Um artigo recente publicado pela equipe de extensão em pecuária leiteira da Universidade Michigan State dos EUA (Okkema, 2024) abordou as vantagens do alojamento em pares ou grupos para bezerros leiteiros, enfatizando seu impacto positivo em seu bem-estar (BEA) e desenvolvimento. São citadas pesquisas recentes ressaltando que bezerros criados em ambientes sociais apresentam melhor saúde, desenvolvimento social e produtividade a longo prazo em comparação com aqueles alojados individualmente. Segundo a autora, o alojamento social promove comportamentos positivos, incluindo interações afiliativas mais intensas e integração mais tranquila no rebanho, podendo até minimizar riscos à saúde, como doenças respiratórias, em bezerreiros muito bem manejados. O artigo destaca que bezerros criados em pares ou grupos desenvolvem laços sociais mais fortes, maior altura de garupa e melhor adaptação ao reagrupamento social. Esses animais também preferem alimentação social, o que melhora o crescimento e o desempenho.
O contato social desde o início da vida pode afetar os traços de personalidade dos bezerros, como por exemplo, os tornar mais competitivos. Isso porque, animais alojados em grupos ou em pares, têm maior flexibilidade comportamental e adaptabilidade a diferentes situações, tendem a ter mais disposição em experimentar novas coisas, como a ração inicial bem como, de explorar um objeto novo. Há diversos trabalhos de pesquisa mostrando que, em comparação com animais individualizados, bezerros em alojamentos coletivos obtiveram resultados iguais e/ou superiores em relação a aspectos produtivos, como peso corporal no desaleitamento, ingestão de dieta sólida e ganho médio diário de peso.
Um levantamento de dados feito pela Prof Jennifer Van Os da Universidade de Wisconsin, mostrou claramente esses benefícios, como ilustrado na tabela 1 abaixo:
Tab.1 - Estudos1 comparando o crescimento e o consumo de concentrado de bezerros alojados em pares/grupos com os dos alojados individualmente. |
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Parâmetros |
Maior |
Igual |
Menor |
Consumo de MS de concentrado inicial |
11 |
8 |
0 |
Ganho de Peso Médio diário |
6 |
7 |
0 |
Peso corporal ao desmame |
8 |
4 |
0 |
1 = Estudos citados no trabalho de Costa et al. (2016), mais sete estudos publicados entre 2016 e 2022. |
Resultado interessante também mostrou o trabalho de Pempek et al. (2016) avaliando bezerras Jersey criadas em pares ou individualmente. Até o desaleitamento o desempenho dos grupos foi semelhante, mas 3 semanas depois as bezerras criadas em pares apresentavam consumo de matéria seca e peso corporal significativamente maiores, mostrando que socialização precoce, além dos benefícios já citados, também pode servir como alívio em situações de stress, como o desaleitamento.
Diferentes estudos também apontam que o alojamento individual dos bezerros pode reprimir sua capacidade de expressarem seu comportamento natural, privando-os de brincadeiras, podendo gerar maior ansiedade ao encontrar outros bezerros e ao lidar com mudanças no ambiente ou na alimentação, como ocorre no desaleitamento. Além disso, a literatura especializada indica que bezerros alojados individualmente apresentam déficits cognitivos comportamentais e de aprendizagem em comparação com animais alojados em pares ou grupos no início da vida.
Além dos benefícios já citados, outro ponto a considerar por técnicos e produtores é a crescente preocupação do público em geral, consumidor de leite e derivados, com relação ao bem-estar dos animais, especialmente de animais jovens. Cada vez mais gente se interessa pelo tema e inegavelmente a imagem de um bezerro criado confinado e sozinho em uma gaiola gera sentimentos negativos em grande parte do público leigo, e isso faz com que as empresas que comercializam produtos lácteos em a considerar essa questão como crítica. Diversos laticínios já estão implementando programas de fomento ao BEA entre os seus fornecedores e treinando seus colaboradores para que possam ajudar as fazendas a implementar boas práticas de bem-estar nas fazendas.
A boa notícia é que promover o BEA nos rebanhos leiteiros tem impacto direto e muito positivo sobre o desempenho e eficiência dos animais. Ou seja, quanto melhores as condições de BEA nas fazendas, mais eficientes e lucrativas elas vão ser. E nesse contexto, quando consideramos todos os benefícios apontados pelos trabalhos de pesquisa, a criação de bezerros em pares ou grupos pode ser uma ótima ferramenta para ganhar produtividade. No entanto, antes de pensar em mudar tudo na fazenda, é preciso considerar algumas questões importantes relacionadas à sanidade dos animais.
Uma das principais razões para recomendar a criação de bezerros na fase inicial de vida em alojamento individual é reduzir a chance de disseminação de doenças. Obviamente quando agrupamos animais aumentam as chances de transmissão de patógenos e doenças. É como todo pai ou mãe observa quando os filhos am a frequentar creches ou escolas, am a ficar doentes com muita frequência.
Nesse cenário é fundamental refletir se a fazenda tem condições adequadas para lidar com um maior desafio na transmissão de doenças que a criação coletiva de bezerras vai trazer. Para adotar essa prática com sucesso é preciso muita atenção a processos que são críticos, como a colostragem, higiene das instalações, controle de ventilação e umidade do ambiente, bem como é necessário que a equipe que trabalha no bezerreiro seja bastante pró-ativa em identificar rapidamente animais que apresentem mudanças de comportamento, que comumente são sinais de possíveis doenças se instalando.
Aqui no MilkPoint há vários artigos excelentes detalhando as melhores práticas na criação de bezerras, é desnecessário discorrer sobre isso aqui, mas vale a pena pontuar alguns deles:
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Colostragem precisa ser muito bem feita. É o fator mais importante para que os animais possam ter boa imunidade para protegê-los de patógenos no início da vida;
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Instalações precisam estar sempre limpas, o manejo das camas deve ser muito cuidadoso para minimizar o risco da proliferação de patógenos;
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Ambiente do bezerreiro deve ser ventilado para manter a boa qualidade do ar, impedindo o acúmulo de produtos voláteis potencialmente nocivos, como a amônia, e para ajudar no controle de moscas, que são vetores de doenças importantes;
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Acúmulo de água e umidade excessiva devem ser evitados para impedir a proliferação de larvas de moscas.
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O programa e manejo alimentar devem garantir animais nutridos e capazes de desempenhar de acordo com seu potencial genético.
Se o manejo dos animais na fase inicial for muito bom, com equipe bem treinada que observa os pontos acima, a fazenda pode estar preparada para implantar a criação em pares ou coletiva precoce dos bezerros. Caso não haja segurança de que o sistema de criação proporcionará condições adequadas para evitar a propagação de doenças, é melhor manter os animais em instalações individuais nas primeiras 3 a 4 semanas de vida. Mas isso não significa que os pontos destacados acima e a qualidade do manejo podem ser negligenciados!
Por todos os dados e evidências disponíveis, e pelo que podemos observar em algumas boas fazendas que já adotam essa prática, a criação em duplas ou grupos desde o início da vida pode ser uma ótima alternativa para melhorar o desempenho e eficiência das bezerras leiteiras. Desde que a fazenda esteja, de fato, preparada para isso!
Autores:
Alexandre M. Pedroso – Plenteous Consultoria Agropecuária
Beatriz R. Oliveira Silva – Clube de Criação de Bezerras/ESALQ USP
Referências
COSTA et al., 2016. Invited review: Effects of group housing of dairy calves on behavior, cognition, performance, and health. Journal of Dairy Science v. 99, p. 2453–2467.
OKKEMA, 2024. The short- and long-term effects of social in dairy calves. Michigan State University Extension. https://www.canr.msu.edu/news/the-short-and-long-term-effects-of-social--in-dairy-calves. ado em 26/09/2024.
PEMPEK et al., 2016. Housing system may affect behavior and growth performance of Jersey heifer calves. Journal of Dairy Science v. 99, p. 569–578.
VAN OS et al., 2021. Two Heads Are Better Than One: A Starter Guide to Pairing Dairy Calves . University of Wisconsin-Madison Extension. https://animalwelfare.cals.wisc.edu/calf_pairing/ ado em 26/09/2024