Há mais de 24 anos, trabalho na cadeia produtiva do leite, mais precisamente no setor de Suprimento de Leite. ei por quatro importantes estados produtores: Minas Gerais, Goiás, Rio de Janeiro, São Paulo, e por três grandes empresas do mercado. Com essa experiência aprendi que é fundamental conhecer com muita clareza o tripé que norteia a produção de leite: Custo – Volume – Qualidade.
Cada vez mais o mercado demonstra que esses são os pilares que sustentam o sucesso de profissionais e empresas no setor leiteiro. Quem ignorou o equilíbrio dessa tríade, exigido para manter a sustentabilidade do negócio, ficou pelo caminho.
Fonte adaptada: por Ronleishman/Depositphotos.
Primeiramente, gostaria de colocar foco no pilar custo e explorar o transporte de leite a granel. Em um país com dimensões continentais como o Brasil, a logística de coleta de leite é uma operação complexa e desafiadora.
A esse cenário complexo se somam o fato de trabalharmos com o leite, um alimento altamente perecível, estradas de o às fazendas em condições precárias — na maior parte das vias utilizadas — e a baixa densidade de produção média na maioria das bacias leiteiras brasileiras. Com isso, os veículos são obrigados a percorrer longas distâncias para efetuar a coleta de leite, o que pode resultar na subutilização do transporte e na elevação dos custos dessa operação.
CUSTO = custo do leite + frete + impostos
O transporte de leite a granel pode ser feito pelos chamados Transporte de 1° percurso (T1) ou Transporte de 2° percurso (T2). O T1 é o processo de coleta de leite cru nas fazendas produtoras em veículos de tanques isotérmicos com destino ao laticínio e/ou postos de resfriamento. Já o T2 é aquele que refere-se ao transporte do posto até a fábrica, de fábrica para fábrica ou leite spot.
Extremamente complexo e de desafio constante, o frete de T1 ao longo dos nossos mais de 469 anos de atividade leiteira obteve grandes avanços no Brasil, principalmente nos últimos 30 anos, foco da nossa análise. Mas também analisaremos o cenário presente e a projeção futura do setor.
Livro comemorativo dos 60 anos da Itambé de 2009.
“Primeira referência ao leite reivindicação do Pe. Manuel da Nóbrega em carta escrita em 1.552 para Ignácio de Loyola”, livro comemorativo Itambé 60 anos de 2009, ou ainda referência no livro de João Castanho Dias “As Raízes Leiteiras do Brasil”, que menciona a chegada de 32 cabeças da Península Ibérica em 1.532 trazidas por Martin Afonso.
Desafios históricos do transporte de leite
Na década de 1990, os grandes desafios no transporte de leite eram:
- Aumentar o volume nas linhas (denominação da época);
- Construir girais para colocar os latões e capota (toldos) nos veículos de transporte;
- Manter a qualidade do leite e a limpeza dos latões (custo alto, pouca eficiência);
- Manter as estradas transitáveis;
- As coletas eram diárias, sem resfriamento (tanque de expansão) nas fazendas;
- Dificuldade do produtor armazenar o leite da tarde;
- Baixíssima densidade;
- Pequena capacidade dos veículos utilizados;
- Os controles eram feitos de forma manual;
- Pouquíssimas análises de gestão.
Fonte: arquivo CR.
A principal preocupação na época era o custo/litro de leite, fator que ainda hoje é o principal indicador a ser trabalhado. Porém, veremos adiante que temos muitos outros indicadores a serem mensurados de forma eficaz e eficiente, para buscar cada vez mais competividade no custo logístico.
Controle das linhas de leite na década de 90, arquivo pessoal do autor.
Para ter uma ideia do que estamos falando, a empresa em que eu trabalhava em 1998 possuía um posto de resfriamento de leite com 400 fornecedores e média 150 litros/dia por produtor. O leite chegava na plataforma por vários meios de transporte: carrinho de mão, no lombo de burro, carroça, fusca, rurais, caminhões de carroceria etc.
Essa empresa, na época, figurava entre as três maiores do país e mantinha uma rede de postos de resfriamento com distâncias que chegavam a ser de 30 quilômetros um do outro. Para quem não viveu essa época pode achar estranho, entretanto, a necessidade de baixar a temperatura do leite deixava poucas alternativas.
As empresas se viam obrigadas a ter vários pontos de resfriamento para evitar as perdas de volume por acidez. Com isso, o custo de transporte era muito elevado, pois havia baixo volume nas linhas, longas distâncias das fábricas, coletas diárias e alta temperatura do leite, ocasionando muitas perdas pela acidez.
E a qualidade? O pilar qualidade deve ser ressaltado aqui, pois o tempo da logística, utensílios e equipamentos usados no transporte influenciavam muito na qualidade do leite das fazendas até chegar nas fábricas.
Fonte: arquivo pessoal do autor, 1998.
Qual o custo de toda essa logística?
Os custos com transporte de T1, nos anos de 1996 a 2000 aproximavam dos 12% do preço do leite da época. Atualmente, temos, em média, um custo de 6% a 7% do preço do leite.
Fonte: arquivo pessoal do autor.
Virando a chave
A grande mudança na qualidade aconteceu no fim dos anos 1990, quando o sistema de transporte deixou de utilizar latões e ou a usar coleta a granel, resfriando o leite nas fazendas e coletando em caminhões com tanques isotérmicos.
As maiores empresas do setor observaram a necessidade de melhorar a qualidade da matéria-prima, com foco no mercado internacional, na redução dos custos e na gestão mais profissional da cadeia produtiva.
Além disso, as empresas captadoras de leite mantinham o foco em ter mais eficiência no combate às fraudes, reduzir o número de transportadoras no mercado, fazer coletas a cada 48 horas e ganhar eficiência na limpeza de equipamentos. Tais motivos fizeram com que esse processo de mudança fosse acelerado.
Com isso, houve maior importação de tanques financiados diretamente aos produtores, mudando rapidamente os sistemas de recepção das plataformas, sendo que em meados de 2000 as empresas mais relevantes do setor já estavam com 100% do seu leite a granel.
Fonte: arquivo CR.
Outros aspectos que contribuíram positivamente para essa aceleração foram a expansão da computação e comunicação especializada do setor, excepcionalmente, a criação do Milkpoint no ano de 2000, acontecendo simultaneamente com a revirada mais importante do transporte de leite no país.
Podemos considerar como sendo o maior avanço no transporte de leite, até o momento, a capacidade de volume transportado, chegando a configurações que ultraam os 40 mil litros transportados em um único equipamento. Porém, em termos gerais e dentro das nossas realidades, as configurações mais comuns de transporte no país são de 8 mil, 9 mil, 24 mil e 36 mil litros.
Fonte: arquivo CR.
Foto: coleta na Fazenda Sekita, arquivo pessoal do autor.
Tecnologia a favor da logística leiteira
Outros pontos importantes foram com a chegada e evoluções dos softwares de monitoramento e gestão, que permitiram a criação de inúmeros indicadores para avaliação. Entre esses indicadores estão: a porcentagem de ocupação por equipamento; densidade diária e acumulada; classificação das rotas com maiores desvios; aderência à roteirização; custos por rota, que permitem acompanhar a execução das rotas em tempo real, gerando informações a todo instante (do volume coletado, temperaturas, ocorrências de não coleta e desvios operacionais).
A gestão de todas essas informações, pode ser feita por meio de um dashboard na tela do computador. O sistema ainda nos permite: enviar as informações da coleta do dia por e-mail ao produtor (assim que o caminhão sai da fazenda e se conecta ao sinal de internet), analisar os custos minunciosamente e fazer simulações buscando melhores trajetos e configurações de equipamentos. Ou seja, um ótimo econômico.
Fonte: CR.
Fonte: arquivo pessoal do autor.
Fonte: controle Interno CR.
Foto: leitura QR Code fazendas fornecedoras da CR.
Podemos destacar também a transformação dos antigos motoristas e donos de caminhões em agentes de coleta (profissionalização), a implantação de normas de conduta (testes toxicológicos), o controle da carga horária de trabalho, a uniformização das equipes e a utilização de smartphone para coletas.
Fonte: arquivo pessoal do autor.
Outras mudanças importantes são a troca de equipamentos por tempo de uso; a renovação da frota (caminhões com no máximo 5 anos de uso); o maior controle de possíveis fraudes (acompanhamento dos equipamentos em tempo integral); a mudança na forma de pagamento, ando de R$/ litro para pagamento de quilometragem rodada e previsibilidade de chegada ao ponto de coleta e no ponto de descarga.
Fonte: arquivo pessoal do autor.
Enxergando oportunidades
Superamos muitos gargalos e paradigmas que ficaram para trás, entretanto, estamos muito longe do ideal, principalmente pensando no potencial que temos de clima, extensão de terra, recursos naturais (destaque para a água) e o grande número de produtores com volumes muito abaixo de sua capacidade de produção e produtividade (oportunidades).
As empresas de laticínios, produtores, técnicos e centros de pesquisas evoluíram muito nesses últimos anos, buscando eficiência, produtividade, qualidade, genética, diversificação de produtos e mercados. Podemos citar o levantamento do Milkpoint Top 100 (grupo maiores produtores do Brasil) de 2001 onde a média dos produtores era de 6.544 litros e, no levantamento de 2020, ou aos incríveis 23.057 litros dia por produtor, aumento de 252,34%.
Contudo, essa não é a realidade da grande maioria de produtores do Brasil. Mesmo com toda a evolução registrada no setor, precisamos destacar os desafios para o futuro, principalmente, na infraestrutura, o às fazendas produtoras e a disponibilidade e qualidade da energia elétrica na zona rural, dois itens que influenciam diretamente nos custos logísticos.
Fonte: arquivo pessoal do autor.
Entendemos que esses itens precisam de atenção especial de todos envolvidos na cadeia leiteira (entidades da indústria do produtor, cooperativas, poder público, técnicos e os meios de comunicação).
O setor, por muitas vezes, esquece que o prejuízo causado pela falta de energia e de o poderiam ser revertidos em melhores preços ao produtor e resultados das indústrias. Consequentemente, seríamos mais competitivos no mercado internacional.
Fonte: arquivo pessoal do autor.
Outros países que são players do mercado de lácteos são altamente eficientes no transporte: têm estradas em perfeitas condições de transitar com veículos pesados com alta capacidade de toneladas por unidade, fazendas produtoras com volumes altíssimos, custos de combustíveis mais competitivos que os nossos, carga tributária mais organizadas e custos baixos.
Sendo assim, todos os envolvidos nesta grande rede produtiva precisam focar nessas questões, cobrar do poder público manutenção das estradas e eficiência no fornecimento de energia elétrica; implementar sistemas que auxiliam o aumento de produtividade das fazendas; bonificar os produtores de acordo com o o de sua fazenda (dentro da propriedade), distinguindo tamanho do equipamento toco, truck, reboque, carretas, bitrens e valorizar os que permitem o aos equipamentos de maior volume.
Em relação ao custo e à qualidade, é preciso ressaltar que eles devem caminhar na mesma direção. Muitos acreditam que para ter a melhor qualidade é necessário maior custo, o que não é verdade. Podemos ter serviços de alta qualidade e com custos competitivos ao trabalharmos com foco na melhoria contínua de processos, enxergando perdas e pontos de melhoria.
Fonte: arquivo pessoal do autor.
As empresas de transporte e laticínios estão preparadas tecnologicamente com recursos humanos e econômicos para trabalhar com equipamentos bem maiores que os atuais. Os principais gargalos ainda são a dependência de aumento de produtividade, melhores os e fornecimento de energia. Sem melhorar e trabalhar esses pontos, não melhoraremos a eficiência no transporte de leite a granel. Acreditamos que estes serão os principais desafios para os próximos anos!
*Fonte da foto do artigo: por Krivosheevv/Depositphotos.