Os Microrganismos Psicrotróficos e a IN 62
Atualmente, muito se discute acerca da qualidade microbiológica do leite cru do Brasil e, desde a implementação da IN51, em 2002, na qual foram regulamentadas novas normas para a conservação do leite, tais como a granelização na fazenda e em seu transporte em caminhões isotérmicos até a indústria, os produtores de leite, assim como a indústria laticinista, aram a ter mais atenção a este quesito [...]
Publicado em: - 5 minutos de leitura
Em 2011, diante do cenário do setor laticinista apresentado desde a sua implementação, essa Normativa foi substituída e complementada pela IN 62 para que a cadeia produtiva pudesse fornecer um produto de melhor qualidade para o consumidor e possibilitar aos produtores se adequarem às exigências estabelecidas e fornecerem leite de qualidade microbiológica dentro dos limites regulamentados. Dentre essas complementações, todos sabemos que o leite nas diversas regiões do Brasil deve apresentar padrões de contagem global e de células somáticas adequadas até 2016, prazo que foi esticado, e para mim, por si só, não resolve o problema da baixa qualidade do leite.
Gostaria de abordar algumas questões importantes e questionáveis da IN 62 e que têm efeito significativo na qualidade do leite. Para mim, a mais relevante é a inexistência de um padrão de leite cru para os microrganismos que são selecionados pelo processo de granelização e que afetam significativamente a qualidade do leite e de seus derivados, que são os psicrotróficos. Isso não se deve apenas ao fato de eu ser professora de Microbiologia e estudar esses microrganismos, mas porque atualmente, mesmo com todo trabalho que se tem realizado, a realidade da nossa cadeia leiteira é preocupante, pois o leite apresenta baixa qualidade microbiológica, dentre outras questões, em decorrência da multiplicação desses microrganismos quando o leite fica muito tempo estocado na fazenda ou na indústria, antes de ser processado. A presença de bactérias psicrotróficas no leite cru está associada às condições higiênicas na produção e ao manuseio na propriedade rural, ao manejo sanitário do rebanho e ao tempo e à temperatura em que o este é armazenado, cuja contaminação tem origem no uso de água de qualidade inadequada, além de deficiências no procedimento de higiene. Uma contagem baixa desses microrganismos no leite cru é de fundamental importância para a sua qualidade, pois a sua atividade metabólica pode resultar em alterações nos constituintes do leite que limitam a vida de prateleira dos produtos lácteos.
O que se recomenda é que o leite cru que apresentar contagens iguais ou superiores a cem mil UFC desses microrganismos, não deve ser processado, pois há possibilidade de produção de enzimas proteolíticas e lipolíticas que não são destruídas pelo tratamento térmico e podem afetar a qualidade dos derivados lácteos e provocar a coagulação doce do leite UHT, a ocorrência de rancidez, de sabores e odores indesejáveis, além da queda de rendimento em queijos. Contudo, quero salientar que um leite com baixa contagem desses microrganismos, não necessariamente não está propenso à ação dessas enzimas, pois mesmo assim, com um pequeno número desses microrganismos, também pode haver a síntese dessas enzimas, porque a questão mais importante a ser considerada é que a produção enzimática depende do tipo de microbiota psicrotrófica presente no leite e não apenas o número dessas bactérias.
Portanto, tendo em vista que o MAPA não estipula padrão de contagem de psicrotróficos para a qualidade do leite na IN 62, esta quantificação não é realizada rotineiramente pelos laboratórios dos laticínios, podendo ser mascarada no momento em que o leite é qualificado pela análise de microrganismos mesófilos, pois esta análise não é adequada para estimar a quantidade de microrganismos psicrotróficos e, dessa forma, pode avaliar erroneamente a qualidade do leite. Além disso, apesar de a legislação brasileira regulamentar o uso da refrigeração do leite cru na fazenda, também há ausência de regulamentação da padronização do sistema de estocagem, principalmente com relação ao período limite para o armazenamento a baixas temperaturas na propriedade e estabelecimento processador, as quais são cruciais para a seleção de bactérias psicrotróficas.
Além disso, outras questões também são muito relevantes da IN62, como a utilização de tanques de imersão, nos quais são empregados latões, que são extremamente arcaicos e inadequados para manter o leite à temperatura de refrigeração, havendo, portanto um resfriamento marginal de leite no qual pode ocorrer a seleção dos psicrotróficos. Eu me questiono muito em relação a isso, como nós queremos que o leite seja transportado corretamente em caminhões isotérmicos e que seja eliminado o uso de latões e o transporte à temperatura ambiente se estes ainda são utilizados em tanques de imersão?? Outra questão importante da IN62 que afeta significativamente a qualidade do leite cru é o uso de tanques de expansão comunitários, muito comuns nas pequenas propriedades no Brasil. O grau de contaminação do leite cru com bactérias psicrotróficas e a mistura do leite de diversas procedências em tanques coletivos podem aumentar o risco de contaminação e comprometer a qualidade do leite. Portanto, adianta refrigeramos um leite de qualidade ruim e pior, de várias procedências?
Além disso, embora o imediato abaixamento da temperatura do leite após a ordenha apresente-se como uma ferramenta tecnológica eficaz para garantir a conservação de sua carga microbiológica e preservar a qualidade inicial do produto, a refrigeração, quando aplicada isoladamente, não possibilita a garantia de qualidade desta matéria-prima. É extremamente importante que o leite seja obtido em condições higiênico-sanitárias adequadas com o intuito da obtenção do produto com baixa contagem bacteriana, além do controle efetivo do tempo e da temperatura de estocagem do leite e o desenvolvimento de programas regionais de assistência a produtores leiteiros para estimular a melhoria da qualidade do leite. Na verdade, o ponto crucial é a educação do produtor. Estas ações não são difíceis de serem executadas. Entretanto, é necessário treinamento, rotina e acompanhamento na aplicação dessas práticas. Alguns produtores já demonstraram esforço e apresentam resultados dentro dos padrões propostos pela Normativa. Em contrapartida, muitos ainda não apresentam resultados dentro dos padrões estabelecidos, simplesmente em função do desconhecimento sobre o assunto, ou seja, deficiências relacionadas ao conhecimento do produtor sobre o processo produtivo, fator característico de sua falta de profissionalização e que exerce influência significativa na qualidade do leite.
O que deve ser reforçado é que este não é um desafio para o produtor encarar sozinho, pois toda a cadeia é responsável por garantir que o leite chegue com qualidade à mesa do consumidor. É necessário que haja efetiva integração com as indústrias, os centros de pesquisa e os órgãos fiscalizadores, pois é imprescindível que haja associação à refrigeração as Boas Práticas Agropecuárias (BPA) para que se evite ou controle a contaminação do leite com psicrotróficos além de desenvolvimento de programas regionais de assistência a produtores leiteiros para estimular a melhoria na qualidade microbiológica do leite produzido no Brasil.
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Material escrito por:
Elisângela Michele Miguel
Professora e Pesquisadora da Epamig/Instituto de Laticínios Cãndido Tostes-MG. Atua na área de Microbiologia do Leite e Derivados
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JUIZ DE FORA - MINAS GERAIS - PESQUISA/ENSINO
EM 20/08/2014
JUIZ DE FORA - MINAS GERAIS - PESQUISA/ENSINO
EM 20/08/2014
Renato Dias de Souza, este assunto deve ser discutido sempre, né? Que bom que vc gostou!!
THIAGO S. AGUIAR!! Concordo com a sua colocação, pois sabemos que a realidade do Brasil são de pequenos produtores e que muitos não têm condições de ter o seu próprio tanque de expansão para a conservação do leite em sua propriedade e o uso de tanques comunitários viabiliza a produção familiar e diminui a possibilidade de extinção destes produtores na cadeia produtiva do leite. Entretanto, esta questão, microbiologicamente falando é extremamente preocupante, tendo em vista que a mistura de leite de várias procedências, afeta significativamente a sua qualidade. Outra questão importante é que nem sempre a temperatura nesses tanques é mantida corretamente e, mesmo quando isso acontece, a mistura de outro leite à temperatura ambiente, compromete a qualidade do produto principalmente com as bactérias psicrotróficas!!!
José Aníbal do Amaral!! Concordo plenamente com o que vc disse, pois em muitos casos, os produtos lácteos não são armazenados corretamente nos locais de comercialização e todo o trabalho que foi realizado anteriormente com a conscientização do produtor, o processamento correto na indústria fica prejudicado e afeta a qualidade dos produtos tb. Acho importante, conforme vc disse, que a indústria deva investir em pagamento por qualidade para estimular os produtores a trabalharem com boas práticas agropecuárias e melhorar a qualidade do leite. Como disse, não é um trabalho para o produtor realizar sozinho e a indústria, assim como órgãos fiscalizadores, têm a responsabilidade, em conjunto, de melhorar a qualidade microbiológica do leite produzido no Brasil!!

INDÚSTRIA DE LATICÍNIOS
EM 18/08/2014
Dr. Gerónimo E. Heer Se denominan psicrotrofas a aquellas bacterias que pueden desarrollarse desde -5 hasta 20°C. Origen: suelo, aire, agua, forrajes, equipamiento, materia fecal. Pertenecen a las Psicrotrofas los siguientes géneros: Pseudomonas, Alcalígenes, Lactobacillus, Micrococcus, Streptococcus y géneros de la Familia Enterobacteriaceae. Estas bacterias son de importancia tecnológica, porque además de desarrollarse a bajas temperaturas, sus enzimas proteolíticas y lipolíticas son termoestables, no se destruyen con la pasterización y siguen actuando en los subproductos. Las bacterias Psicrotrofas se encuentran en la leche en forma proporcional al recuento total de bacterias:
Leche con bajos recuentos de bacterias: 10% de psicrotrofas.
Leche con altos recuentos de bacterias: hasta 75% de psicrotrofas.
Saludos

MONTE NEGRO - RONDÔNIA - INDÚSTRIA DE LATICÍNIOS
EM 15/08/2014

ITAPERUNA - RIO DE JANEIRO - INDÚSTRIA DE LATICÍNIOS
EM 14/08/2014
Hoje vemos algumas empresas voltando para o sistema de inspeção estadual onde as exigências são menores .
Portanto é um problema cultural que acontece das fazendas até no supermercado onde o produto fica em freezer com temperatura inadequada contribuindo para a péssima qualidade dos produtos lácteos
MONTENEGRO - RONDÔNIA
EM 14/08/2014

CARANGOLA - MINAS GERAIS - INDÚSTRIA DE LATICÍNIOS
EM 14/08/2014