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A genética e o comportamento em bovinos leiteiros

A investigação do papel da genética na expressão do comportamento dos animais tem sido alvo dos pesquisadores há algum tempo, com maior ênfase nos estudos sobre os efeitos da domesticação no comportamento de espécies usadas para fins domésticos. As mudanças de hábito dos consumidores contribuem para a exigência quanto à qualidade dos produtos, e exigências relacionadas ao ambiente e ao bem-estar animal contribuindo para o redirecionamento dos objetivos de seleção dentro dos programas de melhoramento genético animal, de maneira que a bovinocultura se torne uma atividade socialmente responsável.

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Introdução

A investigação do papel da genética na expressão do comportamento dos animais tem sido alvo dos pesquisadores há algum tempo, com maior ênfase nos estudos sobre os efeitos da domesticação no comportamento de espécies usadas para fins domésticos (PRICE, 1984, 1998; NEWMAN, 1994). Investigações sobre os efeitos da seleção artificial sobre a agressividade, a mansidão, a resposta ao estresse, e o comportamento sexual em aves são considerados estudos primários e foram utilizados como exemplos modelo para outros estudos, pois a indústria avícola foi a primeira a desenvolver sistemas de produção intensa e altamente tecnificada em que as falhas de comportamento eram detectadas precocemente. Exemplos específicos usando bovinos em geral ou produtos lácteos são limitados (NEWMAN, 1994).

Em revisão sobre herança de características comportamentais em animais, Hohenboken (1987) relatou que o comportamento pode ser classificado como ingestivo, reprodutivo, materno, social e temperamental, dando ênfase sobre a existência na literatura de diferenças genéticas, conforme determinado por estimativas de herdabilidade, e as diferenças genéticas entre as subespécies, raças, cruzamentos de raças, linhagens, as linhas de seleção, e pares de gêmeos monozigóticos. Conclui ainda que as diferenças genéticas no comportamento são importantes e que pesquisas futuras devem ser direcionadas na forma como tais diferenças podem ser manipuladas para melhorar o bem-estar animal e a segurança humana.

As mudanças de hábito dos consumidores contribuem para a exigência quanto à qualidade dos produtos, e exigências relacionadas ao ambiente e ao bem-estar animal contribuindo para o redirecionamento dos objetivos de seleção dentro dos programas de melhoramento genético animal, de maneira que a bovinocultura se torne uma atividade socialmente responsável. Embora os bovinos tenham sido domesticados há muito tempo, o conhecimento sobre as características de comportamento que são controlados pela genética ainda é relativamente pequena, pois antes da domesticação as vacas produziam leite apenas para seus bezerros, entretanto, inúmeras raças especializadas foram desenvolvidas para fins de produção destinados à comercialização.

Aspectos gerais

A compreensão de fatores ambientais e genéticos que possam regular as características comportamentais tem grande importância para o estabelecimento de métodos de seleção nos programas de melhoramento genético animal e assim, proporcionar aumento da produtividade dos rebanhos leiteiros. Alguns aspectos como temperatura da sala de ordenha e alimentação são conhecidos por serem importantes e influenciam o comportamento em bovinos leiteiros, sendo assim grandes fazendas leiteiras utilizam tecnologias modernas para amenizar situações de estresse e desconforto.

No entanto, o conhecimento da genética ou inter-relações entre a maioria das características de comportamento em bovinos leiteiros combinado com a dificuldade de coleta de dados e sua objetividade e escassez de dados impedem que as medidas sejam incorporadas nos índices de seleção.

Por interesse nesse sentido, a seleção genética para as características comportamentais aram a ser incluídas nos programas de melhoramento genético. Na Noruega, por exemplo, a ênfase dada para temperamento aumentou de cerca de 2% para 4% em 20 anos (HERINGSTAD et al., 2000). Ao elaborar índices de seleção personalizados para uso na Austrália, Bowman et al. (1996) incluíram tanto temperamento como a velocidade de ordenha nos objetivos conjuntos de melhoramento genético. Nestes, a inclusão de temperamento e/ou a velocidade de ordenha melhoraram em 5% a eficiência relativa de seleção para produção de leite, gordura e proteína. Por outro lado, a seleção simultânea para ambas as características proporcionou ganho na eficiência relativa em cerca de 7%.

É fato que o uso de seleção indireta tem sido praticada há muitos anos em melhoramento genético. Entretanto, para serem eficazes, as características utilizadas como critérios de seleção devem apresentar forte correlação genética com as características de interesse nos programas de melhoramento genético. Por exemplo, a correlação genética entre velocidade de ordenha e o temperamento na ordenha parece ser moderadamente forte. Ao contrário da maioria das características em seleção indireta, a velocidade de ordenha tem seu próprio valor econômico, com ganhos econômicos justificáveis e provenientes da sala de ordenha, reduzindo o custo de trabalho e o risco de prejudicar o sistema mamário por tempo excessivo de ordenha. A velocidade de ordenha pode servir como uma característica indicadora para aperfeiçoar o melhoramento genético em temperamento.

Com o advento de novas tecnologias, a seleção para comportamento em bovinos leiteiros poderá ser ampliada. Entre as tecnologias que podem ser benéficas podemos mencionar a identificação de genes importantes relacionadas às características de comportamento que inclui a possibilidade de melhor compreensão desses processos biológicos em comparação com o processo convencional.
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Noutra vertente, o comportamento alimentar é provavelmente o aspecto mais importante para rebanhos leiteiros, em que o sistema intensivo de produção é praticado, e neste sistema os bovinos ingerem alimentos de forma mais intensa. Entre as características comportamentais que são medidos e conhecidos por afetar a produção de leite de vacas em confinamento e alimentados ad libium, encontram-se o número de refeições diárias, a taxa de mastigação, o tempo de mastigação total, o tempo de ruminação, a competição por espaço, o tempo de consumo e a freqüência de consumo, entre outras características, podendo ser potencialmente úteis nos futuros programas de melhoramento genético, com foco em animais mais aptos aos sistemas intensivos.

Sabe que a produção de leite depende do consumo de água, pois a freqüência e quantidade de consumo de água apresentam um papel importante no total de leite produzido. Entretanto, características como o tempo de ruminação e número de bocadas afetam a produção total. Outras características como o tamanho da mordida e velocidade de pastejo pode ser mais importante para vacas criados em sistemas de produção extensivos. Muito pouco é sabido dos efeitos genéticos sobre essas características, que potencialmente poderiam ser melhoradas, como resposta correlacionada à taxa de crescimento, produção de leite, porcentagem de gordura e produção de proteína no leite. Se a seleção direta para essas características permite que o progresso genético seja mais rápido para características de produção, isto ainda é incerto (SCHUTZ e PAJOR, 2001).

A mais de 50 anos diferenças de comportamento em pastagens foram estudadas, através de pares de gêmeos e entre grupos de gêmeos monozigóticos, representando níveis divergentes da produção de leite (Hancock, 1950). Com base nesse trabalho os autores verificaram que a variação entre os grupos de gêmeos foi grande, havendo pouca variação dentro de cada par para o tempo gasto em pastagem por o dia. Os gêmeos dentro dos grupos também foram similares para a distância percorrida, o número de bocada e o número de defecações. Estes resultados sugerem que os mecanismos genéticos podem ser a base de aspectos importantes no comportamento alimentar. Entretanto, estes comportamentos somente podem ser medidos sob condições intensivas.

Comparando a quantidade de tempo gasto em pastagens por bezerras da raça Hereford, Hereford x Holandesas, e novilhas lactantes Holandesas em Oklahoma, Kropp et al. (1973) observaram que animais Hereford aram mais tempo no pasto.Nesse estudo, o tempo de pastagem não foi relacionado com consumo de alimentos. Vacas holandesas e seus cruzamentos gastaram mais tempo do que animais Hereford para tempo de ruminação.

Finalmente, o comportamento reprodutivo, que mesmo frente à sua importância, ainda perdura a dificuldade de conseguir alcançar a fertilidade desejada em grandes rebanhos, e tão pouco é sabido sobre os efeitos genéticos no comportamento reprodutivo dos animais, e especialmente do comportamento do estro em vacas de leiteiras. A relação entre o comportamento reprodutivo, fertilidade, e produção são difíceis de serem avaliadas, pois as características de fertilidade são medidas de difícil obtenção. As estimativas de herdabilidade observadas para as características reprodutivas são muito pequenas, como o intervalo entre parto (0,03), e intervalo da primeira inseminação à concepção (0,02) (HOEKSTRA et al., 1994).

Por exemplo, Harrison et al. (1989) estudaram as inter-relações de nutrição e reprodução com duas linhas de vacas Holandesas selecionadas para alta e moderada produção de leite, respectivamente. Sugeriram que a eliminação do comportamento do estro ao invés do tempo à iniciação da atividade ovariana pudesse ter aumentado o intervalo de parto à concepção em vacas Holandesas de alta produção de leite. Assim, a seleção contínua para alta produção de leite poderia reduzir a fertilidade de vacas leiteiras. O balanço energético negativo que resulta da elevada produção de leite pode simplesmente reduzir a resposta do hormônio à ovulação segundo Rauwhy et al. (1998).

A maior exceção entre as características de comportamento, denominado temperamento dos animais, que por estar diretamente relacionado com a forma e intensidade de manejo do sistema de produção, vem sendo estudado a maior tempo e em maior intensidade. Em um sistema com manejo eficiente e regular, que estabelece o contato do animal com o homem, os animais são mais dóceis, principalmente se o contato ocorrer nos primeiros meses de vida do bezerro ou até o início da fase pós-desmama (BOIVIN et al., 1992).

A característica temperamento parece sofrer influência importante de fatores genéticos, que contribuem para com diferenças de comportamento observadas em bovinos (MOURÃO et al., 1998). Problemas decorrentes do temperamento agressivo dos bovinos ocorrem tanto em fazendas de pecuária de corte como de leite, em que o manejo dos animais é uma das atividades mais freqüentes e onerosas. Estes problemas estão associados direta ou indiretamente à necessidade de maior volume de trabalho e de vaqueiros mais treinados, à ocorrência de danos nas instalações e nos equipamentos, à possibilidade da existência de correlações desfavoráveis entre temperamento e características produtivas, à pior qualidade da carcaça e à redução na eficácia da observação de cio nos programas de inseminação artificial ou monta controlada (CSIRO, 1988).

Algumas estimativas de herdabilidade para características de temperamento em bovinos leiteiro foram estudadas e apresentam valores médios que estão entre a faixa de baixa e moderada (Tabela 1), sendo os valores econômicos potencialmente muito grandes. Essas estimativas de herdabilidade têm grande importância para o melhoramento animal visto que a resposta à seleção irá depender dessa estimativa para cada característica que se deseja selecionar.

Tabela 1 - Estimativas de herdabilidade para temperamento em gado de leite.

Figura 1


Estudando o efeito genético sobre escore de temperamento em que os escores variavam de 1 (muito dócil) a 5 (muito temperamental) em vacas de seis grupos de cruzamento da raça Holandesa, vermelha e branca (HF), x Guzerá (G), com as seguintes frações de genes de HF: 1/4, 1/2, 5/8, 3/4, 7/8 e 31/32 ou HF, Madalena et al., (1989) verificaram escores médios de temperamento para grupos de 1/2, 5/8, 3/4 e 7/8 sendo ligeiramente superior a 2 (dóceis), e concluíram que as vacas cruzadas não são difíceis de serem manejadas pelos ordenhadores. Vacas cruzadas de baixa fração do grupo genético HF neste estudo foram diferencialmente mais agressivas quando recém-paridas. A estimativa do efeito de heterose sobre escore de temperamento para vacas HF foi negativa (-1,07±0,32).

Considerações Finais

As pesquisas sobre características de comportamentos em bovinos de leite deveriam ser direcionadas em conjunto com mecanismos da genética, com foco potencial a seleção genética para aquelas características de adaptação ao ambiente, sobretudo para sistemas intensivos, com implicações na produção de leite, eficiência, bem-estar animal e segurança humana.

Referências:

BOIVIN, X.; Le NEINDRE, P.; CHUPIN, J.M. Establisment of cattle-human relationship. Applied Animal Behaviour Science, v.32, p.325-335, 1992.
BOWMAN, P. L.; VISSCHER, P. M.; GODDARD, M. E. Customized selection indices for dairy bulls in Australia. Anim. Sci. v.62, p.393-403, 1996.
HANCOCK, J. Studies in monozygotic cattle twins IV. Uniformity trials: Grazing behavior. N.Z. J. Sci. Technol. v.32, p.22-59, 3. 1950.
HARRISON, R. O.; YOUNG, J. W.; FREEMAN, A.E.; FORD, S.P. Effects of lactation level on reactivation of ovarian function, and interval from parturition to first visual estrus and conception in high-producing Holstein cows. Anim. Prod. v.49, p.23-28, 1989.
HERINGSTAD, B.; KLEMETSDAL, G.; RUANE, J. Selection responses for clinical mastitis in the Norwegian cattle population. Acta Agric. Scand, 2000.
HOEKSTRA J.; VAN DER LUGT, A.W.; VAN DER WERF, J.H.J.; OUWELTJES, W. Genetic and phenotypic pararmeters for milk production and fertility traitss in upgraded dairy cattle. Livest. Prod. Sci. v.40, p.225-232, 1994.
HOHENBOKEN, W. D. Behavioral Genetics. Vet. Clin. North Aim.: Food Anim. Prac. v.3, p.217-229, 1987.
KROPP, J. R.; HOLLOWAY, J. W.; STEPHENS, D. F.; KNORI, L.; MORRISON, R. D.; TOTUSEK, R. Range behavior of Hereford, Hereford x Holstein, and Holstein non-lactatirig heifers. J. Anim. Sci. V.36, p.797-802, 1973.
MADALENA, F.E.; TEODORO, R.L.; NOGUEIRA, J. D.; MOREIRA, D.P. Comparative Performance of Six Holstein-Friesian X Guzera Grades In Brazil. 4. Rate Of Milk Flow, Ease Of Milking And Temperament. Rev. Brasil. Genet., v. 12, p. 39-51, 1989.

MOURÃO, G.B.; BERGMANN, J.A.G.; FERREIRA, M.B.D. Diferenças genéticas e estimação de coeficientes de herdabilidade para temperamento em fêmeas zebus e F1 Holandês x Zebu, Revista Brasileira Zootecnia, v.27, p.722-729, 1998.
NEWMAN, S. Quantitative and molecular-genetic effects on animal well-being: Adaptive mechanisms. J. Anim. Sci. v.72, p.1641-1653, 1994.
PRICE, E. O. Behavior genetics and the process of animal domestication. Ed. Academic Press, San Diego, 1998.
PRICE, E. O. Behavioral aspects of animal domestication. Q. Rev. Biol. v.9, p.1-32, 1984.
RAUWLY, W. M.; KANIS, E.; NOORDHUIZEN-STASSEN, E. N.; GROMMERS, F.J. Undesirable side effects of selection for high production efficiency in farm animals: A review. Livest. Prod. Sci. v.56, p.15-33, 1998.
CSIRO. Genetic and environment methods of improving the temperament of Bos indicus and crossbred cattle. Queenland: Australian Meat Research Comittee, 1988. (Final Report).
SCHUTZ, M.M.; PAJOR, E.A. Genetic control of dairy cattle behavior. J. Dairy Sci. v. 84 (Suppl.), p31-38, 2001.
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Fabiane de Lima Silva

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Gerson Barreto Mourão

Gerson Barreto Mourão

Professor de Genética e Melhoramento Animal na ESALQ/USP. Publicou mais 80 artigos científicos. É editor associado da Scientia Agricola, da revista Visão Agrícola e bolsista de produtividade em pesquisa do CNPq

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A investigação do papel da genética na expressão do comportamento dos animais tem sido alvo dos pesquisadores há algum tempo, com maior ênfase nos estudos sobre os efeitos da domesticação no comportamento de espécies usadas para fins domésticos. As mudanças de hábito dos consumidores contribuem para a exigência quanto à qualidade dos produtos, e exigências relacionadas ao ambiente e ao bem-estar animal contribuindo para o redirecionamento dos objetivos de seleção dentro dos programas de melhoramento genético animal, de maneira que a bovinocultura se torne uma atividade socialmente responsável.

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Introdução

A investigação do papel da genética na expressão do comportamento dos animais tem sido alvo dos pesquisadores há algum tempo, com maior ênfase nos estudos sobre os efeitos da domesticação no comportamento de espécies usadas para fins domésticos (PRICE, 1984, 1998; NEWMAN, 1994). Investigações sobre os efeitos da seleção artificial sobre a agressividade, a mansidão, a resposta ao estresse, e o comportamento sexual em aves são considerados estudos primários e foram utilizados como exemplos modelo para outros estudos, pois a indústria avícola foi a primeira a desenvolver sistemas de produção intensa e altamente tecnificada em que as falhas de comportamento eram detectadas precocemente. Exemplos específicos usando bovinos em geral ou produtos lácteos são limitados (NEWMAN, 1994).

Em revisão sobre herança de características comportamentais em animais, Hohenboken (1987) relatou que o comportamento pode ser classificado como ingestivo, reprodutivo, materno, social e temperamental, dando ênfase sobre a existência na literatura de diferenças genéticas, conforme determinado por estimativas de herdabilidade, e as diferenças genéticas entre as subespécies, raças, cruzamentos de raças, linhagens, as linhas de seleção, e pares de gêmeos monozigóticos. Conclui ainda que as diferenças genéticas no comportamento são importantes e que pesquisas futuras devem ser direcionadas na forma como tais diferenças podem ser manipuladas para melhorar o bem-estar animal e a segurança humana.

As mudanças de hábito dos consumidores contribuem para a exigência quanto à qualidade dos produtos, e exigências relacionadas ao ambiente e ao bem-estar animal contribuindo para o redirecionamento dos objetivos de seleção dentro dos programas de melhoramento genético animal, de maneira que a bovinocultura se torne uma atividade socialmente responsável. Embora os bovinos tenham sido domesticados há muito tempo, o conhecimento sobre as características de comportamento que são controlados pela genética ainda é relativamente pequena, pois antes da domesticação as vacas produziam leite apenas para seus bezerros, entretanto, inúmeras raças especializadas foram desenvolvidas para fins de produção destinados à comercialização.

Aspectos gerais

A compreensão de fatores ambientais e genéticos que possam regular as características comportamentais tem grande importância para o estabelecimento de métodos de seleção nos programas de melhoramento genético animal e assim, proporcionar aumento da produtividade dos rebanhos leiteiros. Alguns aspectos como temperatura da sala de ordenha e alimentação são conhecidos por serem importantes e influenciam o comportamento em bovinos leiteiros, sendo assim grandes fazendas leiteiras utilizam tecnologias modernas para amenizar situações de estresse e desconforto.

No entanto, o conhecimento da genética ou inter-relações entre a maioria das características de comportamento em bovinos leiteiros combinado com a dificuldade de coleta de dados e sua objetividade e escassez de dados impedem que as medidas sejam incorporadas nos índices de seleção.

Por interesse nesse sentido, a seleção genética para as características comportamentais aram a ser incluídas nos programas de melhoramento genético. Na Noruega, por exemplo, a ênfase dada para temperamento aumentou de cerca de 2% para 4% em 20 anos (HERINGSTAD et al., 2000). Ao elaborar índices de seleção personalizados para uso na Austrália, Bowman et al. (1996) incluíram tanto temperamento como a velocidade de ordenha nos objetivos conjuntos de melhoramento genético. Nestes, a inclusão de temperamento e/ou a velocidade de ordenha melhoraram em 5% a eficiência relativa de seleção para produção de leite, gordura e proteína. Por outro lado, a seleção simultânea para ambas as características proporcionou ganho na eficiência relativa em cerca de 7%.

É fato que o uso de seleção indireta tem sido praticada há muitos anos em melhoramento genético. Entretanto, para serem eficazes, as características utilizadas como critérios de seleção devem apresentar forte correlação genética com as características de interesse nos programas de melhoramento genético. Por exemplo, a correlação genética entre velocidade de ordenha e o temperamento na ordenha parece ser moderadamente forte. Ao contrário da maioria das características em seleção indireta, a velocidade de ordenha tem seu próprio valor econômico, com ganhos econômicos justificáveis e provenientes da sala de ordenha, reduzindo o custo de trabalho e o risco de prejudicar o sistema mamário por tempo excessivo de ordenha. A velocidade de ordenha pode servir como uma característica indicadora para aperfeiçoar o melhoramento genético em temperamento.

Com o advento de novas tecnologias, a seleção para comportamento em bovinos leiteiros poderá ser ampliada. Entre as tecnologias que podem ser benéficas podemos mencionar a identificação de genes importantes relacionadas às características de comportamento que inclui a possibilidade de melhor compreensão desses processos biológicos em comparação com o processo convencional.
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Noutra vertente, o comportamento alimentar é provavelmente o aspecto mais importante para rebanhos leiteiros, em que o sistema intensivo de produção é praticado, e neste sistema os bovinos ingerem alimentos de forma mais intensa. Entre as características comportamentais que são medidos e conhecidos por afetar a produção de leite de vacas em confinamento e alimentados ad libium, encontram-se o número de refeições diárias, a taxa de mastigação, o tempo de mastigação total, o tempo de ruminação, a competição por espaço, o tempo de consumo e a freqüência de consumo, entre outras características, podendo ser potencialmente úteis nos futuros programas de melhoramento genético, com foco em animais mais aptos aos sistemas intensivos.

Sabe que a produção de leite depende do consumo de água, pois a freqüência e quantidade de consumo de água apresentam um papel importante no total de leite produzido. Entretanto, características como o tempo de ruminação e número de bocadas afetam a produção total. Outras características como o tamanho da mordida e velocidade de pastejo pode ser mais importante para vacas criados em sistemas de produção extensivos. Muito pouco é sabido dos efeitos genéticos sobre essas características, que potencialmente poderiam ser melhoradas, como resposta correlacionada à taxa de crescimento, produção de leite, porcentagem de gordura e produção de proteína no leite. Se a seleção direta para essas características permite que o progresso genético seja mais rápido para características de produção, isto ainda é incerto (SCHUTZ e PAJOR, 2001).

A mais de 50 anos diferenças de comportamento em pastagens foram estudadas, através de pares de gêmeos e entre grupos de gêmeos monozigóticos, representando níveis divergentes da produção de leite (Hancock, 1950). Com base nesse trabalho os autores verificaram que a variação entre os grupos de gêmeos foi grande, havendo pouca variação dentro de cada par para o tempo gasto em pastagem por o dia. Os gêmeos dentro dos grupos também foram similares para a distância percorrida, o número de bocada e o número de defecações. Estes resultados sugerem que os mecanismos genéticos podem ser a base de aspectos importantes no comportamento alimentar. Entretanto, estes comportamentos somente podem ser medidos sob condições intensivas.

Comparando a quantidade de tempo gasto em pastagens por bezerras da raça Hereford, Hereford x Holandesas, e novilhas lactantes Holandesas em Oklahoma, Kropp et al. (1973) observaram que animais Hereford aram mais tempo no pasto.Nesse estudo, o tempo de pastagem não foi relacionado com consumo de alimentos. Vacas holandesas e seus cruzamentos gastaram mais tempo do que animais Hereford para tempo de ruminação.

Finalmente, o comportamento reprodutivo, que mesmo frente à sua importância, ainda perdura a dificuldade de conseguir alcançar a fertilidade desejada em grandes rebanhos, e tão pouco é sabido sobre os efeitos genéticos no comportamento reprodutivo dos animais, e especialmente do comportamento do estro em vacas de leiteiras. A relação entre o comportamento reprodutivo, fertilidade, e produção são difíceis de serem avaliadas, pois as características de fertilidade são medidas de difícil obtenção. As estimativas de herdabilidade observadas para as características reprodutivas são muito pequenas, como o intervalo entre parto (0,03), e intervalo da primeira inseminação à concepção (0,02) (HOEKSTRA et al., 1994).

Por exemplo, Harrison et al. (1989) estudaram as inter-relações de nutrição e reprodução com duas linhas de vacas Holandesas selecionadas para alta e moderada produção de leite, respectivamente. Sugeriram que a eliminação do comportamento do estro ao invés do tempo à iniciação da atividade ovariana pudesse ter aumentado o intervalo de parto à concepção em vacas Holandesas de alta produção de leite. Assim, a seleção contínua para alta produção de leite poderia reduzir a fertilidade de vacas leiteiras. O balanço energético negativo que resulta da elevada produção de leite pode simplesmente reduzir a resposta do hormônio à ovulação segundo Rauwhy et al. (1998).

A maior exceção entre as características de comportamento, denominado temperamento dos animais, que por estar diretamente relacionado com a forma e intensidade de manejo do sistema de produção, vem sendo estudado a maior tempo e em maior intensidade. Em um sistema com manejo eficiente e regular, que estabelece o contato do animal com o homem, os animais são mais dóceis, principalmente se o contato ocorrer nos primeiros meses de vida do bezerro ou até o início da fase pós-desmama (BOIVIN et al., 1992).

A característica temperamento parece sofrer influência importante de fatores genéticos, que contribuem para com diferenças de comportamento observadas em bovinos (MOURÃO et al., 1998). Problemas decorrentes do temperamento agressivo dos bovinos ocorrem tanto em fazendas de pecuária de corte como de leite, em que o manejo dos animais é uma das atividades mais freqüentes e onerosas. Estes problemas estão associados direta ou indiretamente à necessidade de maior volume de trabalho e de vaqueiros mais treinados, à ocorrência de danos nas instalações e nos equipamentos, à possibilidade da existência de correlações desfavoráveis entre temperamento e características produtivas, à pior qualidade da carcaça e à redução na eficácia da observação de cio nos programas de inseminação artificial ou monta controlada (CSIRO, 1988).

Algumas estimativas de herdabilidade para características de temperamento em bovinos leiteiro foram estudadas e apresentam valores médios que estão entre a faixa de baixa e moderada (Tabela 1), sendo os valores econômicos potencialmente muito grandes. Essas estimativas de herdabilidade têm grande importância para o melhoramento animal visto que a resposta à seleção irá depender dessa estimativa para cada característica que se deseja selecionar.

Tabela 1 - Estimativas de herdabilidade para temperamento em gado de leite.

Figura 1


Estudando o efeito genético sobre escore de temperamento em que os escores variavam de 1 (muito dócil) a 5 (muito temperamental) em vacas de seis grupos de cruzamento da raça Holandesa, vermelha e branca (HF), x Guzerá (G), com as seguintes frações de genes de HF: 1/4, 1/2, 5/8, 3/4, 7/8 e 31/32 ou HF, Madalena et al., (1989) verificaram escores médios de temperamento para grupos de 1/2, 5/8, 3/4 e 7/8 sendo ligeiramente superior a 2 (dóceis), e concluíram que as vacas cruzadas não são difíceis de serem manejadas pelos ordenhadores. Vacas cruzadas de baixa fração do grupo genético HF neste estudo foram diferencialmente mais agressivas quando recém-paridas. A estimativa do efeito de heterose sobre escore de temperamento para vacas HF foi negativa (-1,07±0,32).

Considerações Finais

As pesquisas sobre características de comportamentos em bovinos de leite deveriam ser direcionadas em conjunto com mecanismos da genética, com foco potencial a seleção genética para aquelas características de adaptação ao ambiente, sobretudo para sistemas intensivos, com implicações na produção de leite, eficiência, bem-estar animal e segurança humana.

Referências:

BOIVIN, X.; Le NEINDRE, P.; CHUPIN, J.M. Establisment of cattle-human relationship. Applied Animal Behaviour Science, v.32, p.325-335, 1992.
BOWMAN, P. L.; VISSCHER, P. M.; GODDARD, M. E. Customized selection indices for dairy bulls in Australia. Anim. Sci. v.62, p.393-403, 1996.
HANCOCK, J. Studies in monozygotic cattle twins IV. Uniformity trials: Grazing behavior. N.Z. J. Sci. Technol. v.32, p.22-59, 3. 1950.
HARRISON, R. O.; YOUNG, J. W.; FREEMAN, A.E.; FORD, S.P. Effects of lactation level on reactivation of ovarian function, and interval from parturition to first visual estrus and conception in high-producing Holstein cows. Anim. Prod. v.49, p.23-28, 1989.
HERINGSTAD, B.; KLEMETSDAL, G.; RUANE, J. Selection responses for clinical mastitis in the Norwegian cattle population. Acta Agric. Scand, 2000.
HOEKSTRA J.; VAN DER LUGT, A.W.; VAN DER WERF, J.H.J.; OUWELTJES, W. Genetic and phenotypic pararmeters for milk production and fertility traitss in upgraded dairy cattle. Livest. Prod. Sci. v.40, p.225-232, 1994.
HOHENBOKEN, W. D. Behavioral Genetics. Vet. Clin. North Aim.: Food Anim. Prac. v.3, p.217-229, 1987.
KROPP, J. R.; HOLLOWAY, J. W.; STEPHENS, D. F.; KNORI, L.; MORRISON, R. D.; TOTUSEK, R. Range behavior of Hereford, Hereford x Holstein, and Holstein non-lactatirig heifers. J. Anim. Sci. V.36, p.797-802, 1973.
MADALENA, F.E.; TEODORO, R.L.; NOGUEIRA, J. D.; MOREIRA, D.P. Comparative Performance of Six Holstein-Friesian X Guzera Grades In Brazil. 4. Rate Of Milk Flow, Ease Of Milking And Temperament. Rev. Brasil. Genet., v. 12, p. 39-51, 1989.

MOURÃO, G.B.; BERGMANN, J.A.G.; FERREIRA, M.B.D. Diferenças genéticas e estimação de coeficientes de herdabilidade para temperamento em fêmeas zebus e F1 Holandês x Zebu, Revista Brasileira Zootecnia, v.27, p.722-729, 1998.
NEWMAN, S. Quantitative and molecular-genetic effects on animal well-being: Adaptive mechanisms. J. Anim. Sci. v.72, p.1641-1653, 1994.
PRICE, E. O. Behavior genetics and the process of animal domestication. Ed. Academic Press, San Diego, 1998.
PRICE, E. O. Behavioral aspects of animal domestication. Q. Rev. Biol. v.9, p.1-32, 1984.
RAUWLY, W. M.; KANIS, E.; NOORDHUIZEN-STASSEN, E. N.; GROMMERS, F.J. Undesirable side effects of selection for high production efficiency in farm animals: A review. Livest. Prod. Sci. v.56, p.15-33, 1998.
CSIRO. Genetic and environment methods of improving the temperament of Bos indicus and crossbred cattle. Queenland: Australian Meat Research Comittee, 1988. (Final Report).
SCHUTZ, M.M.; PAJOR, E.A. Genetic control of dairy cattle behavior. J. Dairy Sci. v. 84 (Suppl.), p31-38, 2001.
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Fabiane de Lima Silva

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Gerson Barreto Mourão

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Professor de Genética e Melhoramento Animal na ESALQ/USP. Publicou mais 80 artigos científicos. É editor associado da Scientia Agricola, da revista Visão Agrícola e bolsista de produtividade em pesquisa do CNPq

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