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Agricultura regenerativa: desafios e perspectivas futuras

A agricultura regenerativa surgiu há mais de 30 anos com fins de restauração/revitalização de ecossistemas degradados pelo homem. Quais são os desafios atuais?

Publicado em: - 9 minutos de leitura

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A agricultura regenerativa surgiu há mais de 30 anos, em alusão à possibilidade das atividades agrícolas e pecuárias promoverem a recuperação de áreas degradadas, a melhoria dos ambientes produtivos, enfim, a restauração/revitalização de ecossistemas alterados pelas atividades humanas.

Apesar disso, só recentemente, com a intensificação dos efeitos das mudanças climáticas e a pandemia do Covid-19, o termo experimentou um aumento meteórico de interesse público e científico (Fig. 1).
 

Figura 1. Evolução da ocorrência dos termos agricultura sustentável, agricultura orgânica, agroecologia e agricultura regenerativa.

Evolução da ocorrência dos termos agricultura sustentável, agricultura orgânica, agroecologia e agricultura regenerativa. 
Fonte: Elaborada pelos autores com base em dados do Web of Science.
 

Mas afinal, o que é agricultura regenerativa?

Agricultura regenerativa é uma nova modalidade de produção agropecuária? Ou uma visão diferente da produção de alimentos em relação àquela que, após os anos de 1950, amos a chamar de agricultura convencional?

De forma mais simples, a agricultura regenerativa pode ser definida como uma atividade que promove a melhoria do solo por meio do aumento da matéria orgânica, da reciclagem de nutrientes e da atividade da fauna e da microbiota do solo (Fig. 2).


Figura 2. O solo, seus processos e relações com a produção de alimentos.

O solo, seus processos e relações com a produção de alimentos.
Fonte: Elaborada pelos autores; adaptada de Wilkinson & Lowery, 1973; Eberle, 2022; FAO, 2022 e Savory Institute, 2022.
 

Com isso, áreas de terra inerte e predominantemente mineral se transformam em solo ativo e orgânico, com características físicas, químicas e biológicas propícias à vida nas suas diferentes formas, onde tudo começa na produção de alimentos.

Este processo sequestra carbono (C) da atmosfera, contribuindo para a mitigação das mudanças climáticas, geração de renda adicional para os produtores e demais elos das cadeias produtivas (créditos de C, bonificações e subsídios), redução de custos financeiros e abertura de novos mercados.

 

Uma agricultura que refloresta diferentes ambientes

Em resposta aos problemas de desmatamento, uma vertente importante do movimento ambientalista relaciona a agricultura regenerativa com o plantio de árvores e o florestamento de áreas produtivas. Neste caso, a inclusão da planta e dos efeitos diretos do componente florestal sobre o microclima, ampliam a discussão, contemplando processos que ocorrem no solo, mas também questões relacionadas à eficiência fotossintética, fluxo de nutrientes entre camadas do solo, diversidade vegetal e ciclos hidrológicos (Fig. 3).


Figura 3. As plantas arbóreas, a ciclagem de nutrientes, a otimização do uso de recursos e a diversidade.

As plantas arbóreas, a ciclagem de nutrientes, a otimização do uso de recursos e a diversidade
Fonte: Elaborada pelos autores; adaptada de Wilkinson & Lowery, 1973; IUCN, 2019; Horta, 2021 e Tewksbury, 2018.

 

Há de se lembrar, no entanto, que existem árvores e árvores, ambientes e ambientes, ou seja, não se deve sugerir o cultivo de espécies arbóreas sem considerar as características do ambiente. Sua utilização deve levar em conta a adaptação, o uso previsto e a aptidão agrícola da região em questão, sob pena de gerar desequilíbrios ambientais e problemas socioeconômicos ao invés de benefícios.
 

Uma agricultura que integra produção animal e vegetal para promover a saúde dos ecossistemas

Numa visão mais coerente com a complexidade dos sistemas naturais, cada vez mais a agricultura regenerativa tem destacado a função dos animais como fertilizadores dos diferentes ecossistemas. Neste contexto, a produção animal propicia oportunidades estratégicas de otimização da produção vegetal e vice-versa, incluindo a dinamização de processos naturais (Fig. 4) e a melhoria do uso da terra e demais recursos.
 

Figura 4. O sistema clima-solo-planta-animal e a mimetização da natureza.

O sistema clima-solo-planta-animal e a mimetização da natureza.
Fonte: Elaborada pelos autores; adaptada de Wilkinson & Lowery, 1973 e Faria, 2022.
 

Animais de criação, aglomerados e em movimento, promovem a concentração momentânea de dejeções, o crescimento das plantas e a atividade/equilíbrio biológico, com reflexos no controle de pragas e doenças, nos ciclos biogeoquímicos e nas reservas de água disponível, estimulando a melhoria do sistema como um todo.

Um elemento fundamental da agricultura regenerativa é a recuperação da saúde, vitalidade e capacidade evolutiva dos diferentes ecossistemas a partir da interação entre clima, solo, plantas e animais (entre os quais o ser humano).

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Como tal, exige uma visão holística da atividade agropecuária, baseada em princípios fundamentais (Fig. 5) que a aproximam de diversas modalidades de produção diferenciada e promovem a convergência de processos entre áreas produtivas e ambientes naturais.
 

Figura 5. Agricultura regenerativa: princípios fundamentais e relação com outras modalidades de produção agropecuária diferenciada.

Agricultura regenerativa: princípios fundamentais e relação com outras modalidades de produção agropecuária diferenciada
Fonte: Adaptada pelos autores de RegenerAgri, 2022.

 

Em outras palavras, a agricultura regenerativa mimetiza processos naturais por meio da integração de atividades, entre si e com o ambiente, na busca de alimentos saudáveis cuja produção gere ambientes e vidas saudáveis.
 

Uma “construção” de mais de 10.000 anos

Desde o início da agricultura até os dias atuais, o Homem interage com a natureza provendo meios para sua subsistência. No entanto, sua função como ser vivo, formas de interação e visão dos recursos naturais (e do próprio ambiente) mudaram com o tempo.

De coletor-caçador, ou a observador e produtor de seus alimentos, por meio da domesticação de plantas (diversidade de alimentos frescos) e animais (alimentos mais densos em nutrientes, tração para suas tarefas e fonte de calor), vivendo como parte da natureza (Fig. 6).
 

Figura 6. O Homem parte da natureza: caça e caçador.

Figura 6
Fonte: Elaborada pelos autores.

Com o surgimento das grandes civilizações, as obras humanas aram a fazer parte das paisagens de forma integrada com o ambiente. Desde a “construção” de solos férteis, como as terras pretas de índio da Amazônia, às avançadas práticas agrícolas dos Incas e Astecas (Fig. 7), os povos pré-colombianos demonstraram ao mundo como viver em harmonia com a natureza.


Figura 7. As grandes civilizações e o Homem na natureza.

As grandes civilizações e o Homem na natureza.
Fonte: Elaborada pelos autores.
 

Ao contrário disso, como atestam os registros arqueológicos da cidade de UR (primeira cidade da História), dos Maias ou da Ilha de Páscoa, sempre que o Homem tentou viver desconectado da natureza, a aglomeração, a soberba e o distanciamento levaram à degradação, pestes e extinção. É o que a busca de soluções simples para problemas complexos prenuncia na agricultura atual (Fig. 8).


Figura 8. O Homem e a natureza: desconexão dando origem a problemas.

O Homem e a natureza: desconexão dando origem a problemas.
Fonte: Elaborada pelos autores.

 

"O problema não é o Homem, é o como"

Técnicas e ferramentas surgem a cada dia para facilitar e otimizar a produção de alimentos. Porém, esquecemos que a natureza nada mais é do que a seleção milenar de processos, materiais genéticos e estratégias culturais mais adaptados às condições do planeta.

Neste contexto, a urbanização, o aumento da população e a falta de alimentos do pós-guerra deram origem ao modelo produtivo hoje dominante, tratado como “convencional”, ao o que a agricultura regenerativa tem sido referida como a “nova agricultura” ou a “agricultura do século XXI”.

Duas questões quase redundantes emergem destas constatações:

  • por que em uma atividade de mais de 10.000 anos ou-se a chamar de “convencional” uma modalidade de menos de 100 anos?
     
  • como uma atividade resultante de uma consolidação de mais de 10.000 anos pode ser considerada “nova”?

“Nova” ou não, uma coisa é certa: jamais na História o Homem teve tantas condições para ocupar com pertinência o centro das decisões produtivo-ambientais (Fig. 9).
 

Figura 9. O Homem e suas tecnologias: condições nunca vistas para fazer a diferença.

 Homem e suas tecnologias: condições nunca vistas para fazer a diferença.
Fonte: Adaptada pelos autores de Milkpoint, 2022.
 

O Homem no centro da regeneração (ou da degradação)

Se a agricultura regenerativa é o resultado de séculos de aprendizado humano, de erros e acertos, que nos permitiram entender que é possível viver em harmonia com os demais seres vivos e aportar melhorias ao ambiente, o que esta modalidade traz de novo em termos produtivo-ambientais?

As práticas produtivas e características que definem seus princípios são, na grande maioria, consagradas e muito semelhantes às encontradas em outras modalidades de produção. No entanto, a relação da atividade produtiva com o ambiente e sua perspectiva de impacto é totalmente diferente.

Ao o que a agricultura sustentável interage com o ambiente buscando reduzir o uso de recursos e demais impactos, a regenerativa busca integrar a atividade produtiva ao ambiente, incentivando a expressão de processos naturais em uma perspectiva de restauração dos ecossistemas e melhoria contínua de seu funcionamento (Fig. 10).
 

Figura 10. Perspectivas produtivas: degradar, manter ou regenerar?

Perspectivas produtivas: degradar, manter ou regenerar?
Fonte: Adaptada pelos autores de Mang & Reed, 2013.

 

Oportunidades e desafios da “corrida” regenerativa

A possibilidade das atividades humanas arem de potenciais degradadoras do meio ambiente a recuperadoras e fontes de oportunidades mútuas é extremamente estimulante, sobretudo, na atual situação de agravamento das mudanças climáticas.

O ideal “sustentável” simplesmente não é mais suficiente. Empresas globais e organizações sem fins lucrativos estão dando cada vez mais visibilidade para a “restauração” por meio da produção de alimentos. Este entusiasmo e engajamento tem um potencial ecossocial positivo para produtores rurais, consumidores e empresas, trazendo consigo o risco de deturpação, banalização e/ou fragmentação do termo.

 

O que falta para este movimento se tornar uma realidade planetária?

Falta assumirmos que só temos um planeta, com particularidades regionais, necessidades básicas semelhantes e conexões continentais de ordem social, econômica e ambiental. Nossos desafios exigem, portanto, ações conjuntas e mudanças de mentalidade.

Conhecer as diferentes formas de interação do ser humano com a natureza, particularmente, na produção de alimentos é fundamental. Neste sentido, a contribuição potencial da agricultura regenerativa não está nem perto de ser alcançada.

Não se trata somente de agricultura! Trata-se de deixar de viver da natureza para viver com a naturezaFaça sua parte! 

 

Sobre o Instituto de Agricultura Regenerativa

O Instituto de Agricultura Regenerativa é uma associação privada, sem fins lucrativos, engajada na consolidação de um novo paradigma: a produção de alimentos saudáveis, ricos em nutrientes e sem resíduos de substâncias tóxicas pode promover a restauração de processos e relações naturais, gerando benefícios socioeconômicos e ambientais. Como tal, seus efeitos se assemelham ao que ocorre em ambientes naturais, onde os diferentes indivíduos interagem, de forma sinérgica e complementar.

Sem deixar de reconhecer a contribuição de práticas como o preparo mínimo do solo e o uso de culturas de cobertura em substituição aos agrotóxicos como contribuições efetivas da agricultura orgânica, a agricultura regenerativa dá um o à frente: incorpora uma abordagem holística da produção agrícola, embasada em princípios de hierarquia ecológica e práticas conservacionistas. Com isso, regeneração, manutenção e aumento da resiliência da produção de alimentos se aliam à melhoria da qualidade de vida de produtores e consumidores de alimentos, tanto do meio rural como de grandes aglomerações urbanas. Mais informações, e o site.

 

Colaboraram para esta publicação:

Marcelo Abreu da Silva - Engenheiro Agrônomo, Mestre e Doutor em Ecoetologia.
Milene Dick - Médica Veterinária, Mestre em Agronegócios e Doutora em Zootecnia.
Rickiel Rodrigues Franklin da Silva - Engenheiro Agrônomo, Mestre em Agronomia.
Sebastião Ferreira de Lima - Engenheiro Agrônomo, Mestre em Agronomia e Doutor em Fitotecnia.
Cícero Célio de Figueiredo - Engenheiro Agrônomo, Mestre e Doutor em Agronomia.
Ana Paula Ott - Bióloga, Mestre em Biociências (Zoologia) e Doutora em Fitotecnia.
Maria do Carmo Both - Médica Veterinária, Mestre e Doutora em Zootecnia.
Rualdo Menegat - Geólogo, Mestre em Geociências e Doutor em Ecologia.
João Carlos Gonzales - Médico Veterinário, Mestre e Doutor em Ciências Veterinárias.
Homero Dewes - Farmacêutico, Mestre e Doutor em
 

Referências

Eberle, U. 2022. Life in the soil was thought to be silent. What if it isn’t? Knowable Magazine.Faria, G.R. 2022. Resposta imunológica de novilhas Nelore é maior em sistemas ILPF. Notícias Embrapa.

FAO. 2022. Global Symposium on Soils for Nutrition. Virtual event.

Horta, A.L. 2021. A floresta em pé traz ganhos financeiros, e quem diz isso é a ciência.

IUCN. 2019. Conserving healthy soils. Issues Brief.

Milkpoint, 2022. Disponível em: /artigos/producao-de-leite/conhecimentos-de-precisao-como-economizar-muito-dinheiro-na-pecuaria-leiteira-229816/

Mang, P., Reed, B. 2013. Regenerative Development and Design. In: Loftness, V., Haase, D. (eds) Sustainable Built Environments. Springer, New York, NY.

RegenerAgri. 2022. Disponível em: https://www.regeneragri.com/.

Savory Institute. 2022. Disponível em: https://savory.global/.

Tewksbury, J. 2018. All forests are not equal in the carbon count. Anthropocene.

Wilkinson, S.R., Lowery, R.W. 1973. Cycling of mineral nutrients in pasture ecosystems. In: Chemistry and biochemistry of herbage. Academic Press. 247-315.

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Material escrito por:

Instituto de Agricultura Regenerativa

Instituto de Agricultura Regenerativa

O Instituto de Agricultura Regenerativa é uma associação privada, sem fins lucrativos, engajada na consolidação da produção de alimentos saudáveis, ricos em nutrientes e sem resíduos de substâncias tóxicas.

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MundoAgro_UY
MUNDOAGRO_UY

PROFISSIONAIS DE CIÊNCIAS AGRÁRIAS

EM 06/02/2024

Excelente abordagem sobre o tema. Agricultura regenerativa veio para ficar! Temos que entender cada vez mais a natureza para conseguirmos produzir alimentos de qualidade.
Qual a sua dúvida hoje?

Agricultura regenerativa: desafios e perspectivas futuras

A agricultura regenerativa surgiu há mais de 30 anos com fins de restauração/revitalização de ecossistemas degradados pelo homem. Quais são os desafios atuais?

Publicado em: - 9 minutos de leitura

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A agricultura regenerativa surgiu há mais de 30 anos, em alusão à possibilidade das atividades agrícolas e pecuárias promoverem a recuperação de áreas degradadas, a melhoria dos ambientes produtivos, enfim, a restauração/revitalização de ecossistemas alterados pelas atividades humanas.

Apesar disso, só recentemente, com a intensificação dos efeitos das mudanças climáticas e a pandemia do Covid-19, o termo experimentou um aumento meteórico de interesse público e científico (Fig. 1).
 

Figura 1. Evolução da ocorrência dos termos agricultura sustentável, agricultura orgânica, agroecologia e agricultura regenerativa.

Evolução da ocorrência dos termos agricultura sustentável, agricultura orgânica, agroecologia e agricultura regenerativa. 
Fonte: Elaborada pelos autores com base em dados do Web of Science.
 

Mas afinal, o que é agricultura regenerativa?

Agricultura regenerativa é uma nova modalidade de produção agropecuária? Ou uma visão diferente da produção de alimentos em relação àquela que, após os anos de 1950, amos a chamar de agricultura convencional?

De forma mais simples, a agricultura regenerativa pode ser definida como uma atividade que promove a melhoria do solo por meio do aumento da matéria orgânica, da reciclagem de nutrientes e da atividade da fauna e da microbiota do solo (Fig. 2).


Figura 2. O solo, seus processos e relações com a produção de alimentos.

O solo, seus processos e relações com a produção de alimentos.
Fonte: Elaborada pelos autores; adaptada de Wilkinson & Lowery, 1973; Eberle, 2022; FAO, 2022 e Savory Institute, 2022.
 

Com isso, áreas de terra inerte e predominantemente mineral se transformam em solo ativo e orgânico, com características físicas, químicas e biológicas propícias à vida nas suas diferentes formas, onde tudo começa na produção de alimentos.

Este processo sequestra carbono (C) da atmosfera, contribuindo para a mitigação das mudanças climáticas, geração de renda adicional para os produtores e demais elos das cadeias produtivas (créditos de C, bonificações e subsídios), redução de custos financeiros e abertura de novos mercados.

 

Uma agricultura que refloresta diferentes ambientes

Em resposta aos problemas de desmatamento, uma vertente importante do movimento ambientalista relaciona a agricultura regenerativa com o plantio de árvores e o florestamento de áreas produtivas. Neste caso, a inclusão da planta e dos efeitos diretos do componente florestal sobre o microclima, ampliam a discussão, contemplando processos que ocorrem no solo, mas também questões relacionadas à eficiência fotossintética, fluxo de nutrientes entre camadas do solo, diversidade vegetal e ciclos hidrológicos (Fig. 3).


Figura 3. As plantas arbóreas, a ciclagem de nutrientes, a otimização do uso de recursos e a diversidade.

As plantas arbóreas, a ciclagem de nutrientes, a otimização do uso de recursos e a diversidade
Fonte: Elaborada pelos autores; adaptada de Wilkinson & Lowery, 1973; IUCN, 2019; Horta, 2021 e Tewksbury, 2018.

 

Há de se lembrar, no entanto, que existem árvores e árvores, ambientes e ambientes, ou seja, não se deve sugerir o cultivo de espécies arbóreas sem considerar as características do ambiente. Sua utilização deve levar em conta a adaptação, o uso previsto e a aptidão agrícola da região em questão, sob pena de gerar desequilíbrios ambientais e problemas socioeconômicos ao invés de benefícios.
 

Uma agricultura que integra produção animal e vegetal para promover a saúde dos ecossistemas

Numa visão mais coerente com a complexidade dos sistemas naturais, cada vez mais a agricultura regenerativa tem destacado a função dos animais como fertilizadores dos diferentes ecossistemas. Neste contexto, a produção animal propicia oportunidades estratégicas de otimização da produção vegetal e vice-versa, incluindo a dinamização de processos naturais (Fig. 4) e a melhoria do uso da terra e demais recursos.
 

Figura 4. O sistema clima-solo-planta-animal e a mimetização da natureza.

O sistema clima-solo-planta-animal e a mimetização da natureza.
Fonte: Elaborada pelos autores; adaptada de Wilkinson & Lowery, 1973 e Faria, 2022.
 

Animais de criação, aglomerados e em movimento, promovem a concentração momentânea de dejeções, o crescimento das plantas e a atividade/equilíbrio biológico, com reflexos no controle de pragas e doenças, nos ciclos biogeoquímicos e nas reservas de água disponível, estimulando a melhoria do sistema como um todo.

Um elemento fundamental da agricultura regenerativa é a recuperação da saúde, vitalidade e capacidade evolutiva dos diferentes ecossistemas a partir da interação entre clima, solo, plantas e animais (entre os quais o ser humano).

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Como tal, exige uma visão holística da atividade agropecuária, baseada em princípios fundamentais (Fig. 5) que a aproximam de diversas modalidades de produção diferenciada e promovem a convergência de processos entre áreas produtivas e ambientes naturais.
 

Figura 5. Agricultura regenerativa: princípios fundamentais e relação com outras modalidades de produção agropecuária diferenciada.

Agricultura regenerativa: princípios fundamentais e relação com outras modalidades de produção agropecuária diferenciada
Fonte: Adaptada pelos autores de RegenerAgri, 2022.

 

Em outras palavras, a agricultura regenerativa mimetiza processos naturais por meio da integração de atividades, entre si e com o ambiente, na busca de alimentos saudáveis cuja produção gere ambientes e vidas saudáveis.
 

Uma “construção” de mais de 10.000 anos

Desde o início da agricultura até os dias atuais, o Homem interage com a natureza provendo meios para sua subsistência. No entanto, sua função como ser vivo, formas de interação e visão dos recursos naturais (e do próprio ambiente) mudaram com o tempo.

De coletor-caçador, ou a observador e produtor de seus alimentos, por meio da domesticação de plantas (diversidade de alimentos frescos) e animais (alimentos mais densos em nutrientes, tração para suas tarefas e fonte de calor), vivendo como parte da natureza (Fig. 6).
 

Figura 6. O Homem parte da natureza: caça e caçador.

Figura 6
Fonte: Elaborada pelos autores.

Com o surgimento das grandes civilizações, as obras humanas aram a fazer parte das paisagens de forma integrada com o ambiente. Desde a “construção” de solos férteis, como as terras pretas de índio da Amazônia, às avançadas práticas agrícolas dos Incas e Astecas (Fig. 7), os povos pré-colombianos demonstraram ao mundo como viver em harmonia com a natureza.


Figura 7. As grandes civilizações e o Homem na natureza.

As grandes civilizações e o Homem na natureza.
Fonte: Elaborada pelos autores.
 

Ao contrário disso, como atestam os registros arqueológicos da cidade de UR (primeira cidade da História), dos Maias ou da Ilha de Páscoa, sempre que o Homem tentou viver desconectado da natureza, a aglomeração, a soberba e o distanciamento levaram à degradação, pestes e extinção. É o que a busca de soluções simples para problemas complexos prenuncia na agricultura atual (Fig. 8).


Figura 8. O Homem e a natureza: desconexão dando origem a problemas.

O Homem e a natureza: desconexão dando origem a problemas.
Fonte: Elaborada pelos autores.

 

"O problema não é o Homem, é o como"

Técnicas e ferramentas surgem a cada dia para facilitar e otimizar a produção de alimentos. Porém, esquecemos que a natureza nada mais é do que a seleção milenar de processos, materiais genéticos e estratégias culturais mais adaptados às condições do planeta.

Neste contexto, a urbanização, o aumento da população e a falta de alimentos do pós-guerra deram origem ao modelo produtivo hoje dominante, tratado como “convencional”, ao o que a agricultura regenerativa tem sido referida como a “nova agricultura” ou a “agricultura do século XXI”.

Duas questões quase redundantes emergem destas constatações:

  • por que em uma atividade de mais de 10.000 anos ou-se a chamar de “convencional” uma modalidade de menos de 100 anos?
     
  • como uma atividade resultante de uma consolidação de mais de 10.000 anos pode ser considerada “nova”?

“Nova” ou não, uma coisa é certa: jamais na História o Homem teve tantas condições para ocupar com pertinência o centro das decisões produtivo-ambientais (Fig. 9).
 

Figura 9. O Homem e suas tecnologias: condições nunca vistas para fazer a diferença.

 Homem e suas tecnologias: condições nunca vistas para fazer a diferença.
Fonte: Adaptada pelos autores de Milkpoint, 2022.
 

O Homem no centro da regeneração (ou da degradação)

Se a agricultura regenerativa é o resultado de séculos de aprendizado humano, de erros e acertos, que nos permitiram entender que é possível viver em harmonia com os demais seres vivos e aportar melhorias ao ambiente, o que esta modalidade traz de novo em termos produtivo-ambientais?

As práticas produtivas e características que definem seus princípios são, na grande maioria, consagradas e muito semelhantes às encontradas em outras modalidades de produção. No entanto, a relação da atividade produtiva com o ambiente e sua perspectiva de impacto é totalmente diferente.

Ao o que a agricultura sustentável interage com o ambiente buscando reduzir o uso de recursos e demais impactos, a regenerativa busca integrar a atividade produtiva ao ambiente, incentivando a expressão de processos naturais em uma perspectiva de restauração dos ecossistemas e melhoria contínua de seu funcionamento (Fig. 10).
 

Figura 10. Perspectivas produtivas: degradar, manter ou regenerar?

Perspectivas produtivas: degradar, manter ou regenerar?
Fonte: Adaptada pelos autores de Mang & Reed, 2013.

 

Oportunidades e desafios da “corrida” regenerativa

A possibilidade das atividades humanas arem de potenciais degradadoras do meio ambiente a recuperadoras e fontes de oportunidades mútuas é extremamente estimulante, sobretudo, na atual situação de agravamento das mudanças climáticas.

O ideal “sustentável” simplesmente não é mais suficiente. Empresas globais e organizações sem fins lucrativos estão dando cada vez mais visibilidade para a “restauração” por meio da produção de alimentos. Este entusiasmo e engajamento tem um potencial ecossocial positivo para produtores rurais, consumidores e empresas, trazendo consigo o risco de deturpação, banalização e/ou fragmentação do termo.

 

O que falta para este movimento se tornar uma realidade planetária?

Falta assumirmos que só temos um planeta, com particularidades regionais, necessidades básicas semelhantes e conexões continentais de ordem social, econômica e ambiental. Nossos desafios exigem, portanto, ações conjuntas e mudanças de mentalidade.

Conhecer as diferentes formas de interação do ser humano com a natureza, particularmente, na produção de alimentos é fundamental. Neste sentido, a contribuição potencial da agricultura regenerativa não está nem perto de ser alcançada.

Não se trata somente de agricultura! Trata-se de deixar de viver da natureza para viver com a naturezaFaça sua parte! 

 

Sobre o Instituto de Agricultura Regenerativa

O Instituto de Agricultura Regenerativa é uma associação privada, sem fins lucrativos, engajada na consolidação de um novo paradigma: a produção de alimentos saudáveis, ricos em nutrientes e sem resíduos de substâncias tóxicas pode promover a restauração de processos e relações naturais, gerando benefícios socioeconômicos e ambientais. Como tal, seus efeitos se assemelham ao que ocorre em ambientes naturais, onde os diferentes indivíduos interagem, de forma sinérgica e complementar.

Sem deixar de reconhecer a contribuição de práticas como o preparo mínimo do solo e o uso de culturas de cobertura em substituição aos agrotóxicos como contribuições efetivas da agricultura orgânica, a agricultura regenerativa dá um o à frente: incorpora uma abordagem holística da produção agrícola, embasada em princípios de hierarquia ecológica e práticas conservacionistas. Com isso, regeneração, manutenção e aumento da resiliência da produção de alimentos se aliam à melhoria da qualidade de vida de produtores e consumidores de alimentos, tanto do meio rural como de grandes aglomerações urbanas. Mais informações, e o site.

 

Colaboraram para esta publicação:

Marcelo Abreu da Silva - Engenheiro Agrônomo, Mestre e Doutor em Ecoetologia.
Milene Dick - Médica Veterinária, Mestre em Agronegócios e Doutora em Zootecnia.
Rickiel Rodrigues Franklin da Silva - Engenheiro Agrônomo, Mestre em Agronomia.
Sebastião Ferreira de Lima - Engenheiro Agrônomo, Mestre em Agronomia e Doutor em Fitotecnia.
Cícero Célio de Figueiredo - Engenheiro Agrônomo, Mestre e Doutor em Agronomia.
Ana Paula Ott - Bióloga, Mestre em Biociências (Zoologia) e Doutora em Fitotecnia.
Maria do Carmo Both - Médica Veterinária, Mestre e Doutora em Zootecnia.
Rualdo Menegat - Geólogo, Mestre em Geociências e Doutor em Ecologia.
João Carlos Gonzales - Médico Veterinário, Mestre e Doutor em Ciências Veterinárias.
Homero Dewes - Farmacêutico, Mestre e Doutor em
 

Referências

Eberle, U. 2022. Life in the soil was thought to be silent. What if it isn’t? Knowable Magazine.Faria, G.R. 2022. Resposta imunológica de novilhas Nelore é maior em sistemas ILPF. Notícias Embrapa.

FAO. 2022. Global Symposium on Soils for Nutrition. Virtual event.

Horta, A.L. 2021. A floresta em pé traz ganhos financeiros, e quem diz isso é a ciência.

IUCN. 2019. Conserving healthy soils. Issues Brief.

Milkpoint, 2022. Disponível em: /artigos/producao-de-leite/conhecimentos-de-precisao-como-economizar-muito-dinheiro-na-pecuaria-leiteira-229816/

Mang, P., Reed, B. 2013. Regenerative Development and Design. In: Loftness, V., Haase, D. (eds) Sustainable Built Environments. Springer, New York, NY.

RegenerAgri. 2022. Disponível em: https://www.regeneragri.com/.

Savory Institute. 2022. Disponível em: https://savory.global/.

Tewksbury, J. 2018. All forests are not equal in the carbon count. Anthropocene.

Wilkinson, S.R., Lowery, R.W. 1973. Cycling of mineral nutrients in pasture ecosystems. In: Chemistry and biochemistry of herbage. Academic Press. 247-315.

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Instituto de Agricultura Regenerativa

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PROFISSIONAIS DE CIÊNCIAS AGRÁRIAS

EM 06/02/2024

Excelente abordagem sobre o tema. Agricultura regenerativa veio para ficar! Temos que entender cada vez mais a natureza para conseguirmos produzir alimentos de qualidade.
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