Em sua fazenda, durante o período de estiagem, é comum ter animais fracos, debilitados ou até mesmo alguns óbitos?
Sem dúvida, o principal ponto para evitar tais situações seria o planejamento forrageiro adequado para esse período. E o que seria esse planejamento? Aproveitar o período das chuvas e fazer o plantio de milho, cana ou capim, de acordo com a realidade de cada fazenda.
Mas é só garantir o alimento e não vai perder animais durante a seca? Não é tão simples assim!
Além de garantir o bem-estar dos animais, não podemos esquecer do manejo sanitário, ou seja, prevenir doenças que podem debilitar ou mesmo levar os animais a óbito.
É no período de falta de alimento que as mortes de animais se intensificam, não é mesmo? Boa parte dos leitores já deve ter ouvido falar das clostridioses: Carbúnculo, Botulismo, Tétano, entre outras.
Então por que falar dessas doenças? Vamos abordar o Carbúnculo Sintomático, conhecido popularmente como “Manqueira ou Mal-de-ano”, e que raramente se ouve falar de um animal que conseguiu a cura. Este é o intuito deste texto, demonstrar que existem diversas ferramentas a serem exploradas no tratamento dessas doenças em bovinos.
Lembrando que a melhor maneira é a prevenção, através da vacinação contra clostridioses, especialmente nos animais jovens, com reforço trinta dias após a primeira vacinação e depois anualmente. Portanto, vamos retornar ao ponto principal desta matéria relacionada ao Carbúnculo.
Durante atendimento clínico, uma novilha foi encontrada deitada “em decúbito esternal” e com edema (inchaço) exacerbado em um dos membros pélvicos (Imagem 1). O produtor já havia realizado tratamento para picada de cobra no dia anterior. É sempre a primeira coisa a se pensar, não é? Mesmo considerando que as cobras não são as principais responsáveis pela morte dos animais.
Então, um dia após o tratamento realizado pelo produtor, e que não apresentou resultado, realizamos o atendimento clínico deste animal, chegando a conclusão de que se tratava de um caso de Carbúnculo.
Baseado principalmente nos sinais clínicos característicos, como: edema exacerbado em um dos membros pélvicos, presença de crepitação ao toque, “bolhas de gás" no tecido imediatamente abaixo da pele, histórico de morte de três outras novilhas do mesmo lote e falta de vacinação para prevenir tal doença.
Imagem 1. Novilha em decúbito esternal “deitada”, no primeiro dia de atendimento.
E diante disso, o que seria o ideal? Claro que existem diversas condutas clínicas diferentes e, além disso, a literatura mostra que quase 100% dos animais vão a óbito nos primeiros dias. Neste caso, o proprietário apresentou certo receio em autorizar o tratamento, pois nunca havia observado a cura de um animal acometido com “manqueira”, mas no final das contas, decidiu pela tentativa de salvar a vida dessa novilha.
Durante a abordagem terapêutica, ou seja, medidas de tratamento da doença, diversas alternativas foram utilizadas, mas priorizamos especialmente os cuidados de enfermagem com animal, proporcionando cama confortável com palha, água fresca e alimento.
Além disso, cuidados medicamentosos como: aplicação de doses maciças de antibiótico e realização de procedimento cirúrgico por meio de incisões na pele e no subcutâneo do membro afetado (método ainda não descrito na literatura científica) com objetivo de reduzir a proliferação do Clostridium sp. (oxigenando o local da lesão). Vale lembrar a importância do acompanhamento veterinário para indicação de tratamento adequado para cada caso.
Mas e aí? O tratamento foi efetivo rapidamente? Claro que só as medidas de tratamento não foram suficientes. A novilha lutou muito pela vida durante este período e com o ar dos dias, conseguiu ir retornando a ingestão de alimento e água.
E 12 dias após iniciarmos o atendimento, a novilha conseguiu se manter em pé por cerca de 20 minutos. Mesmo parecendo pouco, foi importante para demonstrar que a recuperação estava ocorrendo de maneira adequada e que não havia lesão de nervos no membro afetado. E após 15 dias de tratamento, o animal conseguiu caminhar curtas distâncias e se alimentar (Imagem 2).
Imagem 2. Animal capaz de ficar em pé (estação) e caminhar curtas distâncias.
O acompanhamento do animal foi realizado diariamente, sempre buscando resolver alterações clínicas, dando e e prezando pelo bem-estar. Por fim, após 32 dias de tratamento a novilha obteve a cura clínica completa (vídeo), apresentando somente claudicação leve.
Então, qual seria a lição deste caso? Sempre deve haver esperança para salvar um animal!
Novamente, reforçamos a importância da avaliação clínica individual realizada pelo Médico Veterinário capacitado. E além de tudo, a importância de manter a vacinação adequada do rebanho e planejar para fornecer alimento aos animais durante todo o ano.
Referências
NASCIMENTO NETO, J.P.; CARVALHO, A.L.M.A; RODRIGUES, L.H.A.; SANT’ANA, A.C.C.; CHALFUN, L.H.L. Carbúnculo sintomático em bovino: evolução clínica e terapêutica. Ciência Animal, v.33, n.1, p.175-186. 2023.