*Por Duarte Vilela, Engenheiro Agrônomo e pesquisador da Embrapa Gado de Leite
Os avanços nos sistemas agroalimentar e agroindustrial que agregam valor aos produtos sejam estes das cadeias produtivas de origem animal ou vegetal, demandarão cada vez mais inovações tecnológicas e gerenciais, que causem impactos sensíveis sobre os processos de comercialização e de relacionamento com os consumidores finais. Grande parte da agregação de valor a estes produtos, no futuro, virá de inovações derivadas dessas possibilidades, exigindo maior densidade nutricional e diversidade de aplicação.
Para que o mundo possa prover alimento em quantidade e qualidade é necessário investir em pesquisa, numa abordagem transdisciplinar, em sistemas cada vez mais complexos e com forte ênfase em tecnologias convergentes para garantir a oferta crescente de alimentos, preservando os recursos naturais e agregando valor ao produto. A migração de sistemas de produção com poucas atividades para aqueles mais complexos, será uma realidade nas próximas décadas, contribuindo com os processos cada vez mais dinâmicos que acompanharão a agroindústria que se descortina para o futuro.
Este cenário coloca a América Latina em evidência, pois tem experimentado modelo de desenvolvimento de sucesso, estruturado há décadas. Contudo, frente às dificuldades de competição das agroindústrias latino-americanas no contexto da globalização, este modelo apresenta fragilidade e os avanços que se teve no ado, dão lugar a novos paradigmas para viabilizar a revolução agro-sócio-ambiental nas próximas décadas. O avanço social das últimas décadas aponta para a necessidade de atenção ao crescimento e sofisticação na demanda por bens e serviços no futuro. Algumas agroindústrias precisam se reinventar a medida que cresce a pressão da sociedade por eficiência no uso dos recursos naturais, emergindo um novo padrão de produção focado na entrega de produtos com controle de qualidade, rastreados e de maior diversificação.
Segundo a ONU a população mundial em 2050 chegará a 9,8 bilhões de habitantes e o Brasil estará com 238 milhões, o que exigirá produzir 70% a mais de alimentos. Já o número de habitantes da América Latina e Caribe crescerá 25%, ando de 635 milhões atuais para 793 milhões em 2061, segundo a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe. A crescente demanda mundial por proteína de origem animal é evidente e estima-se, até 2025, aumento de 3% ao ano por carne e leite.
A América Latina e o Caribe possuem cerca de um terço dos recursos mundiais de água doce e mais de um quarto da terra cultivável do mundo. A produção agrícola na América Latina possui enorme variação, indo da subsistência ao agronegócio sofisticado. Hoje, cerca de 50% da produção de alimentos da Região vêm de seus 14 milhões de pequenos agricultores. Enquanto para muitos, isso significa a importância da pequena produção, para empreendedores representa um mercado – terras – a conquistar.
Estudos chamam a atenção para os limites dos recursos de produção e os progressos tecnológicos, sugerindo que os próximos 50 anos serão de grandes dificuldades para a expansão da produção agrícola mundial. O cenário global é pouco otimista e exigirá novas estratégias e avanços científicos.
A busca por competitividade e modernização tecnológica em torno de um produto ou serviço, ampliando a capacidade de o país participar da corrida comercial no mercado cada vez mais globalizado, será uma constante.
A capacidade de geração de conhecimentos aplicados ao campo aumentou com a pesquisa e teve grande impacto na maneira de produzir, que ou de processos extrativistas e de subsistência para produção em escala, colocando a América Latina como exportadora. Estima-se que o agronegócio na região deva crescer cerca de 40% na próxima década, mas não será suficiente, e enfrentará sérias ameaças, como a dependência crescente de insumos importados, urbanização acelerada, concentração da atividade, barreiras sanitárias e câmbio.
Potencial existe. O Brasil é o maior produtor mundial de carne e o quarto maior produtor de leite de vaca. Possui 215 milhões de bovinos em 172 milhões de hectares de pastagens, apesar de 45% da área de maior concentração de atividade pecuária no país esteja com baixa produtividade, tendo como meta recuperar 15 milhões de hectares de pastagens degradadas até o ano 2020. A agricultura representa próximo de 23% das exportações da América Latina e 5% do produto doméstico bruto da região, segundo o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). Em termos mundiais, a América Latina representa 16% das exportações mundiais de produtos agrícolas e de alimentos.
Para que a América Latina e o Brasil, em particular, continuem sendo protagonistas de crescimento sustentável a taxas superiores à registrada em todo o mundo, atuando de modo eficiente e com grande retorno econômico e social, deve-se dar ênfase a recursos que visem agregar valores aos produtos. Culturas multifacetadas, com grande potencial de uso como a alfafa, podem representar uma excelente opção para a região no futuro. Pode compor diferentes sistemas de produção ou processos industriais e comerciais, até se transformar em diferentes produtos, indo da pecuária à indústria farmacêutica e cosmética, ando pela alimentação humana, com características inigualáveis para recuperar solos degradados, fixar nitrogênio e se adaptar a diferentes condições edafoclimáticas. Todo este potencial pode fazer com que ela contribua com o desenvolvimento de muitas regiões Latino-americanas.
Vaca pastejando na alfafa. Fonte: Embrapa
Oriunda da Ásia, principalmente das terras áridas do Irã e Afeganistão, a alfafa (Medicago sativa) encontrou hábitat adequado nas terras férteis da Europa e dos Estados Unidos, países de clima temperado que investiram pesadamente em pesquisa nesta cultura. Na América Latina destaca-se na Argentina, Chile, Uruguai e, mais recentemente, no Sul do Brasil, podendo ser hoje cultivada na maior parte do território nacional.
No Brasil, a área com alfafa ainda é tímida, próximo a 40 mil ha, mas destaca-se pelo valor comercial para abastecer haras e, mais recentemente, sistemas intensivos de produção animal. É uma das forrageiras de maior potencial para a intensificação da produção de leite por apresentar elevada produtividade, baixa estacionalidade de produção, excelente qualidade da forragem e boa aceitabilidade, sendo, por isso, indicada para animais de alto valor genético, segundo o pesquisador da Embrapa, Duarte Vilela.
Para inserir a alfafa nos sistemas de produção a pasto, seja para carne ou leite, deve-se levar em consideração o custo de produção e nos trópicos este é inversamente proporcional à participação do pasto na dieta dos animais. Nos países onde o preço do leite ao produtor é baixo, como no Brasil, a inserção da alfafa nos sistemas reduz o custo de produção como consequência da menor necessidade de alimentos concentrado para suplementação proteica da dieta, que são normalmente os que mais oneram o custo, segundo pesquisadores da Embrapa Pecuária Sudeste.
A Argentina, principal país produtor de alfafa da América Latina, possuía em 2015 cerca de quatro milhões de hectares destinados à produção de carne e de leite em sistemas de pastejo direto ou feno de alfafa. O país conta com uma rede de avaliação de cultivares comerciais que geram informações sobre a adaptabilidade e estabilidade destas cultivares em diferentes ambientes.
Em muitos países o seu cultivo tem como destino principal a pecuária, sendo recomendada para formular ração para pets e participar na dieta de bovinos, equinos e caprinos, como volumoso e/ou complemento de concentrados proteicos. Muito comum seu comércio na forma desidratada, com a vantagem de ser transportada para locais distantes da área de produção, podendo ser utilizada na forma processada, em pellets, ou in natura, como feno.
Na Argentina houve avanços significativos no desenvolvimento de tecnologias para aumentar a produção de feno de alfafa em escala comercial (rolos e megafardos). Contudo, se levar em consideração a demanda crescente do produto e as transformações no mercado mundial, há potencial para melhorar a qualidade e garantir a estabilidade da produção. Neste cenário, o processo de fenação da alfafa tem evoluído consideravelmente de acordo com as possibilidades de exportação e pelas mudanças que vêm ocorrendo na produção de leite e de carne, tendo em vista que o sistema pastoril (ainda importante, mas muito dinâmico) tem cedido espaço a sistemas de produção em confinamento, onde há maior demanda por forragens conservadas (feno de alfafa e silagem de milho ou sorgo).
Em toda a América Latina é recomendável produzir maior quantidade de feno da alfafa de alta qualidade, não somente para consumo interno, como também para a exportação nos âmbitos regional e mundial. O mercado mundial de feno de alfafa em 2016, principalmente, megafardos recompactados, chegou a 8,5 milhões de toneladas, com expectativa de crescimento. A demanda de países árabes (Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos, principalmente) e asiáticos (China, Japão e Coreia), será crescente pela necessidade de produzir alimentos, assim como pelas restrições à disponibilidade de terras e água. Por outro lado, os habituais fornecedores de feno de alfafa (Estados Unidos, Austrália, Espanha e, em menor escala, Itália) estão praticamente no limite de suas possibilidades de exportação. Neste contexto, países latino-americanos poderão se posicionar como produtores de feno desde que, além de aumentarem a produção, se preocuparem com qualidade. Para isso, é importante desenvolver novas máquinas de fenação, além de melhoria no processamento e no armazenamento de feno.
Na indústria cosmética, seu estrato tem sido utilizado na composição de cremes para rejuvenescimento facial e tratamento capilar. Na indústria farmacêutica, é um poderoso medicamento no combate a distúrbios estomacais. Na culinária moderna, é um excelente alimento funcional e seus benefícios à saúde são muitos. Na pecuária intensiva moderna, como visto, se destaca pelos atributos nutricionais incomparáveis que a confere índices elevados de produtividade de carne e de leite.
Nesse cenário promissor e de grande potencial de utilização, a América Latina pode sair na frente para apoiar a expansão dos sistemas agroalimentar e agroindustrial, tomando a alfafa como base de uma plataforma para direcionar futuras pesquisas em rede, gerando conhecimento para promover inovações e desenvolvimento tecnológico sustentável na região.
Um organograma conceitual do que se idealiza de uma Plataforma, estruturada em Rede virtual com temas prioritários para pesquisa, desenvolvimento e inovação, poderá nortear futuras pesquisas com alfafa na América Latina, seja na pecuária moderna ou na agroindústria transformadora, capitaneadas pela Embrapa no Brasil e pelo INTA na Argentina.
Nesse contexto o livro “Exploração racional da alfafa: do cultivo à sua utilização”, reunirá 21 capítulos relevantes para o desenvolvimento sustentável da alfafa na América Latina, focados em resultados atuais de pesquisa, trazendo as inovações tecnológicas que poderão ser apropriadas pelo setor produtivo primário e industrial, destacando-se pela clareza e objetividade.
Nos primeiros capítulos são abordados os aspéctos agronômicos da cultura de alfafa, na sequência os tópicos que caracterizam o seu perfil multiuso, se aprofundando nas várias maneiras de utilizar a alfafa nos sistemas pecuários e agroindustriais, assim como na culinária moderna. Ao fim, um mergulho profundo no futuro da cultura, elencando e priorizando linhas de pesquisa, ousando em propor a criação de uma Rede de Pesquisa e Inovação com Alfafa para a América Latina.
Atuarão, como editores, Duarte Vilela e Reinaldo de Paula Ferreira, pesquisadores da Embrapa, Daniel Horacio Basigalup, pesquisador do INTA-Argentina, Fabrício Juntolli, auditor do MAPA e Dilermando Miranda da Fonseca, professor da UFV. O Dr. Eliseu Roberto de Andrade Alves fará a apresentação da Obra. Será editado na forma impressa e no formato E-book, em português e espanhol. Os recursos para viabilizar a impressão e tradução, estão pleiteados junto ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), tendo em vista a sua publicação pela Universidade Federal de Viçosa.
O lançamento será durante o "Segundo Congreso Mundial de Alfalfa" - GLOBAL INTERACTION FOR ALFALFA INNOVATION - Organizado pelo INTA, em Cordoba, Argentina - 11 a 14 de novembro de 2018.