Quando os animais são mal-tratados pelo homem, geralmente, eles am a apresentar comportamento aversivo. Portanto, se as novilhas são inseridas abruptamente na sala de ordenha, sendo forçadas a entrar nesse ambiente por meio de empurrões, batidas, choques elétricos, gritos, ou até mesmo puxadas por cordas, é natural que esses animais apresentem reações negativas, as quais colocam em risco a integridade física dos funcionários e dos próprios animais. Essas reações são incompatíveis com uma boa eficiência produtiva. Alguns estudos verificaram relação direta entre as ações dos ordenhadores e o comportamento das vacas na sala de ordenha (Rosa et al., 2001; Hötzel et al., 2005; Peters et al., 2010). Ao contrário, quando os animais adquirem boas impressões dos humanos nas fases de cria e recria, ou no processo de amansamento, fica mais fácil adaptá-los à sala de ordenha (Figuras 1 a 4).
Figuras 1 a 4. Interações positivas entre os humanos, as bezerras e as novilhas mestiças. Fontes: Faz. Santa Luzia, os-MG (1 e 4); CIALNE-CE (2); Faz. Villefort, Morada Nova de Minas-MG (3).
A adaptação deve ser realizada de forma gradual. Inicialmente, os animais devem perceber que o ambiente da sala de ordenha é bom, não oferece riscos em potencial, não tem “predadores”. Portanto, nas primeiras vezes que tiverem contato com o ambiente de ordenha, as novilhas devem apenas “ar” pela sala. Com paciência, mantendo a calma, respeitando o tempo de cada animal, os ordenhadores devem dar oportunidade a todas as novilhas de ter uma boa impressão da sala de ordenha.
Para facilitar a entrada das novilhas na sala de ordenha, os animais devem ser conduzidos de forma tranquila, os equipamentos de ordenha devem estar desligados, o ambiente deve estar limpo e calmo. Nas salas com sistema de ordenha mecanizada, uma estratégia que pode ser utilizada para promover a entrada das novilhas na linha de ordenha, consiste em utilizar como guias, as vacas mais mansas, já adaptadas ao ambiente (Figuras 5 e 6). Esses procedimentos podem ser adotados para novilhas mestiças e Holandesas, pois independente do grau de sangue, o comportamento aversivo (coices, derrubadas de teteiras, micções e vocalizações) nas primeiras ordenhas é mais acentuado quando a primípara não se encontra adaptada ao ambiente de ordenha (Porcionato et al., 2009).
Figuras 5 e 6. Fêmeas mestiças sendo conduzidas por meio de um “guia” e entrando tranquilamente na sala de ordenha juntamente com vacas mais velhas. Fonte: Fazenda Santa Luzia, os-MG.
Para que as novilhas comecem a permanecer na sala de ordenha, recomenda-se, quando possível, o fornecimento de alimento em cochos adaptados à linha de ordenha (Figura 7). Após a adoção desse método, rapidamente, as novilhas associam o ambiente de ordenha a esse estímulo positivo, podendo ser conduzidas mais facilmente do pasto para a sala de ordenha (Figura 8).
Figuras 7 e 8. Novilhas mestiças recebendo alimentação durante o processo de adaptação e sendo conduzidas à sala de ordenha por meio de estímulos positivos (chamando e mostrando o balde com concentrado). Fonte: Fazenda Experimental da EPAMIG, Felixlândia-MG.
Como as novilhas já foram amansadas anteriormente, elas já permitem o contato físico dos humanos, portanto, elas podem ser escovadas, coçadas ou acariciadas na sala de ordenha. Para aqueles animais que, inicialmente, não permitem o contato físico do homem nesse novo ambiente, a aproximação deve ser realizada de forma gradativa, utilizando-se, por exemplo, “cotonetes gigantes” e escovas (Figuras 9 e 10). Agradar as novilhas e as vacas na sala de ordenha é uma forma de promover as reações positivas, as quais serão convertidas em aumento da produção de leite.
Figuras 9 e 10. Aproximação gradativa dos animais durante o processo de adaptação à sala de ordenha. Fonte: CIALNE-CE.
Assim que os animais começarem a interagir de forma positiva com o ambiente, os equipamentos de ordenha podem ser ligados e algumas pessoas podem permanecer no fosso, lembrando sempre de respeitar o tempo de cada animal. Alguns podem apresentar maior resistência, exigindo mais paciência no processo de adaptação. Acariciar o úbere e simular os procedimentos de limpeza dos tetos são outras ações que podem ser adotadas (Figuras 11 e 12).
Figuras 11 e 12. “Agrado” aos animais durante o processo de adaptação à ordenha mecanizada. Fontes: Fazenda São José do Can Can, São José da Barra-MG (11) e Fazenda Leleo Móveis, Russas-CE (12).
Quanto mais vezes as novilhas arem pela sala de ordenha, quanto mais tempo elas permanecerem nesse ambiente em contato com os ordenhadores e com o barulho dos equipamentos, mais fácil será a adaptação ao sistema de ordenha no início da primeira lactação. Uma das formas de saber se os animais estão interagindo bem com o ambiente é observar se estão ruminando. A ruminação só ocorre quando os animais encontram-se “relaxados”.
A adaptação deve ser mantida nas primeiras ordenhas. Como o úbere encontra-se inchado, inflamado e dolorido após o parto, é necessário dar atenção especial ao processo de colocação e retirada das teteiras. Assim que o úbere retorna ao normal, o animal percebe que a ordenha pode ser prazerosa, proporcionando-lhe conforto e alívio.
Considerações finais
No século anterior, a intensificação dos sistemas de produção e a busca pela melhoria dos índices produtivos e reprodutivos, não levaram em consideração a qualidade de vida dos animais. A conscientização e a mudança de atitude dos profissionais que atuam no setor leiteiro quanto aos benefícios da adoção de um bom relacionamento com os animais será uma das grandes evoluções que ocorrerão no século XXI, pois a preocupação com o bem-estar já está começando a influenciar no consumo de produtos de origem animal.
A importância das vacas mestiças para a produção de leite do Brasil é incontestável. O desempenho produtivo dos rebanhos mestiços não depende somente do grau de sangue do rebanho, do potencial genético, das tecnologias adotadas em cada propriedade, do manejo nutricional e do manejo sanitário, mas depende também, da boa interação do animal com o meio onde vive. Portanto, o contato positivo com os humanos nas fases de cria e recria e a adaptação ao ambiente de ordenha antes do primeiro parto são de fundamental importância para que as fêmeas mestiças possam expressar todo o seu potencial genético, resultando em maior tranquilidade na rotina das propriedades leiteiras, menor ocorrência de acidentes, maior produção de leite e maior retorno econômico para os sistemas de produção.
Referências bibliográficas
HÖTZEL, M. J.;, MACHADO FILHO, L. C. P., YUNES, M. C., SILVEIRA, M. C. A. C. Influência de um ordenhador aversivo sobre a produção leiteira de vacas da raça holandesa. R. Bras. Zootec., v. 34, n. 4, p. 1278-1284, 2005.
PETERS, M. D. P.; BARBOSA SILVEIRA, I. D.; MACHADO FILHO, L. C. P. et al. Manejo aversivo em bovinos leiteiros e efeitos no bem-estar, comportamento e aspectos produtivos. Arch. Zootec, v. 59, n. 227, p. 435-442. 2010.
PORCIONATO, M. A. F.; NEGRÃO, J. A.; PAIVA, F. A., DELGADO, T. F. G. Respostas produtivas e comportamentais durante a ordenha de vacas Holandesas em início de lactação. Acta Scientiarum. v. 31, n. 4, p. 447-451, 2009.
ROSA, M. S.; COSTA, M. J. R. P. (2001). Efeitos da infraestrutura da sala de ordenha e das relações com os humanos sobre o comportamento de vacas leiteiras. In: Mariano, B. S. et al. (org.). Anais Zootec. 2001 – XXI Congresso Brasileiro de Zootecnia – III Congresso Internacional de Zootecnia, p. 8, 2001.
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Como maximizar a produção de leite e o bem-estar das vacas mestiças? Parte 1
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Como maximizar a produção de leite e o bem-estar das vacas mestiças? Parte 3