A produção de queijo artesanal constitui uma das mais significativas expressões gastronômicas e culturais do Estado de Minas Gerais, refletindo uma rica diversidade de sabores que encantam os paladares. Esse processo, que mescla tradição e técnica, destaca-se pela qualidade e singularidade dos produtos que surgem de práticas que remontam a séculos de história (Araújo et al., 2020).
No contexto mineiro, os queijos são classificados em duas categorias distintas: Queijo Artesanal de Minas (QAM) e Queijo Minas Artesanal (QMA). Ambas as categorias envolvem a produção artesanal, utilizando leite não padronizado e métodos tradicionais de fabricação. No entanto, existem diferenças substanciais entre elas, tanto em relação ao modo de preparo quanto a regulamentação que as regem (Sobral et al., 2022).
Os Queijos Artesanais de Minas (QAM) englobam todos os queijos produzidos artesanalmente no estado, os quais estão devidamente regulamentados e possuem o selo “Artesanais” emitido pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) e/ou a certificação de “Denominação de Origem” concedida pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI). Esses queijos se caracterizam pela diversidade de formatos, sabores e técnicas de produção, incluindo a possibilidade de utilização de leite pasteurizado, o que lhes confere um leque mais amplo de possibilidades de produção.
Por outro lado, os Queijos Minas Artesanais (QMA) são fabricados exclusivamente a partir de leite cru e fazem uso do “pingo”, um fermento natural derivado do soro do queijo. A produção dos QMA segue normas rigorosas de controle de identidade e qualidade, garantindo, assim, uma certificação específica que assegura o reconhecimento e a valorização formal desses produtos no mercado (Minas Gerais, 2028). Tais especificidades conferem aos QMA uma identidade própria, reforçando seu valor cultural e gastronômico na região (Carvalho et al., 2024).
Regiões reconhecidas como produtoras de QAM
Considerando a importância desses queijos, atualmente, o Governo de Minas Gerais reconhece oficialmente 16 regiões como tradicionalmente produtoras de queijos artesanais: Araxá, Campo das Vertentes, Canastra, Cerrado, Diamantina, Entre Serras da Piedade ao Caraça, Serra do Salitre, Serro, Triângulo Mineiro, Serras de Ibitipoca, Alagoa (Queijo Artesanal de Alagoa), Mantiqueira de Minas (Queijo Artesanal da Mantiqueira de Minas), Serra Geral do Norte de Minas, Vale do Jequitinhonha (Queijo Cabacinha), Vale do Suaçuí e Vale do Mucuri (Requeijão Moreno), Figura 1.
Figura 1. Regiões Produtoras de Queijos Artesanais de Minas Gerais
Fonte: IBGE, 2020, 2022; EMATER, 2024.
O Estado de Minas Gerais é reconhecido por sua rica diversidade de queijos artesanais, sendo suas regiões classificadas em categorias específicas, conforme os critérios estabelecidos para os queijos artesanais do estado. Dentre as 16 regiões oficialmente reconhecidas como produtoras de Queijo Artesanal de Minas (QAM), apenas 10 delas são também qualificadas como áreas produtoras de Queijo Minas Artesanal (QMA). Essas regiões incluem:
- Araxá,
- Campo das Vertentes,
- Canastra,
- Cerrado,
- Diamantina,
- Entre Serras da Piedade ao Caraça,
- Serra do Salitre,
- Serro,
- Alagoa
- Mantiqueira de Minas.
Cada uma dessas regiões possui características únicas que influenciam diretamente na produção e no perfil sensorial dos queijos que ali são produzidos.
Em contrapartida, outras regiões do estado, como Alagoa (Queijo Artesanal de Alagoa), Mantiqueira de Minas (Queijo Artesanal da Mantiqueira de Minas), Vale do Jequitinhonha (Queijo Cabacinha), Vale do Suaçuí, Serra de Minas (Queijo Artesanal da Serra de Minas) e Vale do Mucuri (Requeijão Moreno), são exclusivamente reconhecidas como produtoras de Queijo Artesanal de Minas (QAM), e não como Queijo Minas Artesanal (QMA).
Queijo Artesanal de Alagoa
O município de Alagoa, localizado na Serra da Mantiqueira, em Minas Gerais, foi reconhecido como produtor de Queijo Artesanal de Alagoa por meio da Portaria IMA nº 1.986, de 16 de junho de 2020, com base no estudo de caracterização integrada realizado pela EMATER-MG (Minas Gerais, 2020).
Este queijo é um dos produtos mais tradicionais e renomados da região, sendo conhecido por sua qualidade excepcional e sabor único, resultante dos métodos de fabricação artesanal transmitidos ao longo das gerações. Sua casca amarelada, massa macia e levemente picante, com um aroma lácteo e de ervas frescas, são algumas de suas características marcantes. A maturação desse queijo pode variar de 20 dias a 6 meses, dependendo do tipo.
De acordo com a Portaria IMA nº 2.050, de 7 de abril de 2021, o Queijo Artesanal de Alagoa é elaborado a partir de leite integral de vacas sadias e cru, com utilização de soro fermento, e deve apresentar características específicas como consistência dura, textura fechada, cor interna entre o branco e amarelada, sabor moderadamente salgado e levemente picante, além de um odor pronunciado, em conformidade com a tradição cultural da região. A produção desse queijo é influenciada pelas condições geográficas e climáticas do município, que se destaca por seu relevo sinuoso e clima ameno (Minas Gerais, 2021).
Queijo Artesanal Mantiqueira de Minas
Para abordar a produção de queijos na região, estabelecemos contato com o produtor Carlos Henrique Lamim, residente na cidade de Virgínia – MG. Durante uma conversa com o Sr. Carlos Henrique, ele salientou que sua trajetória profissional não teve início na fabricação de queijos. A fundação do "Rancho Maranata" (Figura 2) ocorreu somente após uma série de experiências profissionais em áreas distintas, que não estavam relacionadas à produção de laticínios.
Figura 2. Imagens do “Rancho Maranata”
Fonte: Imagem cordialmente cedida pelo produtor do Rancho Maranata
A produção de queijos e o resgate das origens proporcionaram notável sucesso e reconhecimento ao "Rancho Maranata". Os queijos ali produzidos são classificados como QAM e apresentam características que remetem ao parmesão de massa cozida. Esses queijos são elaborados com soro fermento, leite cru, e fermento natural, utilizando prensa mecânica para a formação da massa.
O processo de salga é realizado em salmoura, e os queijos am por diferentes períodos de maturação, os quais variam conforme o tipo de queijo produzido (Figura 3). Esses distintos tempos de maturação têm um impacto direto nas características sensoriais dos produtos, resultando em sabores, aromas e texturas únicos que destacam a excelência da produção artesanal do "Rancho Maranata".
Figura 3. Queijos do “Rancho Maranata” em diferentes estágios de maturação
Fonte: Imagem cordialmente cedida pelo produtor do Rancho Maranata.
O tempo de maturação dos queijos é um fator crucial, pois é durante esse período que ocorrem uma série de reações químicas e bioquímicas que contribuem para a expressão dos sabores. Nesse processo, predominam as reações de proteólise, glicólise e lipólise, que são essenciais para a transformação das proteínas, carboidratos e lipídios presentes no leite. Essas reações não só alteram a textura, mas também intensificam o sabor e o aroma do queijo, resultando em uma complexidade sensorial que distingue cada tipo de queijo, conforme o tempo de maturação.
Um aspecto notável na produção dos queijos (QAM) é a utilização de leite cru, associada à presença de olhaduras propiônicas, que surgem devido à adição de fermento propiônico. Este fermento contém cepas de Propionibacterium freudenreichii subsp. shermanii e Propionibacterium freudenreichii subsp. freudenreichii, bactérias responsáveis por metabolizar o lactato presente no leite, resultando na produção de gás carbônico (CO2). Esse processo é fundamental para o desenvolvimento das olhaduras, que conferem uma textura e aparência distintivas aos queijos.
Queijo Artesanal do Vale do Suaçuí
A região do Vale do Suaçuí, localizada no leste de Minas Gerais, é reconhecida pela produção do Queijo Artesanal do Vale do Suaçuí, um dos queijos artesanais mais tradicionais do estado. A produção desse queijo teve início no final da década de 1970, com uma tecnologia similar à do queijo Parmesão, que foi adaptada até alcançar características específicas e próprias da região. Em pouco tempo, essa técnica se espalhou pelo Vale do Suaçuí e foi transmitida de geração em geração, tornando-se um importante produto cultural e gastronômico local.
O queijo produzido no Vale do Suaçuí é caracterizado como um Queijo Artesanal de Minas (QAM) e é fabricado a partir de leite cru. Sua coloração varia do branco ao amarelo, sendo influenciada pela umidade e pelas características do leite utilizado na produção. A textura do queijo é predominantemente fechada, embora possa apresentar olhaduras mecânicas. Seu formato é cilíndrico, com tamanhos variados e consistência semidura, conferindo-lhe uma identidade própria que se reflete tanto em seu sabor quanto em sua aparência (Minas Gerais, 2020b).
O Queijo Artesanal do Vale do Suaçuí, com suas particularidades de sabor e textura, rapidamente conquistou reconhecimento pela sua qualidade. A região foi oficialmente reconhecida como produtora de Queijo Parmesão artesanal em 2014, por meio da Portaria IMA nº 1.427, que abrange os municípios de:
- Água Boa,
- Frei Lagonegro,
- José Raydan,
- Santa Maria do Suaçuí,
- São José do Jacurí,
- São Pedro do Suaçuí
- São Sebastião do Maranhão.
Em 2020, a Portaria IMA nº 1.990 alterou a denominação da região, ando a identificá-la como produtora do Queijo Artesanal do Vale do Suaçuí, mantendo os mesmos municípios reconhecidos em 2014.
Requeijão Moreno
De acordo com dados de 2021 fornecidos pela Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Estado de Minas Gerais (Emater-MG), existem pelo menos 54 produtores de Requeijão Moreno em municípios como:
- Ataleia,
- Catuji,
- Franciscópolis,
- Frei Gaspar,
- Itaipé,
- Ladainha,
- Malacacheta,
- Novo Oriente de Minas,
- Ouro Verde de Minas,
- Pavão, Poté, S
- etubinha
- Teófilo Otoni.
De forma geral, o Requeijão Moreno é caracterizado como um queijo artesanal elaborado a partir de leite cru, que a por um processo de fermentação natural. Sua coloração varia do amarelo ao caramelo, sendo determinada tanto pelo tempo de cozimento quanto pelas características do leite utilizado. Essa variação resulta em tonalidades que podem ir de um dourado suave a um marrom mais intenso. O produto possui formato em blocos e apresenta uma consistência firme, que permite seu corte em fatias, caracterizando-o como um queijo de fácil manuseio e de grande versatilidade gastronômica (Figura 5).
Figura 4. Fotos ilustrativas do típico Requeijão Moreno
Fonte: Dos autores, 2025.
O sabor do Requeijão Moreno é levemente ácido, devido à acidificação natural do leite cru por bactérias lácticas. O leite coagulado é utilizado na massa, que é aquecida, lavada para remover o excesso de acidez e depois fundida com creme de leite previamente cozido. O produto final é colocado em formas para resfriamento à temperatura ambiente.
Queijo Cabacinha
A Região do Vale do Jequitinhonha, no norte de Minas Gerais, é reconhecida pela produção do queijo Cabacinha, um dos QAM. De acordo com a Portaria IMA nº 1.403, de 2014, a região inclui os municípios de :
- Pedra Azul,
- Medina,
- Cachoeira do Pajeú,
- Comercinho,
- Itaobim,
- Jequitinhonha,
- Divisópolis,
- Ponto dos Volantes,
- Joaíma,
O queijo Cabacinha, moldado manualmente, tem formato que lembra uma cabaça e é identificado por características como o comprimento do “pescoço” e o tamanho da “cabeça”, como ilustrado na Figura 6.
Figura 5. Ilustração do Queijo Cabacinha
Fonte: Dos autores, 2025.
A produção do queijo Cabacinha é uma prática tradicional dos agricultores familiares do Baixo e Médio Jequitinhonha, sendo ideal para o pequeno volume de leite produzido na região. Sua origem remonta a 1952, quando Alberto Firmiano Mendes de Oliveira, após concluir o curso técnico em laticínios, reou a técnica de fabricação do queijo muçarela em formato de cabaça aos produtores locais, perpetuando-se como uma tradição familiar.
Consideração final
Em conclusão, os queijos artesanais de Minas Gerais são um reflexo profundo da identidade cultural, da história e da diversidade regional do estado. A produção desses queijos, que alia práticas tradicionais a processos que se perpetuam ao longo de gerações, não só se destaca pela qualidade e sabor únicos, mas também pelo valor que agrega às comunidades locais, promovendo o reconhecimento de suas culturas e estimulando a economia regional.
A regulamentação desses produtos, como os selos e certificações, desempenha um papel essencial na preservação da autenticidade e qualidade da produção, garantindo a continuidade da tradição e a valorização dos produtores locais.
Com isso, os queijos artesanais de Minas Gerais representam mais do que um produto gastronômico, mas uma verdadeira expressão da cultura, da memória e do trabalho de pequenos produtores, que fazem da arte de produzir queijo um patrimônio a ser celebrado e preservado. O futuro dessa produção dependerá da continuidade do apoio a essas práticas, para que mais gerações possam experimentar e manter viva essa rica tradição mineira.
Referências bibliográficas
ARAÚJO, J. P. A. et al. Uma análise histórico-crítica sobre o desenvolvimento das normas brasileiras relacionadas a queijos artesanais. Arquivo Brasileiro de Medicina Veterinária e Zootecnia, v. 72, n. 5, p. 1845-1860, 2020.
CARVALHO, G. D. O., Carvalho, G. R., dos os, F. A. E., CARVALHO, C. D. O., & DOS OS, F. A. E. (2024). Queijo Minas Artesanal (QMA): resgate de experiências e encontro de saberes na construção de novos conhecimentos.
MINAS GERAIS. Instituto Mineiro de Agropecuária. Portaria nº 1403, de 02 de maio 2014. Identifica a região do Vale do Jequitinhonha como produtora de queijo cabacinha. Diário Oficial do Estado de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG, 10 maio 2014.
MINAS GERAIS. Lei nº 23157, de 18 de dezembro de 2018. Dispõe sobre a produção e a comercialização dos queijos artesanais de Minas Gerais. Minas Gerais Diário do Executivo, p. 1, col.1, 19 dez. 2018.
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MINAS GERAIS. Instituto Mineiro de Agropecuária. Portaria nº 1990, de 26 de agosto de 2020. Altera a Portaria IMA no 1427, de 29 de agosto de 2014. Diário Oficial do Estado de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG, 27 ago. 2020b.
MINAS GERAIS. Instituto Mineiro de Agropecuária. Portaria nº 2050, de 07 de abril de 2021. Estabelece o regulamento técnico de identidade e qualidade do queijo artesanal de Alagoa. Diário Oficial do Estado deMinas Gerais, Belo Horizonte, MG, 07 abr. 2021.
SOBRAl, D., Costa, R. G. B., de Souza Lima, M., Rodrigues, R. F., Paiva, C. S., de Paula, J. C. J., & Júnior, L. C. G. C. (2022). Queijos artesanais de Minas, nem todos são QMA: uma breve revisão. Revista do Instituto de Laticínios Cândido Tostes, 77(1), 55-67.