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A produção de lácteos no Brasil é suficiente para atender o consumo?

Ao questionarmos se a produção de lácteos no Brasil é suficiente para atender o consumo, a primeira vista a resposta pode ser sim, mas análises devem ser feitas

Publicado em: - Atualizado em: - 5 minutos de leitura

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Quando a pergunta é se a produção de lácteos no Brasil é suficiente para atender o consumo, a primeira vista a resposta parece ser sim, mas, uma análise mais criteriosa indica que provavelmente a resposta é não, abrindo a perspectiva de um significativo potencial de crescimento para o setor produtivo.

Apesar de alguns países como Estados Unidos, Reino Unido, Irlanda, Chile, Argentina e Japão estabelecerem recomendações de consumo de leite e/ou derivados, tanto a Organização Mundial da Saúde (OMS), quanto a Organização para a Alimentação e Agricultura (FAO), não estipulam quantidades mínimas específicas de consumo de alimentos por dia.

Segundo essas entidades, como os países possuem oferta de alimentos, condições socioeconômicas e práticas alimentares distintas, seria inadequado determinar diretrizes globais de alimentação, com a exceção de casos em que haja robusta evidência científica, como ocorre para algumas frutas e vegetais.

No Brasil não há normativas específicas da quantidade diária mínima ou ideal de ingestão de leite e derivados. Entretanto, o próprio Guia Alimentar para a População Brasileira, publicado pelo Ministério da Saúde, reconhece que esses produtos, presentes principalmente no café da manhã dos cidadãos, são fontes importantes de proteínas, cálcio, vitaminas entre outros; e que o seu consumo, de preferência minimamente processados, deve fazer parte de uma dieta saudável e balanceada.

No entanto, lamentavelmente o consumo de alimentos lácteos talvez não esteja ível a toda a sociedade, em função da baixa renda de milhões de famílias. De acordo com o Anuário Leite de 2021, publicado pela Embrapa, apesar do país se destacar pela produção de leite, atingindo em 2020 produção (recorde) inspecionada de 25,53 bilhões de litros, desde 2014 o consumo de lácteos em domicílio ficou praticamente estagnado.

Segundo o Relatório Anual de 2020, publicado pela a Associação Brasileira de Leite Longa Vida (ABLV), o consumo aparente per capita por dia de leite fluido (incluindo o leite em pó reconstituído) e produtos lácteos (sem considerar o leite fluido) é de 145 ml e 323 ml, respectivamente, totalizando 468 ml.

Ao se considerar os dados da FAO, a produção total de leite em 2020 no Brasil (inspecionado e não inspecionado) foi de 36 bilhões de litros. Se apenas a produção brasileira fosse utilizada para alimentar o país, o consumo aparente per capita por dia seria de 460 ml, o que está pouco abaixo do recomendado por alguns países. Noruega, Finlândia e África do Sul recomendam um consumo diário de produtos lácteos (incluindo leite fluido) para adultos equivalente a entre 500 a 750 ml por dia.

Ademais, não se pode concluir apenas pelas médias, uma vez que o Brasil é um dos países com mais elevada desigualdade de renda do mundo. Ou seja, a média até pode ser adequada, mas, na prática, há muita gente consumindo bem menos do que um nível razoável. 

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Segundo a Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), as regiões Sul e Sudeste apresentam os maiores índices de consumo, em comparação com Centro-Oeste, Nordeste e Norte. Além disso, de acordo com a Análise Mensal do Leite, publicado pela Companhia Nacional de Abastecimento (CONAB), desde maio de 2020 o preço de leite e derivados no atacado e no varejo vem aumentando.

Em janeiro de 2022, o preço do litro de leite longa vida UHT nos atacados e nos varejos das cidades de São Paulo SP, Belo Horizonte MG, Goiânia GO e Porto Alegre RS variaram entre R$ 3,12 e R$ 4,15. Dessa forma, o valor gasto para sustentar o consumo mensal aparente per capita de leite, nos padrões divulgados pela ABLV, de um cidadão adulto, pode variar de R$ 13,57 a R$ 18,05.

Ainda segundo a Pesquisa de Orçamentos Familiares 2017/2018, publicada pelo IBGE, a despesa média mensal com alimentação por pessoa por família foi de R$ 209,12, e que no grupo de pessoas em condições de insegurança alimentar esse valor foi de R$ 153,49.

Numericamente, o custo para se garantir o consumo de leite mensal parece razoável, porém tais valores eram referentes ao período anterior à pandemia de Covid-19. Desde então, a inflação vem mantendo-se em alta, acumulando aumento de 10,06% em 2021. Ademais, houve aumento da taxa de desemprego, chegando a 11,1% no quarto trimestre de 2021, o que contribui para a redução da capacidade de consumo de produtos lácteos no Brasil, principalmente pelas classes sociais C e D.

Finalmente, deve-se considerar o contingente de pessoas consideradas “pobres” e “extremamente pobres”. São conceitos do Banco Mundial e valem para todos os países. Uma pessoa “pobre” é aquela que vive com até US$ 5,50 por dia (equivalente a R$ 28/dia ou R$ 855/mês). Uma pessoa “extremamente pobre” é aquela que sobrevive com até US$ 1,90 por dia (equivalente a R$ 9,70/dia ou R$ 295/mês). Segundo dados oficiais do IBGE para antes da pandemia (ano de 2019), o Brasil tinha aproximadamente 52 milhões de pessoas pobres e 14 milhões de pessoas extremamente pobres.

É possível que esse enorme contingente tenha algum o ao leite fluido, mas não deve ter o a derivados como iogurtes e queijos. Com uma boa margem de segurança podemos sugerir que essas pessoas não consomem uma quantidade minimamente satisfatória nem de leite e derivados, nem de outros tipos quaisquer de alimentos. 

Portanto, é imprescindível destacar que, apesar do evidente potencial para o crescimento do consumo interno, apenas o aumento bruto da produção de leite não reflete no aumento de sua ibilidade à população.

O crescimento produtivo deve ser acompanhado de aumento da renda dos consumidores, práticas sociais inclusivas, políticas e econômicas que aumentem o poder de compra. Nesse aspecto, o Brasil pode avançar no combate à desnutrição com a contribuição da sua produção de lácteos. Além dos benefícios aos consumidores, obviamente haveria benefícios também para o segmento produtor (pecuaristas e laticínios).

Gostou do conteúdo? Deixe seu like e seu comentário, isso nos ajuda a saber que conteúdos são mais interessantes para você.
 

Autores
Lucca Zanini
Augusto Hauber Gameiro

 

Referências bibliográficas
Agência Brasil. 2022. IBGE: inflação oficial fecha 2021 com alta de 10,06%. o em 10 de março de 2022.

Companhia Nacional de Abastecimento (CONAB). 2022. Análise mensal do leite – Janeiro de 2022 o em 10 de março de 2022.

Agência Brasil. 2021. IBGE: desemprego cai 1,6 ponto percentual e atinge 12,6%. o em 10 de março de 2022.

Associação Brasileira de Leite Longa Vida (ABLV). 2021. Relatório Anual de 2020. o em 10 de março de 2022.

Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa). 2021. Anuário leite 2021: saúde única e total. o em 10 de março de 2022.

FAO. 2021. Crops and livestock products. o em 14 de março de 2022.

Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). 2021. Pesquisas de Orçamentos Familiares (POFs) 2017-2018. o em 10 de março de 2022.

Milk Point. 2021. Geografia brasileira do consumo domiciliar de leite. o em 16 de março de 2022.

Milk Point. 2019. Reflexões sobre o nível de consumo de leite do brasileiro. o em 10 de março de 2022.

Ministério da Saúde. 2014. Guia Alimentar para a População Brasileira. o em 10 de março de 2022.

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Laboratório de Análises Socioeconômicas e Ciência Animal

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Quando a pergunta é se a produção de lácteos no Brasil é suficiente para atender o consumo, a primeira vista a resposta parece ser sim, mas, uma análise mais criteriosa indica que provavelmente a resposta é não, abrindo a perspectiva de um significativo potencial de crescimento para o setor produtivo.

Apesar de alguns países como Estados Unidos, Reino Unido, Irlanda, Chile, Argentina e Japão estabelecerem recomendações de consumo de leite e/ou derivados, tanto a Organização Mundial da Saúde (OMS), quanto a Organização para a Alimentação e Agricultura (FAO), não estipulam quantidades mínimas específicas de consumo de alimentos por dia.

Segundo essas entidades, como os países possuem oferta de alimentos, condições socioeconômicas e práticas alimentares distintas, seria inadequado determinar diretrizes globais de alimentação, com a exceção de casos em que haja robusta evidência científica, como ocorre para algumas frutas e vegetais.

No Brasil não há normativas específicas da quantidade diária mínima ou ideal de ingestão de leite e derivados. Entretanto, o próprio Guia Alimentar para a População Brasileira, publicado pelo Ministério da Saúde, reconhece que esses produtos, presentes principalmente no café da manhã dos cidadãos, são fontes importantes de proteínas, cálcio, vitaminas entre outros; e que o seu consumo, de preferência minimamente processados, deve fazer parte de uma dieta saudável e balanceada.

No entanto, lamentavelmente o consumo de alimentos lácteos talvez não esteja ível a toda a sociedade, em função da baixa renda de milhões de famílias. De acordo com o Anuário Leite de 2021, publicado pela Embrapa, apesar do país se destacar pela produção de leite, atingindo em 2020 produção (recorde) inspecionada de 25,53 bilhões de litros, desde 2014 o consumo de lácteos em domicílio ficou praticamente estagnado.

Segundo o Relatório Anual de 2020, publicado pela a Associação Brasileira de Leite Longa Vida (ABLV), o consumo aparente per capita por dia de leite fluido (incluindo o leite em pó reconstituído) e produtos lácteos (sem considerar o leite fluido) é de 145 ml e 323 ml, respectivamente, totalizando 468 ml.

Ao se considerar os dados da FAO, a produção total de leite em 2020 no Brasil (inspecionado e não inspecionado) foi de 36 bilhões de litros. Se apenas a produção brasileira fosse utilizada para alimentar o país, o consumo aparente per capita por dia seria de 460 ml, o que está pouco abaixo do recomendado por alguns países. Noruega, Finlândia e África do Sul recomendam um consumo diário de produtos lácteos (incluindo leite fluido) para adultos equivalente a entre 500 a 750 ml por dia.

Ademais, não se pode concluir apenas pelas médias, uma vez que o Brasil é um dos países com mais elevada desigualdade de renda do mundo. Ou seja, a média até pode ser adequada, mas, na prática, há muita gente consumindo bem menos do que um nível razoável. 

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Segundo a Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), as regiões Sul e Sudeste apresentam os maiores índices de consumo, em comparação com Centro-Oeste, Nordeste e Norte. Além disso, de acordo com a Análise Mensal do Leite, publicado pela Companhia Nacional de Abastecimento (CONAB), desde maio de 2020 o preço de leite e derivados no atacado e no varejo vem aumentando.

Em janeiro de 2022, o preço do litro de leite longa vida UHT nos atacados e nos varejos das cidades de São Paulo SP, Belo Horizonte MG, Goiânia GO e Porto Alegre RS variaram entre R$ 3,12 e R$ 4,15. Dessa forma, o valor gasto para sustentar o consumo mensal aparente per capita de leite, nos padrões divulgados pela ABLV, de um cidadão adulto, pode variar de R$ 13,57 a R$ 18,05.

Ainda segundo a Pesquisa de Orçamentos Familiares 2017/2018, publicada pelo IBGE, a despesa média mensal com alimentação por pessoa por família foi de R$ 209,12, e que no grupo de pessoas em condições de insegurança alimentar esse valor foi de R$ 153,49.

Numericamente, o custo para se garantir o consumo de leite mensal parece razoável, porém tais valores eram referentes ao período anterior à pandemia de Covid-19. Desde então, a inflação vem mantendo-se em alta, acumulando aumento de 10,06% em 2021. Ademais, houve aumento da taxa de desemprego, chegando a 11,1% no quarto trimestre de 2021, o que contribui para a redução da capacidade de consumo de produtos lácteos no Brasil, principalmente pelas classes sociais C e D.

Finalmente, deve-se considerar o contingente de pessoas consideradas “pobres” e “extremamente pobres”. São conceitos do Banco Mundial e valem para todos os países. Uma pessoa “pobre” é aquela que vive com até US$ 5,50 por dia (equivalente a R$ 28/dia ou R$ 855/mês). Uma pessoa “extremamente pobre” é aquela que sobrevive com até US$ 1,90 por dia (equivalente a R$ 9,70/dia ou R$ 295/mês). Segundo dados oficiais do IBGE para antes da pandemia (ano de 2019), o Brasil tinha aproximadamente 52 milhões de pessoas pobres e 14 milhões de pessoas extremamente pobres.

É possível que esse enorme contingente tenha algum o ao leite fluido, mas não deve ter o a derivados como iogurtes e queijos. Com uma boa margem de segurança podemos sugerir que essas pessoas não consomem uma quantidade minimamente satisfatória nem de leite e derivados, nem de outros tipos quaisquer de alimentos. 

Portanto, é imprescindível destacar que, apesar do evidente potencial para o crescimento do consumo interno, apenas o aumento bruto da produção de leite não reflete no aumento de sua ibilidade à população.

O crescimento produtivo deve ser acompanhado de aumento da renda dos consumidores, práticas sociais inclusivas, políticas e econômicas que aumentem o poder de compra. Nesse aspecto, o Brasil pode avançar no combate à desnutrição com a contribuição da sua produção de lácteos. Além dos benefícios aos consumidores, obviamente haveria benefícios também para o segmento produtor (pecuaristas e laticínios).

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Referências bibliográficas
Agência Brasil. 2022. IBGE: inflação oficial fecha 2021 com alta de 10,06%. o em 10 de março de 2022.

Companhia Nacional de Abastecimento (CONAB). 2022. Análise mensal do leite – Janeiro de 2022 o em 10 de março de 2022.

Agência Brasil. 2021. IBGE: desemprego cai 1,6 ponto percentual e atinge 12,6%. o em 10 de março de 2022.

Associação Brasileira de Leite Longa Vida (ABLV). 2021. Relatório Anual de 2020. o em 10 de março de 2022.

Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa). 2021. Anuário leite 2021: saúde única e total. o em 10 de março de 2022.

FAO. 2021. Crops and livestock products. o em 14 de março de 2022.

Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). 2021. Pesquisas de Orçamentos Familiares (POFs) 2017-2018. o em 10 de março de 2022.

Milk Point. 2021. Geografia brasileira do consumo domiciliar de leite. o em 16 de março de 2022.

Milk Point. 2019. Reflexões sobre o nível de consumo de leite do brasileiro. o em 10 de março de 2022.

Ministério da Saúde. 2014. Guia Alimentar para a População Brasileira. o em 10 de março de 2022.

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