em comparação ao iogurte de vaca, sendo uma alternativa para pessoas com intolerância à lactose, pois contém esse carboidrato em menores quantidades. Sua produção apresenta desafios devido ao baixo teor de αs1-caseína e variações na composição do leite, exigindo geralmente o uso de estabilizadores e culturas lácticas específicas melhorar sua textura e consistência. Seu sabor equilibrado e cremosidade o tornam ideal para consumo puro ou combinado com frutas e mel, além de ser amplamente utilizado em preparações culinárias, como molhos e sobremesas.
-
Leite em pó, leite condensado e derivados evaporados de leite de cabra: O leite de cabra em pó ou evaporado é indicado para fórmulas infantis, pois o calor do processamento reduz sua alergenicidade. Os produtos em pó incluem leite integral e desnatado, fórmulas infantis e soro de leite. Estudos indicam que a adição de probióticos e prebióticos ao leite de cabra em pó melhora a absorção de minerais na digestão humana. O leite evaporado, adoçado ou não, é produzido sob pressão reduzida para evitar danos térmicos. No Brasil, a secagem por pulverização e spray drying são os principais métodos utilizados, garantindo um produto de alta qualidade. Já o leite condensado de cabra mantém a doçura característica, porém com um sabor diferenciado, sendo amplamente empregado em sobremesas como pudins, bolos e doces em calda.
Diante das características nutricionais únicas, o leite de cabra apresenta-se como uma excelente alternativa para quem busca uma alimentação equilibrada e saudável, com grande potencial de consumo, especialmente entre pessoas com necessidades alimentares específicas.
Seu consumo pode ser incentivado como parte de uma dieta funcional, capaz de atender a requerimentos específicos, especialmente em contextos de saúde mais delicados.
Autores:
Graziella Ferreira dos Santos, Estudante de Zootecnia, EVZ/UFG
Lucas Gabriel de Souza, Estudante de Zootecnia, EVZ/UFG
Camila Nunes Caixeta, Estudante de Zootecnia, EVZ/UFG
Prof. Dra. Eliane Sayuri Miyagi, Professora do setor de Capri-ovinocultura e setor de Pecuária Sustentável EVZ/UFG
Prof. Dr. Moacir Evandro Lage, Professor e Pesquisadora do Laboratório de Inovação e Pesquisa LIP/A/ EVZ/UFG
Profa. Dra. Clarice Gebara Muraro Serrate Cordeiro, Professora e Pesquisadora do Laboratório de Inovação e Pesquisa LIP/A/ EVZ/UFG
Profa. Dra. Francine Oliveira Souza Duarte, Professora e Pesquisadora do Laboratório de Inovação e Pesquisa LIP/A/ EVZ/UFG
Profa. Dra. Iolanda Aparecida Nunes, Professora e Pesquisadora do Laboratório de Inovação e Pesquisa LIP/A/ EVZ/UFG
Prof. Dr. Cristiano Sales Prado, Professor e Pesquisadora do Laboratório de Inovação e Pesquisa LIP/A/ EVZ/UFG
Profa. Dra. Cíntia Minafra, Professora e Pesquisadora do Laboratório de Inovação e Pesquisa LIP/A/ EVZ/UFG
Profa. Dra. Valéria Quintana Cavicchioli, Professora e Pesquisadora do Laboratório de Inovação e Pesquisa LIP/A/EVZ/UFG
Referências bibliográficas
Akshit, F. N. U., Mao, T., Kaushik, R., Poswal, V., & Deshwal, G. K. (2024). Global comprehensive review and meta-analysis of goat milk composition by location, publication year and lactation stage. Journal of Food Composition and Analysis, 127, 105973.
Camara, A. O. D., Moraes, O. M. G. D., & Rodrigues, L. (2019). Tipos de leite e sua contribuição na ingestão diária de sódio e cálcio. Ciência & Saúde Coletiva, 24, 3099-3106.
Baranwal, D. (2013). The benefits of consuming goat's milk. Trends in Biosciences, 6(5), 513-515.
FAOSTAT. Food and Agriculture Organization of the United Nation.
Kapoor, A., Verma, A., & Ambatipudi, K. (2023). Characterization of cow, goat, and water buffalo milk fat globule lipids by high-performance thin layer chromatography. Dairy, 4(1), 200-214.
Kaskous, S., & Pfaffl, M. W. (2025). Importance of goat milk for human health and nutrition. Food Nutrition Chemistry. 2025; 3 (1): 285.
Lambrini, K., Aikaterini, F., Konstantinos, K., Christos, I., Ioanna, P. V., & Areti, T. (2021). Milk nutritional composition and its role in human health. Journal of Pharmacy and Pharmacology, 9, 8-13.
Saikia, D., Hassani, M. I., & Walia, A. (2022). Goat milk and its nutraceutical properties. International Journal of Applied Research, 8(4), 119-122.
Nayik, G. A., Jagdale, Y. D., Gaikwad, S. A., Devkatte, A. N., Dar, A. H., & Ansari, M. J. (2022). Nutritional profile, processing and potential products: A comparative review of goat milk. Dairy, 3(3), 622-647.
Oliveira, L. S., de Oliveira Felisberto, N. R., Nogueira, D. M., Silva, A. F., Biagioli, B., Gonzalez-Esquivel, C. E., & de Almeida Teixeira, I. A. M. (2022). Typology of dairy goat production systems in a semiarid region of Brazil. Small Ruminant Research, 216, 106777.
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Verruck, S., Dantas, A., & Prudencio, E. S. (2019). Functionality of the components from goat’s milk, recent advances for functional dairy products development and its implications on human health. Journal of functional foods, 52, 243-257.
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