Nas últimas décadas, o debate sobre as mudanças climáticas causadas pela emissão de gases de efeito estufa (GEE) e consequente aquecimento global chegou com força ao setor agropecuário. O mundo ou a entender que a produção de alimentos também contribui significativamente com essas emissões e que há muito espaço e oportunidades para melhorias nesse tema.
Dentre as diferentes fontes de GEEs do setor agropecuário, o metano (CH4) produzido pela fermentação entérica de ruminantes é uma das mais significativas e, por ser uma das poucas fontes produtoras de CH4 íveis de serem manipuladas, pesquisadores voltaram sua atenção para ela. Ou seja, procuram entender maneiras para reduzir essa emissão e dividiram os estudos em três principais abordagens: nutrição, ambiente ruminal e produtividade animal.
Hoje já está claro para profissionais e produtores que o bem-estar animal (BEA) é fundamental para que rebanhos leiteiros sejam mais produtivos e eficientes, em qualquer sistema de produção. A grande pergunta do momento é: “Bem-estar animal pode ajudar a reduzir o impacto ambiental das fazendas?”. A resposta é sim, pode.
Ao aplicarmos os conceitos de BEA aumentamos a eficiência da produção animal. Quando se trabalha com padrões de bem-estar animal adequados os animais têm mais saúde, e com isso melhora-se todos os aspectos ligados à produtividade animal, como eficiência alimentar e fertilidade, por exemplo.
Vamos olhar para a ligação do BEA com a emissão de metano entérico pelas vacas leiteiras, tema tão alardeado como o grande vilão do aquecimento global. Quem nunca ouviu dizer que o “pum” dos bois e vacas vai destruir nosso planeta? Essa é uma longa discussão que não cabe aqui, mas para que possamos mostrar para os incautos como o BEA pode ajudar com essa questão, temos que “mergulhar” dentro do rúmen das vacas, onde os microrganismos que lá residem conduzem a digestão dos alimentos através de um processo fermentativo, fundamental para que os animais possam obter energia e proteína para o seu metabolismo. Durante esse processo são naturalmente produzidos alguns gases, dentre eles o metano.
Do ponto de vista nutricional a produção de metano no rúmen representa uma perda energética para as vacas. Quando sua produção é elevada não se observa máxima eficiência de utilização dos alimentos. Oferecer dietas com maior digestibilidade e utilização de aditivos alimentares que reconhecidamente ajudem a melhorar a eficiência do processo fermentativo no rúmen, e por consequência, a reduzir a produção de metano entérico são estratégias que ajudam bastante.
Há no mercado diversos aditivos que podem ser utilizados para esse fim, mas estes são para ajustes finos da dieta. Não há sentido em utilizar uma tecnologia de ponta antes de cuidar dos aspectos básicos, como muito bem explorado no excelente artigo do Fabio Guilhermano publicado recentemente no MilkPoint.
No caso da nutrição estamos falando da produção e utilização de alimentos volumosos de alta qualidade, da formulação adequada das dietas, qualidade de misturas, manejo dos alimentos conservados, e utilização de alimentos que naturalmente contribuam para menor produção dos gases resultantes do processo fermentativo, como por exemplo os produtos à base de gordura saturada que são excelentes fontes de energia e, por não serem utilizados como substrato para fermentação pelos microrganismos ruminais, não contribuem com a produção de metano entérico.
Obviamente o manejo alimentar é fundamental para que os animais sejam eficientes, mas para contribuir decisivamente para que os animais sejam mais produtivos, apresentando melhor eficiência alimentar, é fundamental melhorar as condições de BEA do rebanho. Melhor eficiência alimentar significa menor emissão de metano por kg de produto, no caso, leite. Como temos dito em nossos artigos e em diversas discussões com produtores e técnicos, melhorar o BEA dos animais resulta em mais saúde e menor incidência de doenças e distúrbios metabólicos nos rebanhos leiteiros.
Animais mais saudáveis são mais eficientes e longevos, como maior produção de leite vitalícia. Num trabalho muito interessante dos professores Albert DeVries e Marcos Marcondes publicado em 2020 em que avaliou os fatores que afetam a duração da vida produtiva de vacas leiteiras, os autores concluem que a longevidade das vacas é primariamente determinada pelas condições de bem-estar e saúde, que se não forem adequadas resultarão em descarte precoce dos animais, o que prejudica sensivelmente a rentabilidade das fazendas.
Menor ocorrência de doenças, especialmente no período do periparto, também é um fator fundamental para que os índices reprodutivos do rebanho sejam melhores, como mostram os professores Paul Fricke, Milo Wiltbank e Richard Pursley em seu icônico trabalho, “O ciclo de alta fertilidade” onde mostram o que é preciso para que vacas leiteiras possam alcançar e manter bons índices reprodutivos. Melhores condições de BEA resultando em mais saúde são fundamentais para isso.
Vacas que têm melhor reprodução são mais eficientes e lucrativas e emitem menor quantidade de metano por kg de leite produzido. O esforço investido em melhorar a reprodução nas fazendas leiteiras para aumento do ganho econômico resulta diretamente na redução do impacto ambiental. Isso é ilustrado por trabalhos que mostram que programas de reprodução eficientes, como os aplicados no Reino Unido e da Austrália, reduzem emissões de gases de efeito estufa em até 0,9% ao ano. Esses resultados evidenciam a importância de sempre priorizar o conforto, saúde e bem-estar dos animais.
Outro aspecto do BEA que tem impacto muito grande sobre a saúde e eficiência dos rebanhos leiteiros é o estresse por calor. Esse é um tema bastante discutido e já bem entendido por técnicos e produtores, mas sempre vale a pena relembrar a sua importância. Seu impacto se reflete na queda drástica no consumo de matéria seca, na redução da produção de leite e na piora da eficiência reprodutiva.
Nos últimos 15 anos muito tem se investido no estudo desse tema, e hoje já se sabe que além dos problemas citados acima, o estresse por calor resulta em efeitos epigenéticos sobre bezerras filhas de vacas que sofrem com calor no final da gestação, tornando-se animais que serão menos eficientes por toda a vida, ou seja, contribuirão mais com as emissões de gases de efeito estufa. Além de melhorar a eficiência economia das fazendas, promover o alívio do stress por calor também significa reduzir o impacto ambiental da produção leiteira.
Em resumo, o entendimento de que todas as questões que garantem a melhor eficiência dos sistemas produtivos também contribuem para a redução do impacto ambiental nas fazendas é fundamental para que possamos avançar nesse tema cada vez mais importante. Mais eficiência também significa mais rentabilidade, que junto com a questão ambiental, são 2 dos pilares fundamentais da sustentabilidade de qualquer negócio. E o BEA é peça chave nesse processo. Cuidar do conforto e saúde dos animais é essencial para termos sistemas de produção eficientes e sustentáveis.
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