O 'vigor híbrido' ou heterose, é o oposto da perda por consanguinidade e indica o quanto o animal se diferencia da média dos seus pais. Por sua vez, a consanguinidade vem aumentando ao redor de 2 a 3% por década na maioria das raças, o que torna o cruzamento entre raças cada vez mais atrativo.
No que diz respeito às características de eficiência reprodutiva, ponto crítico da pecuária leiteira, é muito difícil melhorá-las através de seleção dentro de cada raça, principalmente devido a sua baixa herdabilidade e ao fato de que seleção específica para essas características apenas recentemente tornou-se rotina em muitos dos países exportadores de material genético.
Neste artigo vou tentar elucidar alguns pontos com relação ao cruzamento entre Jersey e Holandês, usando como base trabalhos científicos na área e a experiência de alguns países que vem praticando esse tipo de cruzamento há décadas. Na Nova Zelândia aproximadamente 20% das vacas controladas oficialmente são provenientes do cruzamento entre Jersey e Holandês. Na avaliação nacional desse país, assim como na de muitos países europeus, animais puros e cruzados são avaliados simultaneamente e esta metodologia considera a heterose.
Manter o bezerro vivo é um dos grandes desafios da raça Jersey. Essa característica é influenciada por efeitos diretos (genótipo do bezerro) e efeitos maternos (genótipo da mãe). Num estudo realizado nos EUA (Weigel e Barlass 2002), produtores que têm parte do rebanho composta de animais cruzados, deram escores de 1 a 5 para taxa de sobrevivência de bezerro (1 sendo muito baixa e 5 muito alta). Touro Jersey em vaca Jersey recebeu média final 2,2, seguido por touro Jersey em vaca meio-sangue Jersey e Holandês, touro Holandês em vaca Holandesa, touro Jersey em vaca Holandesa, touro Holandês em vaca meio-sangue Jersey e Holandês e touro Holandês em vaca Jersey, que receberam escores 2,7, 3,2, 3,3 e 3,6 respectivamente. Esses resultados mostram que as diferenças entre as raças e a heterose são fatores importantes na sobrevivência de bezerros, pois os animais puros (de ambas as raças) tiveram pior performance do que os animais cruzados.
Facilidade de parto é um problema importante na raça Holandesa. Meyer et al. (2001) observou que 23% das novilhas Holandesas têm problemas de parto e que 28% desses bezerros morrem ao nascer. Nesse caso, diferenças entre as raças são bem claras, porque, por serem pequenos, os bezerros de touros Jersey não geram problemas de parto, não importa qual seja a raça da mãe. Mas quando touros Holandeses foram acasalados com vacas Holandesas, vacas cruzadas (Jersey e Holandês) e vacas Jersey, os escores para facilidade de parto foram 2,2, 2,9 e 3,6 respectivamente (Weigel e Barlass 2002), ou seja, apesar do menor tamanho das vacas Jersey, é muito mais fácil para uma vaca Jersey parir um bezerro filho de um touro Holandês, do que para uma vaca Holandesa parir um bezerro do mesmo touro Holandês, mostrando que facilidade de parto depende muito da raça da mãe. Problemas de parto na raça Jersey são praticamente inexistentes, tanto que, nos EUA não existe avaliação nacional para facilidade de parto na raça Jersey.
Fertilidade de fêmeas é um dos pontos de maior preocupação entre os produtores de leite atualmente, principalmente com o contínuo aumento da produção por vaca. Os escores para fertilidade de fêmea foram 2,6, 3,2 e 3,6 para vacas Holandesas, meio-sangue (Jersey e Holandês) e Jersey respectivamente (Weigel e Barlass 2002). A fertilidade das vacas cruzadas foi um pouco maior do que a média dos pais, mostrando efeito de heterose para essa característica. Essa superioridade da raça Jersey surpreende pelo fato de vacas Jersey produzirem mais leite (corrigido para energia) por unidade de peso vivo do que vacas Holandesas. Sendo uma razão importante para descarte involuntário, a melhor fertilidade faz com que vacas Jerseys sejam menos sujeitas a descarte involuntário do que vacas Holandesas.
Diferenças entre as raças Holandesa e Jersey para gordura, proteína, escore de células somáticas e vida produtiva nos EUA são mostradas na figura 1 (www.aipl.arsusda.gov). Nessa figura, verificamos que, no que se refere à composição do leite, existe grande diferença entre as raças Jersey e Holandesa, essa diferença é de fundamental importância para a indústria, principalmente por afetar a produção de queijo. A diferença em escore de células somáticas mostra a maior susceptibilidade à mastite dos animais da raça Jersey quando comparados aos animais da raça Holandesa. Finalmente, o gráfico (figura 1) mostra que animais da raça Jersey vivem em média meia lactação a mais do que animais da raça Holandesa. Estudos têm mostrado heterose de 15 a 20% para características de longevidade em animais cruzados.
No que diz respeito à febre do leite, cerca de 30% das vacas Jersey apresentam problemas, enquanto na raça Holandesa esse valor é menor que 5%.
Para obter sucesso na implantação de um sistema de cruzamento de raças, precisamos nos preocupar com a reposição. Uma das opções (talvez a mais viável em várias situações) seria o sistema de cruzamento rotativo usando-se duas raças (McAllister 2002). As vantagens teóricas de se rotacionar 3 raças são claras, porém poucos estudos am essa teoria na prática (McAllister 2002). Várias empresas de inseminação artificial já têm disponível sêmem de touros meio-sangue (Jersey e Holandês). Esse sêmen possibilita, por exemplo, a criação de animais ¾ Holandês:¼ Jersey quando usado em vacas Holandesas e ¼ Holandês:¾ Jersey quando usado em vacas Jersey.
O animal cruzado pode não ser superior ao puro em nenhuma característica isolada, mas ser mais lucrativo quando todas as características são consideradas (Fohrman et al., 1954). Em um estudo realizado nos EUA, em termos de lucratividade, considerando longevidade, crescimento, produtividade e fertilidade, Touchberry (1992) concluiu que animais cruzados excederam os puros em 14,9% por vaca por lactação ou em 11,4% por vaca por ano.
Em um estudo na Nova Zelândia utilizando-se métodos de análise de sobrevivência, foram encontrados efeitos significantes de heterose para produção de leite, gordura e proteína, peso vivo, redução em dias até a primeira inseminação, menor perda embrionária e longevidade.
Em um trabalho realizado no Canadá (McAllister et al., 1994), foram obtidos resultados de heterose de 16,5, 20, 17,2, 16,6, e 17,9% para produção de leite, gordura, proteína, lactose e valor recebido pelo leite (valores relativos à produção vitalícia), respectivamente. Nesse estudo, o cruzamento rotativo usando-se duas raças foi superior à melhor raça pura e também superior ao cruzamento repetido usando-se touro cruzado.
Em outro estudo realizado na Nova Zelândia (Lopez-Villalobos, et al. 2000), em condições de pastejo, o cruzamento rotativo entre Jersey-Holandês foi mais lucrativo por hectare do que o cruzamento rotativo usando-se 3 raças (incluindo Airshyre) e do que as raças puras.
Em outro estudo realizado nos EUA, envolvendo dados de produção de 10442 animais cruzados, 140421 animais puros e dados de longevidade de 41131 animais cruzados e 726344 animais puros (VanRaden e Sanders 2001), foram observados efeitos de heterose de 3,4, 4,4 e 4,1% para produção de leite, gordura e proteína, respectivamente. Heterose para longevidade foi de 1,2%. Produção de gordura foi um pouco maior em animais meio-sangue Jersey e Holandês (1,14 kg/d) do que em Holandeses puros (1,12 kg/d). A heterose para escore de células somáticas não foi significante. 'Net merit' e 'Cheese merit' foram maiores nos animais cruzados do que nos Holandeses puros com valores de 44 e 113 dólares respectivamente, ou seja, o retorno obtido com o animal cruzado foi maior do que o Holandês puro nesses dois critérios. Para 'Fluid merit' o Holandês puro foi melhor do que o animal cruzado e a diferença foi de 269 dólares. Como a população da raça Holandesa é muito maior, sempre haverá maior chance de se obter animais extremamente bons nessa raça do que em outras raças, levando a uma maior intensidade de seleção, o que limita o uso de cruzamento entre raças. Por exemplo, ao se adicionar o efeito médio de heterose ao melhor touro Jersey, ele ainda foi pior do que 93 touros Holandeses para 'Net merit' (esse estudo não considerou diretamente os efeitos em fertilidade, mortalidade, saúde, dificuldade de parto e características de conformação). Esse estudo também indicou que quando se usa touro Holandês no animal meio-sangue, o produto continua sendo melhor do que o Holandês puro para 'Net merit' e 'Cheese merit'.
Um projeto de 12 anos de duração está prestes a começar nos EUA, onde se utilizam técnicas de genética molecular para tentar detectar importantes genes provenientes de cada raça no cruzamento entre Jersey e Holandês. Futuros estudos devem focar questões relativas a interação entre genótipo e ambiente e a tolerância ao calor.
Referências
Fohrman, M. H., R. E. McDowell, C. A. Matthews, and R. A. Hilder. 1954. A crossbreeding experiment with dairy cattle. Tech. Bull, 1074. USDA, Washington, DC.
Lopez-Villalobos, N., D. J. Garrick, C. W. Holmes, H. T. Blair, and R. J. Spelman. 2000. Profitabilities of some mating systems for dairy herds in New Zealand. J. Dairy Sci. 83:144-153.
McAllister A. J. 2002. Is crossbreeding the answer to questions of dairy breed utilization? J. Dairy Sci. 85:2352-2357.
Touchberry, R. W. 1992. Crossbreeding effects in dairy cattle: The Illinois experiment, 1949 to 1969. J. Dairy Sci. 75:640-667.
VanRaden, P. M., and A. H. Sanders. 2001. Economic merit of purebred and crossbred dairy cattle. J. Dairy Sci. Online Proceedings ADSA Annual Meeting, Indianapolis, IN.
Weigel, K. A., and Barlass, K. A. 2002. Results of a producer survey regarding crossbreding on US dairy farms. J. Dairy Sci. (accepted).
Figura 1. Comparação entre as raças Holandesa e Jersey para gordura, proteína, escore de células somáticas e vida produtiva nos EUA
