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Produtos lácteos com teor de gordura reduzido

A adição de proteínas, polissacarídeos ou suas misturas é a principal estratégia tecnológica para melhorar a qualidade dos lácteos com baixo teor de gordura.

Publicado por: vários autores

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As gorduras desempenham diversas funções biológicas no organismo, além de importantes propriedades técnico-funcionais na formulação dos alimentos. Atuam na estabilidade da estrutura, textura, aspecto global, aroma, odor, sabor e sensação de saciedade após as refeições, além de outros atributos sensoriais desejáveis como maciez e suculência (Figura 1). Entretanto, o consumo de altas quantidades de gordura está relacionado à incidência de obesidade e de outras doenças crônicas, o que tem atraído a atenção para os produtos com baixo teor de gordura.

Figura 1. Papel da gordura nos alimentos.

teor gordura em lácteos

Fonte: autores.

 

 

Nesse contexto, produtos lácteos com teor de gordura reduzido vêm ganhando popularidade devido à maior percepção dos consumidores quanto aos benefícios à saúde. Porém, inúmeros são os desafios, uma vez que a redução do teor de gordura torna os produtos susceptíveis a apresentarem problemas de textura e sabor, principalmente, o que pode influenciar negativamente na aceitabilidade perante o consumidor.

 

Propriedades técnico-funcionais da gordura em produtos lácteos

A gordura encontrada em produtos lácteos tradicionais provém de fontes lácteas e não lácteas. O sorvete, por exemplo, apresenta entre 10 e 16% de gordura, enquanto o iogurte e o queijo tipo cheddar possuem entre 4–10% e 25–35%, respectivamente (ZHAO et al., 2023).

O sorvete comum consiste numa emulsão aerada complexa e congelada (Figura 2a) composta por três fases: ar, líquido e sólido. Geralmente, a fase líquida contém cristais de gelo, bolhas de ar, proteínas do leite, glóbulos de gordura, açúcar, estabilizantes e sais (GOFF, 2002).

Figura 2. Representação esquemática das estruturas do (a) sorvete, (b) iogurte e (c) queijo.

gordura em lácteos

Fonte: autores.

 

 

As propriedades texturais e sensoriais resultantes são os fatores-chave para as características tecnológicas dos sorvetes, sendo a gordura responsável pela textura suave e cremosa, redução da taxa de derretimento e melhora da estabilidade das bolhas de ar. Além disso, a gordura é responsável por enriquecer o sabor do sorvete, uma vez que carrega compostos voláteis desejáveis (AKBARI et al., 2019).

O iogurte é um alimento obtido pela acidificação do leite através da fermentação com/por Streptococcus thermophilus e Lactobacillus delbrueckii subsp. bulgaricus. Quando essas culturas são adicionadas ao leite, a lactose é fermentada, formando o ácido lático, que interage com as proteínas do leite para dar consistência e o gosto ácido característico do iogurte.

A produção de ácido lático diminui o pH do leite, resultando na coagulação das proteínas, o que proporciona a consistência de gel característica do iogurte (GAHRUIE et al., 2015). Os iogurtes tradicionais contêm aproximadamente 3,25% de gordura, podendo essa ser reduzida para 0,5–2,0% em iogurtes com baixo teor de gordura ou para teores menores que 0,5% em iogurtes desnatados.

Os glóbulos de gordura interagem com as caseínas, formando a rede estrutural (Figura 3b). Se houver a diminuição no teor de gordura, altera-se as propriedades reológicas e atributos sensoriais do iogurte, resultando em menor consistência e aumento da sinérese (CHANDAN, 2017).

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Segundo o Center for Dairy Research, da Universidade de Wisconsin, o queijo é o grupo mais diversificado de produtos lácteos, registrando-se atualmente mais de 1.400 tipos, incluindo Camembert, Roquefort, Edam, Gouda, Cheddar, Provolone, Cottage, Parmesão, entre outros (KHANAL et al., 2019). Embora a tecnologia de fabricação seja diferente para cada variedade, as etapas básicas são semelhantes para a maioria dos queijos, como acidificação, coagulação, desidratação, separação da coalhada e do soro, enformagem e salga.

A essência da fabricação do queijo é um processo de desidratação no qual a gordura e a caseína do leite são concentradas de 6 a 12 vezes, dependendo da variedade.  Além de outros nutrientes, os glóbulos de gordura desempenham um papel importante na microestrutura e nos atributos sensoriais do queijo.

A gordura fica presa na matriz de caseína em duas formas principais: pequenos glóbulos circulares de 2 a 4 μm e agregados irregulares de 10 a 20 μm (GOBBETTI et al., 2018). Esses glóbulos e agregados atuam como partículas de enchimento na rede tridimensional da caseína (Fig. 2c), interferindo em sua integridade e, assim, suavizando a textura, proporcionando lubrificação e sensação cremosa durante a mastigação (EVERETT et al., 2017).  

O tamanho dos glóbulos de gordura também afeta diretamente a consistência dos queijos. Os glóbulos maiores são responsáveis por queijos de consistência mais macia, enquanto os menores são geradores de queijos mais firmes. A gordura também desempenha um papel essencial no desenvolvimento dos sabores e aromas característicos, uma vez que apresenta substâncias precursoras solúveis em sua composição, como os ácidos graxos (KHANAL et al., 2020).

 

Impactos da redução do teor de gordura em produtos lácteos

Nos últimos anos, estudos sugerem que o consumo excessivo de gordura contribui para o desenvolvimento de doenças como obesidade, doença cardíaca coronária, diabetes e certos tipos de câncer, o que induz os consumidores a procurarem por alimentos com baixo teor de gordura (LAMARCHE, 2021).

No entanto, a técnico-funcionalidade da gordura é fundamental para a identidade e qualidade dos produtos lácteos, logo, a sua remoção sem a adição de um composto substituinte adequado na formulação pode reduzir a qualidade físico-química e sensorial de sorvetes, iogurtes, queijos, dentre outros.

A retirada da gordura é muito complexa, pois compromete importantes atributos sensoriais dos alimentos. Atualmente, nenhum ingrediente sozinho é capaz substituir a gordura em todas as aplicações, uma vez que há uma grande variedade de atributos a serem reproduzidos.

A potencialidade dos efeitos dos substitutos pode ser alcançada pela utilização de misturas, proporcionando maior funcionalidade para aplicações específicas. A escolha é determinada pelo custo, qualidade, inocuidade e desempenho dos substitutos de gordura.

Em sorvetes, a redução do teor de gordura induz a problemas tais como presença de gelo, textura arenosa, encolhimento e defeitos de sabor. Segundo Velásquez-Cock, et al. (2019), a diminuição do teor de gordura de 10% para 5% promove o aumento da taxa de derretimento em aproximadamente 200% e aumento da formação de cristais de gelo, bem como diminuição da cremosidade.

Assim como em sorvetes, a redução do teor de gordura em iogurtes afeta diretamente na cremosidade. Além disso, promove a sinérese, desequilíbrios na liberação de compostos aromáticos, bem como baixa viscosidade aparente e alterações na textura. Já queijos com reduzido teor de gordura apresentam sabor, consistência e textura inadequados comparados aos tradicionais.

 

Substitutos de gordura em produtos lácteos

No intuito de substituir os lipídeos em produtos com reduzido teor de gorduras e mimetizar o aspecto global, textura, viscosidade, sabor e outras propriedades das mesmas, as indústrias lançam mão dos chamados substitutos de gorduras.

Segundo a Food and Drug istration (FDA), para ser utilizado como substituto de gordura, um composto deve atender aos seguintes requisitos: (i) ser preferencialmente considerado GRAS - Generally Recognised as Safe (Geralmente Reconhecido como Seguro); (ii) ser livre de efeitos tóxicos; (iii) não produzir metabólitos diferentes daqueles produzidos pela gordura convencional; e (iv) ser eliminado completamente do organismo (LUCCA et al., 1994).

Os substitutos de gorduras podem ser à base de proteínas, polissacarídeos ou ambos. As proteínas usadas como substitutos têm propriedades texturais, reológicas e sensoriais semelhantes às da gordura.

Já os polissacarídeos funcionam como substitutos principalmente pela estabilização de uma grande quantidade de água em uma matriz semelhante a gel, resultando em cremosidade similar à da gordura. Devido à interação e diferentes técnico-funcionalidades combinadas, misturas à base de proteínas e carboidratos têm sido frequentemente utilizadas como substitutos de gordura em formulações lácteas com teor de gordura reduzido (BOUROUIS et al., 2023).

Dentre os hidrocoloides relatados como potenciais substitutos de gordura em iogurtes, incluem-se amido modificado, gelatina, goma guar, pectina, inulina, goma de alfarroba, β-glucana, goma xantana, carragena, derivados de celulose e proteínas do leite (ZHAO et al., 2023).

Em queijos, substitutos de gordura à base de polissacarídeos, como carragena, goma konjac, alginato de sódio e β-glucano, podem aprisionar mecanicamente a água e impedir as ligações cruzadas caseína-caseína por interações associativas (ligações de hidrogênio, interações hidrofóbicas ou eletrostáticas), ou interações segregativas (incompatibilidade) entre polissacarídeos e caseínas, resultando em um produto com maior umidade, consistência mais macia e melhor cremosidade. Além dos polissacarídeos, whey protein (proteínas do soro de leite), gergelim, soja e ervilha são frequentemente utilizados como substitutos de gordura (JOHNSON et al., 2022).

 

Conclusão

Substitutos de gordura são ingredientes adicionados a formulações alimentícias com o intuito de compensar as alterações texturais, reológicas e sensoriais que possivelmente surgem devido à redução do teor de gordura em alimentos.

Apesar de diversos estudos, ainda não foi encontrado um composto substituto adequado para todas as aplicações nos diversos segmentos da indústria de alimentos e que apresente sozinho todas as propriedades técnico-funcionais da gordura.

A adição de proteínas, polissacarídeos ou suas misturas constitui a principal estratégia tecnológica para melhorar a qualidade de produtos lácteos com baixo teor de gordura, mantendo atributos sensoriais tais como consistência, textura, sabor e aroma.

Entretanto, são necessárias mais pesquisas referentes ao desenvolvimento de formulações e otimização do uso dos substitutos de gordura, visto que diferentes matrizes alimentares exigem compostos substitutos específicos.

 

 

Agradecimento

À Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG) pelo apoio aos projetos da EPAMIG.

 

Referências

AKBARI, M.; ESKANDARI, M. H.; DAVOUDI, Z. Application and functions of fat replacers in low-fat ice cream: A review. Trends in Food Science & Technology, v. 86, p. 34-40, 2019.

BOUROUIS, I.; PANG, Z.; LIU, X. Recent advances on uses of protein and/or polysaccharide as fat replacers: Textural and tribological perspectives: A review. Journal of Agriculture and Food Research, v. 11, 2023.

CHANDAN, R. C. Chapter 2 - An overview of yogurt production and composition. N.P. Shah (Ed.), Yogurt in health and disease prevention, Academic Press, p. 31-47, 2017.

EVERETT, D. W.; AUTY, M. A. E. Chapter 21 - Cheese microstructure. McSweeney, P. L. H.; Fox, P. F.; Cotter, P. D.; Everett, D. W. (Eds.), Cheese (4th ed.), Academic Press, San Diego, p. 547-569, 2017.

GAHRUIE, H. H.; ESKANDARI, M. F.; MESBAHI, G./ HANIFPOUR, M. A. V. Scientific and technical aspects of yogurt fortification: A review. Food Science and Human Wellness, v. 4, p. 1-8, 2015.

GOBBETTI, M.; NEVIANI, E.; FOX, P. Cheese: An overview. Gobbetti, M.; Neviani, E.; Fox, P. (Eds.), The cheeses of Italy: Science and technology, Springer International Publishing, Cham, p. 39-53, 2018.

GOFF, H. D. Formation and stabilisation of structure in ice-cream and related products. Current Opinion in Colloid & Interface Science, v. 7, p. 432-437, 2002.

JOHNSON, M. E.; IBÁÑEZ, R. A. Low-Fat and Reduced-Fat Cheese. Encyclopedia of Dairy Sciences (Third edition), p. 196-205, 2022.

KHANAL, B. K. S.; BANSAL, N. Dairy fat replacement in low-fat cheese (LFC): A review of successful technological interventions. Truong, T.; Lopez, C.; Bhandari, B.; Prakash, S. (Eds.), Dairy fat products and functionality: Fundamental science and technology, Springer International Publishing, Cham, p. 549-581, 2020.

KHANAL, B. K. S.; PRADHAN, M.; BANSAL, N. Cheese: Importance and introduction to basic technologies. Journal of Food Science and Technology Nepal, v. 11, p.. 14-24, 2019.

LAMARCHE, B. Dairy foods and the risk of type 2 diabetes: getting the “fats” straight? The American Journal of Clinical Nutrition, v. 113, p. 495-496, 2021.

LUCCA, P. A.; TEPPER, P. J. Fat replacers and the functionality of fat in foods. Trends in Food Science & Technology, v. 5, p. 12-19, 1994.

VELÁSQUEZ-COCK, J.; SERPA, A.; VÉLEZ, L.; GAÑÁN, P.; GÓMEZ HOYOS, C.; CASTRO, C. Influence of cellulose nanofibrils on the structural elements of ice cream. Food Hydrocolloids, v. 87, p. 204-213, 2019.

ZHAO, Y.; KHALESI, H.; HE, J.; FANG, Y. Application of different hydrocolloids as fat replacer in low-fat dairy products: Ice cream, yogurt and cheese. Food Hydrocolloids, v. 138, 2023.

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Danielle Cristine Mota Ferreira

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Bolsista de pesquisa nível I do Instituto de Laticínios Cândido Tostes - EPAMIG-ILCT.

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Isis Renhe

Isis Renhe

Isis Renhe (Professora/pesquisadora do Instituto de Laticínios Cândido Tostes - EPAMIG-MG).

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Tatiane Teixeira Tavares

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Bolsista de pesquisa nível I do Instituto de Laticínios Cândido Tostes - EPAMIG-ILCT.

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Ana Flavia Coelho Pacheco

Ana Flavia Coelho Pacheco

Professora/pesquisadora do Instituto de Laticínios Cândido Tostes - EPAMIG-MG) e Membra do Laboratório de Inovação no Processamento de Alimentos - LIPA/DTA/UFV.

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Paulo Henrique Costa Paiva

Paulo Henrique Costa Paiva

Professor Dr. e Pesquisador do Instituto de Laticínios Cândido Tostes/EPAMIG.

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A adição de proteínas, polissacarídeos ou suas misturas é a principal estratégia tecnológica para melhorar a qualidade dos lácteos com baixo teor de gordura.

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As gorduras desempenham diversas funções biológicas no organismo, além de importantes propriedades técnico-funcionais na formulação dos alimentos. Atuam na estabilidade da estrutura, textura, aspecto global, aroma, odor, sabor e sensação de saciedade após as refeições, além de outros atributos sensoriais desejáveis como maciez e suculência (Figura 1). Entretanto, o consumo de altas quantidades de gordura está relacionado à incidência de obesidade e de outras doenças crônicas, o que tem atraído a atenção para os produtos com baixo teor de gordura.

Figura 1. Papel da gordura nos alimentos.

teor gordura em lácteos

Fonte: autores.

 

 

Nesse contexto, produtos lácteos com teor de gordura reduzido vêm ganhando popularidade devido à maior percepção dos consumidores quanto aos benefícios à saúde. Porém, inúmeros são os desafios, uma vez que a redução do teor de gordura torna os produtos susceptíveis a apresentarem problemas de textura e sabor, principalmente, o que pode influenciar negativamente na aceitabilidade perante o consumidor.

 

Propriedades técnico-funcionais da gordura em produtos lácteos

A gordura encontrada em produtos lácteos tradicionais provém de fontes lácteas e não lácteas. O sorvete, por exemplo, apresenta entre 10 e 16% de gordura, enquanto o iogurte e o queijo tipo cheddar possuem entre 4–10% e 25–35%, respectivamente (ZHAO et al., 2023).

O sorvete comum consiste numa emulsão aerada complexa e congelada (Figura 2a) composta por três fases: ar, líquido e sólido. Geralmente, a fase líquida contém cristais de gelo, bolhas de ar, proteínas do leite, glóbulos de gordura, açúcar, estabilizantes e sais (GOFF, 2002).

Figura 2. Representação esquemática das estruturas do (a) sorvete, (b) iogurte e (c) queijo.

gordura em lácteos

Fonte: autores.

 

 

As propriedades texturais e sensoriais resultantes são os fatores-chave para as características tecnológicas dos sorvetes, sendo a gordura responsável pela textura suave e cremosa, redução da taxa de derretimento e melhora da estabilidade das bolhas de ar. Além disso, a gordura é responsável por enriquecer o sabor do sorvete, uma vez que carrega compostos voláteis desejáveis (AKBARI et al., 2019).

O iogurte é um alimento obtido pela acidificação do leite através da fermentação com/por Streptococcus thermophilus e Lactobacillus delbrueckii subsp. bulgaricus. Quando essas culturas são adicionadas ao leite, a lactose é fermentada, formando o ácido lático, que interage com as proteínas do leite para dar consistência e o gosto ácido característico do iogurte.

A produção de ácido lático diminui o pH do leite, resultando na coagulação das proteínas, o que proporciona a consistência de gel característica do iogurte (GAHRUIE et al., 2015). Os iogurtes tradicionais contêm aproximadamente 3,25% de gordura, podendo essa ser reduzida para 0,5–2,0% em iogurtes com baixo teor de gordura ou para teores menores que 0,5% em iogurtes desnatados.

Os glóbulos de gordura interagem com as caseínas, formando a rede estrutural (Figura 3b). Se houver a diminuição no teor de gordura, altera-se as propriedades reológicas e atributos sensoriais do iogurte, resultando em menor consistência e aumento da sinérese (CHANDAN, 2017).

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Segundo o Center for Dairy Research, da Universidade de Wisconsin, o queijo é o grupo mais diversificado de produtos lácteos, registrando-se atualmente mais de 1.400 tipos, incluindo Camembert, Roquefort, Edam, Gouda, Cheddar, Provolone, Cottage, Parmesão, entre outros (KHANAL et al., 2019). Embora a tecnologia de fabricação seja diferente para cada variedade, as etapas básicas são semelhantes para a maioria dos queijos, como acidificação, coagulação, desidratação, separação da coalhada e do soro, enformagem e salga.

A essência da fabricação do queijo é um processo de desidratação no qual a gordura e a caseína do leite são concentradas de 6 a 12 vezes, dependendo da variedade.  Além de outros nutrientes, os glóbulos de gordura desempenham um papel importante na microestrutura e nos atributos sensoriais do queijo.

A gordura fica presa na matriz de caseína em duas formas principais: pequenos glóbulos circulares de 2 a 4 μm e agregados irregulares de 10 a 20 μm (GOBBETTI et al., 2018). Esses glóbulos e agregados atuam como partículas de enchimento na rede tridimensional da caseína (Fig. 2c), interferindo em sua integridade e, assim, suavizando a textura, proporcionando lubrificação e sensação cremosa durante a mastigação (EVERETT et al., 2017).  

O tamanho dos glóbulos de gordura também afeta diretamente a consistência dos queijos. Os glóbulos maiores são responsáveis por queijos de consistência mais macia, enquanto os menores são geradores de queijos mais firmes. A gordura também desempenha um papel essencial no desenvolvimento dos sabores e aromas característicos, uma vez que apresenta substâncias precursoras solúveis em sua composição, como os ácidos graxos (KHANAL et al., 2020).

 

Impactos da redução do teor de gordura em produtos lácteos

Nos últimos anos, estudos sugerem que o consumo excessivo de gordura contribui para o desenvolvimento de doenças como obesidade, doença cardíaca coronária, diabetes e certos tipos de câncer, o que induz os consumidores a procurarem por alimentos com baixo teor de gordura (LAMARCHE, 2021).

No entanto, a técnico-funcionalidade da gordura é fundamental para a identidade e qualidade dos produtos lácteos, logo, a sua remoção sem a adição de um composto substituinte adequado na formulação pode reduzir a qualidade físico-química e sensorial de sorvetes, iogurtes, queijos, dentre outros.

A retirada da gordura é muito complexa, pois compromete importantes atributos sensoriais dos alimentos. Atualmente, nenhum ingrediente sozinho é capaz substituir a gordura em todas as aplicações, uma vez que há uma grande variedade de atributos a serem reproduzidos.

A potencialidade dos efeitos dos substitutos pode ser alcançada pela utilização de misturas, proporcionando maior funcionalidade para aplicações específicas. A escolha é determinada pelo custo, qualidade, inocuidade e desempenho dos substitutos de gordura.

Em sorvetes, a redução do teor de gordura induz a problemas tais como presença de gelo, textura arenosa, encolhimento e defeitos de sabor. Segundo Velásquez-Cock, et al. (2019), a diminuição do teor de gordura de 10% para 5% promove o aumento da taxa de derretimento em aproximadamente 200% e aumento da formação de cristais de gelo, bem como diminuição da cremosidade.

Assim como em sorvetes, a redução do teor de gordura em iogurtes afeta diretamente na cremosidade. Além disso, promove a sinérese, desequilíbrios na liberação de compostos aromáticos, bem como baixa viscosidade aparente e alterações na textura. Já queijos com reduzido teor de gordura apresentam sabor, consistência e textura inadequados comparados aos tradicionais.

 

Substitutos de gordura em produtos lácteos

No intuito de substituir os lipídeos em produtos com reduzido teor de gorduras e mimetizar o aspecto global, textura, viscosidade, sabor e outras propriedades das mesmas, as indústrias lançam mão dos chamados substitutos de gorduras.

Segundo a Food and Drug istration (FDA), para ser utilizado como substituto de gordura, um composto deve atender aos seguintes requisitos: (i) ser preferencialmente considerado GRAS - Generally Recognised as Safe (Geralmente Reconhecido como Seguro); (ii) ser livre de efeitos tóxicos; (iii) não produzir metabólitos diferentes daqueles produzidos pela gordura convencional; e (iv) ser eliminado completamente do organismo (LUCCA et al., 1994).

Os substitutos de gorduras podem ser à base de proteínas, polissacarídeos ou ambos. As proteínas usadas como substitutos têm propriedades texturais, reológicas e sensoriais semelhantes às da gordura.

Já os polissacarídeos funcionam como substitutos principalmente pela estabilização de uma grande quantidade de água em uma matriz semelhante a gel, resultando em cremosidade similar à da gordura. Devido à interação e diferentes técnico-funcionalidades combinadas, misturas à base de proteínas e carboidratos têm sido frequentemente utilizadas como substitutos de gordura em formulações lácteas com teor de gordura reduzido (BOUROUIS et al., 2023).

Dentre os hidrocoloides relatados como potenciais substitutos de gordura em iogurtes, incluem-se amido modificado, gelatina, goma guar, pectina, inulina, goma de alfarroba, β-glucana, goma xantana, carragena, derivados de celulose e proteínas do leite (ZHAO et al., 2023).

Em queijos, substitutos de gordura à base de polissacarídeos, como carragena, goma konjac, alginato de sódio e β-glucano, podem aprisionar mecanicamente a água e impedir as ligações cruzadas caseína-caseína por interações associativas (ligações de hidrogênio, interações hidrofóbicas ou eletrostáticas), ou interações segregativas (incompatibilidade) entre polissacarídeos e caseínas, resultando em um produto com maior umidade, consistência mais macia e melhor cremosidade. Além dos polissacarídeos, whey protein (proteínas do soro de leite), gergelim, soja e ervilha são frequentemente utilizados como substitutos de gordura (JOHNSON et al., 2022).

 

Conclusão

Substitutos de gordura são ingredientes adicionados a formulações alimentícias com o intuito de compensar as alterações texturais, reológicas e sensoriais que possivelmente surgem devido à redução do teor de gordura em alimentos.

Apesar de diversos estudos, ainda não foi encontrado um composto substituto adequado para todas as aplicações nos diversos segmentos da indústria de alimentos e que apresente sozinho todas as propriedades técnico-funcionais da gordura.

A adição de proteínas, polissacarídeos ou suas misturas constitui a principal estratégia tecnológica para melhorar a qualidade de produtos lácteos com baixo teor de gordura, mantendo atributos sensoriais tais como consistência, textura, sabor e aroma.

Entretanto, são necessárias mais pesquisas referentes ao desenvolvimento de formulações e otimização do uso dos substitutos de gordura, visto que diferentes matrizes alimentares exigem compostos substitutos específicos.

 

 

Agradecimento

À Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG) pelo apoio aos projetos da EPAMIG.

 

Referências

AKBARI, M.; ESKANDARI, M. H.; DAVOUDI, Z. Application and functions of fat replacers in low-fat ice cream: A review. Trends in Food Science & Technology, v. 86, p. 34-40, 2019.

BOUROUIS, I.; PANG, Z.; LIU, X. Recent advances on uses of protein and/or polysaccharide as fat replacers: Textural and tribological perspectives: A review. Journal of Agriculture and Food Research, v. 11, 2023.

CHANDAN, R. C. Chapter 2 - An overview of yogurt production and composition. N.P. Shah (Ed.), Yogurt in health and disease prevention, Academic Press, p. 31-47, 2017.

EVERETT, D. W.; AUTY, M. A. E. Chapter 21 - Cheese microstructure. McSweeney, P. L. H.; Fox, P. F.; Cotter, P. D.; Everett, D. W. (Eds.), Cheese (4th ed.), Academic Press, San Diego, p. 547-569, 2017.

GAHRUIE, H. H.; ESKANDARI, M. F.; MESBAHI, G./ HANIFPOUR, M. A. V. Scientific and technical aspects of yogurt fortification: A review. Food Science and Human Wellness, v. 4, p. 1-8, 2015.

GOBBETTI, M.; NEVIANI, E.; FOX, P. Cheese: An overview. Gobbetti, M.; Neviani, E.; Fox, P. (Eds.), The cheeses of Italy: Science and technology, Springer International Publishing, Cham, p. 39-53, 2018.

GOFF, H. D. Formation and stabilisation of structure in ice-cream and related products. Current Opinion in Colloid & Interface Science, v. 7, p. 432-437, 2002.

JOHNSON, M. E.; IBÁÑEZ, R. A. Low-Fat and Reduced-Fat Cheese. Encyclopedia of Dairy Sciences (Third edition), p. 196-205, 2022.

KHANAL, B. K. S.; BANSAL, N. Dairy fat replacement in low-fat cheese (LFC): A review of successful technological interventions. Truong, T.; Lopez, C.; Bhandari, B.; Prakash, S. (Eds.), Dairy fat products and functionality: Fundamental science and technology, Springer International Publishing, Cham, p. 549-581, 2020.

KHANAL, B. K. S.; PRADHAN, M.; BANSAL, N. Cheese: Importance and introduction to basic technologies. Journal of Food Science and Technology Nepal, v. 11, p.. 14-24, 2019.

LAMARCHE, B. Dairy foods and the risk of type 2 diabetes: getting the “fats” straight? The American Journal of Clinical Nutrition, v. 113, p. 495-496, 2021.

LUCCA, P. A.; TEPPER, P. J. Fat replacers and the functionality of fat in foods. Trends in Food Science & Technology, v. 5, p. 12-19, 1994.

VELÁSQUEZ-COCK, J.; SERPA, A.; VÉLEZ, L.; GAÑÁN, P.; GÓMEZ HOYOS, C.; CASTRO, C. Influence of cellulose nanofibrils on the structural elements of ice cream. Food Hydrocolloids, v. 87, p. 204-213, 2019.

ZHAO, Y.; KHALESI, H.; HE, J.; FANG, Y. Application of different hydrocolloids as fat replacer in low-fat dairy products: Ice cream, yogurt and cheese. Food Hydrocolloids, v. 138, 2023.

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Danielle Cristine Mota Ferreira

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Bolsista de pesquisa nível I do Instituto de Laticínios Cândido Tostes - EPAMIG-ILCT.

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Isis Renhe

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Isis Renhe (Professora/pesquisadora do Instituto de Laticínios Cândido Tostes - EPAMIG-MG).

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Professora/pesquisadora do Instituto de Laticínios Cândido Tostes - EPAMIG-MG) e Membra do Laboratório de Inovação no Processamento de Alimentos - LIPA/DTA/UFV.

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Paulo Henrique Costa Paiva

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Professor Dr. e Pesquisador do Instituto de Laticínios Cândido Tostes/EPAMIG.

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