A análise dos teores de proteína e gordura do leite é uma ferramenta estratégica e indispensável para a gestão eficiente da pecuária leiteira, especialmente quando o objetivo é aumentar a rentabilidade da atividade.
Esses dois componentes fazem parte dos chamados sólidos totais do leite e exercem influência direta não apenas na qualidade final do produto, mas também na forma como o produtor é remunerado. Em diversos sistemas de pagamento adotados por laticínios, os teores de proteína e gordura são critérios centrais para a definição do preço do litro de leite, com bonificações aplicadas para composições superiores aos padrões mínimos exigidos (ARAÚJO et al., 2024).
A gordura do leite é um dos principais responsáveis pelo sabor, textura e valor energético do produto. Já a proteína, especialmente a caseína, está diretamente relacionada à capacidade de fabricação de derivados como queijos e iogurtes. Dessa forma, quanto maior a concentração desses sólidos, maior o rendimento industrial do leite, o que aumenta seu valor comercial para a indústria. Isso faz com que a composição do leite seja um dos principais diferenciais competitivos do produtor no mercado.
Esses componentes também refletem aspectos importantes da nutrição, manejo e saúde do rebanho (GAEHWILER & NASCIMENTO, 2025). A produção de gordura está altamente relacionada à presença de fibra efetiva na dieta e ao bom funcionamento do rúmen. Já a produção de proteína está mais relacionada ao balanço energético da vaca e ao fornecimento adequado de carboidratos fermentáveis. Quando os teores de gordura e proteína se mantêm dentro dos padrões ideais, isso indica que a dieta está equilibrada e o manejo nutricional está sendo bem executado.
Tabela 1. Valores de referência para composição e qualidade do leite cru de acordo com IN 76 e 77 de 2018 do MAPA
Parâmetro |
Valor Ideal |
Gordura |
≥ 3,00% |
Proteína |
≥ 2,90% |
Lactose |
4,30% |
Sólidos Totais |
≥ 11,40% |
Contagem de Células Somáticas (CCS) |
≤ 500.000 células/mL |
Contagem Bacteriana Total (CBT) |
≤ 300.000 UFC/mL |
Fonte: Dos autores, 2025.
Por outro lado, quedas ou desequilíbrios, nesses índices podem sinalizar problemas importantes. Por exemplo, uma relação gordura/proteína inferior a 1 pode indicar casos de acidose ruminal subclínica, comum em dietas com excesso de concentrado e pouca fibra. Já um aumento desproporcional da gordura, com redução de proteína, pode sugerir mobilização de gordura corporal, característica da cetose subclínica em vacas no início da lactação. Ou seja, os teores de proteína e gordura não são apenas indicadores de qualidade do leite, mas também verdadeiros termômetros da saúde metabólica do rebanho.
Do ponto de vista econômico, o impacto dessas análises é significativo. Mesmo produtores com o mesmo volume de leite podem ter rendas distintas, dependendo da composição do leite entregue. Um leite com altos teores de gordura e proteína pode garantir bonificações que, ao final do mês, representam um valor expressivo na receita da propriedade, como exemplificado na Tabela 2. Além disso, esse tipo de análise permite ajustes nutricionais precisos, otimizando o uso de insumos, reduzindo desperdícios e melhorando o custo-benefício da alimentação – um dos principais componentes do custo de produção.
Tabela 2. Exemplo de um comparativo de faturamento com base na qualidade do leite
Produtor |
Gordura (%) |
Proteína (%) |
Preço pago pelo litro (R$) |
Faturamento diário |
X |
3,2% |
3,0% |
R$ 2,10 |
R$ 42,00 |
Y |
3,9% |
3,4% |
R$ 2,40 |
R$ 48,00 |
Fonte: Dos autores, 2025.
Como realizar as análises do leite?
As análises devem ser feitas regularmente por meio de laboratórios especializados ou programas de controle leiteiro. É importante manter um histórico para avaliar a evolução e tomar decisões com base em dados concretos.
Análise de proteína em leite (Método de Kjeldahl)
O método de Kjeldahl é utilizado para determinar o teor de proteína total em leite a partir da medição da quantidade de nitrogênio orgânico presente. Isso se deve ao fato de que as proteínas são compostas, em média, por 16% de nitrogênio. Assim, ao medir o nitrogênio, é possível estimar a quantidade de proteína utilizando um fator de conversão. No caso do leite, utiliza-se o fator 6,38, pois as proteínas lácteas têm composição específica (especialmente por causa da caseína). O método de Kjeldahl pode ser dividido em quatro etapas (COSTA JÚNIOR, 2020; MAPA, 2019) (Figura1).
Figura 1. Etapas que compreendem o Método de Kjeldahl
Fonte: Autores, 2025
- Digestão: Tudo começa com a amostra de leite sendo colocada em um tubo, onde é adicionado ácido sulfúrico. com o objetivo de consumir toda a matéria orgânica do leite. Para acelerar essa reação, usa-se um catalisador feito com sais de cobre e potássio. A mistura é então aquecida resultando em uma solução límpida e homogênea. Durante essa etapa, o nitrogênio contido nas proteínas do leite é transformado em íons de amônio (NH4+), os quais serão quantificados nas etapas seguintes do método.
Reação simplificada: Proteína + H2SO4 → (NH4)2SO4 + CO2 + H2O + subprodutos
- Neutralização e destilação: Concluída a digestão, a solução é resfriada e diluída. Em seguida, adiciona-se uma base forte, como o hidróxido de sódio, para transformar o amônio (NH4+) em gás amônia (NH3). Essa amônia é liberada com o calor e capturada em outro frasco com ácido bórico (H3BO3), formando um composto estável que será posteriormente quantificado
Reações envolvidas: (NH4)2SO4 + 2NaOH → 2NH3 (gás) + Na2SO4 + 2H2O
NH3 + H3BO3 → complexo borato-amônio
- Titulometria: A quantidade de amônia capturada é medida por titulação: adiciona-se um ácido forte geralmente ácido clorídrico (HCl) ou ácido sulfúrico (H2SO4), até que se atinja o ponto de equivalência da reação, indicado pela mudança de cor de um indicador previamente adicionado à solução. O volume de ácido consumido durante a titulação é diretamente proporcional à quantidade de amônia presente, permitindo assim o cálculo exato do nitrogênio total contido na amostra original (leite).
- Cálculo da proteína: Por fim, o total de nitrogênio medido é multiplicado por 6,38 (fator usado para o leite), e assim se obtém o valor da proteína bruta.
Figura 2. Resumo dos pontos positivos e limitações do método Kjeldahl
Fonte: Dos autores, 2025.
Análise de gordura em leite (Método de Geber)
A análise de gordura no leite é uma etapa fundamental para o controle de qualidade e para a definição do valor comercial do produto, sendo um dos principais critérios utilizados nos sistemas de pagamento por qualidade. Existem diferentes métodos para a determinação do teor de gordura, sendo os mais comuns, o método de Gerber.
O método de Gerber é o mais tradicional e amplamente utilizado por laticínios, cooperativas e laboratórios de campo devido à sua praticidade e custo relativamente baixo. Nesse método, a amostra de leite é colocada em um tubo especial chamado butirômetro de Gerber, no qual se adiciona ácido sulfúrico concentrado. O ácido tem a função de digerir as proteínas do leite, liberando a gordura.
Em seguida, adiciona-se álcool amílico que facilita a separação e leitura da gordura, evitando espuma e interferências visuais.. Após esse preparo, o tubo é fechado com uma tampa de borracha e submetido à centrifugação, o que provoca a separação física da gordura das demais fases do leite. Após a centrifugação, o tubo é aquecido em banho-maria a cerca de 65°C, o que permite a liquefação da gordura. A leitura do teor de gordura é feita diretamente no tubo, que possui uma escala graduada, geralmente expressa em percentual (COSTA JÚNIOR, 2020; MAPA, 2019).
É essencial que a amostra de leite esteja bem homogeneizada e represente fielmente o lote analisado. Para isso, recomenda-se coletar a amostra diretamente do tanque de refrigeração, utilizando frascos limpos e, se necessário, conservantes adequados, como bronopol. As amostras devem ser mantidas refrigeradas entre 2°C e 8°C até o momento da análise.
O teor de gordura do leite pode variar conforme a raça, a alimentação, o estágio de lactação e fatores ambientais. Em sistemas comerciais, valores superiores a 3,5% são geralmente considerados satisfatórios, sendo que raças como Jersey podem apresentar teores superiores a 4,5%.
Figura 3. Resumo dos pontos positivos e limitações do método Gerber
Fonte: Dos autores, 2025.
Conclusão
Portanto, realizar análises regulares dos teores de gordura e proteína do leite deve fazer parte da rotina de monitoramento das propriedades leiteiras. Com base nesses dados, o produtor pode tomar decisões mais assertivas, seja para melhorar a dieta, ajustar o manejo, ou até mesmo selecionar geneticamente os animais mais produtivos em termos de sólidos. Essa prática não apenas contribui para uma produção mais eficiente e sustentável, mas também é uma aliada direta na busca por maior lucratividade na atividade leiteira.
Agradecimentos
Os autores agradecem às instituições que contribuíram diretamente para a execução desse trabalho, como a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG) e a Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais - Instituto de Laticínios Cândido Tostes (EPAMIG-ILCT).
Referências bibliográficas
ARAUJO, L. F. C. et al. Meta-análise das estimativas de herdabilidade das produções de leite, proteína e gordura de vacas holandesas. 2024.
BRASIL, Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Instrução Normativa n.º 76 de 2 de novembro de 2018.Brasília, DF: MAPA. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, 2018a.
BRASIL, Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Instrução Normativa n.º 77 de 2 de novembro de 2018. Brasília, DF: MAPA. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, 2018b.
COSTA JÚNIOR, L. C. G. Métodos físico-químicos para controle de qualidade em leite e produtos lácteos (e-book - livro eletrônico). 1ª. ed. - Juiz de Fora, MG: Ed. do Autor, 2020.
GAEHWILER, C. C. & NASCIMENTO, L. C. Manipulação do teor de gordura no leite através da nutrição para fabricação de queijo tipo Brie. 2025.
MINISTÉRIO DA AGRICULTURA, PECUÁRIA E ABASTECIMENTO. Manual de Métodos Oficiais para Análise de Alimentos de Origem Animal. 2ª Edição. Brasília, 2019.