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Considerações sobre cruzamento entre Holandês e Jersey

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As raças de escolha para muitos sistemas de produção no Brasil são a Holandesa e a Jersey. Muitos técnicos têm considerado o cruzamento entre essas raças como alternativa para melhorar a lucratividade de algumas fazendas. Hoje em dia, devido a alta competitividade dessas duas raças, preocupações com a introdução de genes que causarão prejuízos provenientes de qualquer uma das raças são mínimas. A flutuação dos preços de insumos (variando a qualidade do que é oferecido para o gado) e as rigorosas condições climáticas durante alguns meses do ano (principalmente no verão) em muitas das regiões produtoras de leite no Brasil, requerem muito dos animais. Esses problemas acabam se refletindo na saúde e na fertilidade (entre outros) e o cruzamento entre raças é uma das alternativas para melhorar esses aspectos, porque para muitas características de relevante importância econômica, as diferenças entre raças são muito maiores do que as diferenças dentro de uma raça específica, além disso, possíveis benefícios podem ser gerados pela heterose.

O 'vigor híbrido' ou heterose, é o oposto da perda por consanguinidade e indica o quanto o animal se diferencia da média dos seus pais. Por sua vez, a consanguinidade vem aumentando ao redor de 2 a 3% por década na maioria das raças, o que torna o cruzamento entre raças cada vez mais atrativo.

No que diz respeito às características de eficiência reprodutiva, ponto crítico da pecuária leiteira, é muito difícil melhorá-las através de seleção dentro de cada raça, principalmente devido a sua baixa herdabilidade e ao fato de que seleção específica para essas características apenas recentemente tornou-se rotina em muitos dos países exportadores de material genético.

Neste artigo vou tentar elucidar alguns pontos com relação ao cruzamento entre Jersey e Holandês, usando como base trabalhos científicos na área e a experiência de alguns países que vem praticando esse tipo de cruzamento há décadas. Na Nova Zelândia aproximadamente 20% das vacas controladas oficialmente são provenientes do cruzamento entre Jersey e Holandês. Na avaliação nacional desse país, assim como na de muitos países europeus, animais puros e cruzados são avaliados simultaneamente e esta metodologia considera a heterose.

Manter o bezerro vivo é um dos grandes desafios da raça Jersey. Essa característica é influenciada por efeitos diretos (genótipo do bezerro) e efeitos maternos (genótipo da mãe). Num estudo realizado nos EUA (Weigel e Barlass 2002), produtores que têm parte do rebanho composta de animais cruzados, deram escores de 1 a 5 para taxa de sobrevivência de bezerro (1 sendo muito baixa e 5 muito alta). Touro Jersey em vaca Jersey recebeu média final 2,2, seguido por touro Jersey em vaca meio-sangue Jersey e Holandês, touro Holandês em vaca Holandesa, touro Jersey em vaca Holandesa, touro Holandês em vaca meio-sangue Jersey e Holandês e touro Holandês em vaca Jersey, que receberam escores 2,7, 3,2, 3,3 e 3,6 respectivamente. Esses resultados mostram que as diferenças entre as raças e a heterose são fatores importantes na sobrevivência de bezerros, pois os animais puros (de ambas as raças) tiveram pior performance do que os animais cruzados.

Facilidade de parto é um problema importante na raça Holandesa. Meyer et al. (2001) observou que 23% das novilhas Holandesas têm problemas de parto e que 28% desses bezerros morrem ao nascer. Nesse caso, diferenças entre as raças são bem claras, porque, por serem pequenos, os bezerros de touros Jersey não geram problemas de parto, não importa qual seja a raça da mãe. Mas quando touros Holandeses foram acasalados com vacas Holandesas, vacas cruzadas (Jersey e Holandês) e vacas Jersey, os escores para facilidade de parto foram 2,2, 2,9 e 3,6 respectivamente (Weigel e Barlass 2002), ou seja, apesar do menor tamanho das vacas Jersey, é muito mais fácil para uma vaca Jersey parir um bezerro filho de um touro Holandês, do que para uma vaca Holandesa parir um bezerro do mesmo touro Holandês, mostrando que facilidade de parto depende muito da raça da mãe. Problemas de parto na raça Jersey são praticamente inexistentes, tanto que, nos EUA não existe avaliação nacional para facilidade de parto na raça Jersey.

Fertilidade de fêmeas é um dos pontos de maior preocupação entre os produtores de leite atualmente, principalmente com o contínuo aumento da produção por vaca. Os escores para fertilidade de fêmea foram 2,6, 3,2 e 3,6 para vacas Holandesas, meio-sangue (Jersey e Holandês) e Jersey respectivamente (Weigel e Barlass 2002). A fertilidade das vacas cruzadas foi um pouco maior do que a média dos pais, mostrando efeito de heterose para essa característica. Essa superioridade da raça Jersey surpreende pelo fato de vacas Jersey produzirem mais leite (corrigido para energia) por unidade de peso vivo do que vacas Holandesas. Sendo uma razão importante para descarte involuntário, a melhor fertilidade faz com que vacas Jerseys sejam menos sujeitas a descarte involuntário do que vacas Holandesas.
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Diferenças entre as raças Holandesa e Jersey para gordura, proteína, escore de células somáticas e vida produtiva nos EUA são mostradas na figura 1 (www.aipl.arsusda.gov). Nessa figura, verificamos que, no que se refere à composição do leite, existe grande diferença entre as raças Jersey e Holandesa, essa diferença é de fundamental importância para a indústria, principalmente por afetar a produção de queijo. A diferença em escore de células somáticas mostra a maior susceptibilidade à mastite dos animais da raça Jersey quando comparados aos animais da raça Holandesa. Finalmente, o gráfico (figura 1) mostra que animais da raça Jersey vivem em média meia lactação a mais do que animais da raça Holandesa. Estudos têm mostrado heterose de 15 a 20% para características de longevidade em animais cruzados.

No que diz respeito à febre do leite, cerca de 30% das vacas Jersey apresentam problemas, enquanto na raça Holandesa esse valor é menor que 5%.

Para obter sucesso na implantação de um sistema de cruzamento de raças, precisamos nos preocupar com a reposição. Uma das opções (talvez a mais viável em várias situações) seria o sistema de cruzamento rotativo usando-se duas raças (McAllister 2002). As vantagens teóricas de se rotacionar 3 raças são claras, porém poucos estudos am essa teoria na prática (McAllister 2002). Várias empresas de inseminação artificial já têm disponível sêmem de touros meio-sangue (Jersey e Holandês). Esse sêmen possibilita, por exemplo, a criação de animais ¾ Holandês:¼ Jersey quando usado em vacas Holandesas e ¼ Holandês:¾ Jersey quando usado em vacas Jersey.

O animal cruzado pode não ser superior ao puro em nenhuma característica isolada, mas ser mais lucrativo quando todas as características são consideradas (Fohrman et al., 1954). Em um estudo realizado nos EUA, em termos de lucratividade, considerando longevidade, crescimento, produtividade e fertilidade, Touchberry (1992) concluiu que animais cruzados excederam os puros em 14,9% por vaca por lactação ou em 11,4% por vaca por ano.

Em um estudo na Nova Zelândia utilizando-se métodos de análise de sobrevivência, foram encontrados efeitos significantes de heterose para produção de leite, gordura e proteína, peso vivo, redução em dias até a primeira inseminação, menor perda embrionária e longevidade.

Em um trabalho realizado no Canadá (McAllister et al., 1994), foram obtidos resultados de heterose de 16,5, 20, 17,2, 16,6, e 17,9% para produção de leite, gordura, proteína, lactose e valor recebido pelo leite (valores relativos à produção vitalícia), respectivamente. Nesse estudo, o cruzamento rotativo usando-se duas raças foi superior à melhor raça pura e também superior ao cruzamento repetido usando-se touro cruzado.

Em outro estudo realizado na Nova Zelândia (Lopez-Villalobos, et al. 2000), em condições de pastejo, o cruzamento rotativo entre Jersey-Holandês foi mais lucrativo por hectare do que o cruzamento rotativo usando-se 3 raças (incluindo Airshyre) e do que as raças puras.

Em outro estudo realizado nos EUA, envolvendo dados de produção de 10442 animais cruzados, 140421 animais puros e dados de longevidade de 41131 animais cruzados e 726344 animais puros (VanRaden e Sanders 2001), foram observados efeitos de heterose de 3,4, 4,4 e 4,1% para produção de leite, gordura e proteína, respectivamente. Heterose para longevidade foi de 1,2%. Produção de gordura foi um pouco maior em animais meio-sangue Jersey e Holandês (1,14 kg/d) do que em Holandeses puros (1,12 kg/d). A heterose para escore de células somáticas não foi significante. 'Net merit' e 'Cheese merit' foram maiores nos animais cruzados do que nos Holandeses puros com valores de 44 e 113 dólares respectivamente, ou seja, o retorno obtido com o animal cruzado foi maior do que o Holandês puro nesses dois critérios. Para 'Fluid merit' o Holandês puro foi melhor do que o animal cruzado e a diferença foi de 269 dólares. Como a população da raça Holandesa é muito maior, sempre haverá maior chance de se obter animais extremamente bons nessa raça do que em outras raças, levando a uma maior intensidade de seleção, o que limita o uso de cruzamento entre raças. Por exemplo, ao se adicionar o efeito médio de heterose ao melhor touro Jersey, ele ainda foi pior do que 93 touros Holandeses para 'Net merit' (esse estudo não considerou diretamente os efeitos em fertilidade, mortalidade, saúde, dificuldade de parto e características de conformação). Esse estudo também indicou que quando se usa touro Holandês no animal meio-sangue, o produto continua sendo melhor do que o Holandês puro para 'Net merit' e 'Cheese merit'.

Um projeto de 12 anos de duração está prestes a começar nos EUA, onde se utilizam técnicas de genética molecular para tentar detectar importantes genes provenientes de cada raça no cruzamento entre Jersey e Holandês. Futuros estudos devem focar questões relativas a interação entre genótipo e ambiente e a tolerância ao calor.

Referências

Fohrman, M. H., R. E. McDowell, C. A. Matthews, and R. A. Hilder. 1954. A crossbreeding experiment with dairy cattle. Tech. Bull, 1074. USDA, Washington, DC.

Lopez-Villalobos, N., D. J. Garrick, C. W. Holmes, H. T. Blair, and R. J. Spelman. 2000. Profitabilities of some mating systems for dairy herds in New Zealand. J. Dairy Sci. 83:144-153.

McAllister A. J. 2002. Is crossbreeding the answer to questions of dairy breed utilization? J. Dairy Sci. 85:2352-2357.

Touchberry, R. W. 1992. Crossbreeding effects in dairy cattle: The Illinois experiment, 1949 to 1969. J. Dairy Sci. 75:640-667.

VanRaden, P. M., and A. H. Sanders. 2001. Economic merit of purebred and crossbred dairy cattle. J. Dairy Sci. Online Proceedings ADSA Annual Meeting, Indianapolis, IN.

Weigel, K. A., and Barlass, K. A. 2002. Results of a producer survey regarding crossbreding on US dairy farms. J. Dairy Sci. (accepted).

Figura 1. Comparação entre as raças Holandesa e Jersey para gordura, proteína, escore de células somáticas e vida produtiva nos EUA

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Daniel Zeraib Caraviello

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MIlton Sales Santana
MILTON SALES SANTANA

CERES - GOIÁS - PRODUÇÃO DE LEITE

EM 19/12/2007

Guilherme Alves,

Você diz que sua vacas Holandesas produzem em média 46,5 lts e as vacas Jersey 15 lts. Em relação ao seu custo de produção do leite, qual fica mais em conta, o leite da Holandesa ou da Jersey?
Guilherme Alves de Mello Franco
GUILHERME ALVES DE MELLO FRANCO

JUIZ DE FORA - MINAS GERAIS - PRODUÇÃO DE LEITE

EM 22/04/2007

Prezado Dr. Daniel:

O senhor só se esqueceu de dizer que, apesar de uma vaca jersey "produzir mais leite por unidadede peso vivo" que uma holandêsa, ela é infinitamente menos pesada que aquela.

Este tipo de consideração pode levar o leitor a uma idéia equivocada da produção de uma Jersey, em relação à uma Holandêsa, porque apesar desta apregoada melhor performance, uma vaca holandêsa de escol pode chegar a produzir, durante todo o seu período de lactação, mais de setenta quilos de leite/dia, enquanto uma Jersey suaria muito para atingir a quarenta.

Uma mestiça, pela heterose, estaria numa produção em torno de sessenta por cento destes valores, se cruzássemos animais com as características leiteiras dos aqui anunciados, com touros "top" das raças oponentes, ou seja, seria melhor que a Jersey e pior que a Holandêsa (produziria, em média, em torno de quarenta e cinco a cinquenta quilos de leite/dia).

Quanto à facilidade de parto, existem diversos estudos que geraram touros especializados neste tipo de caracter, que anulam ou, pelo menos, reduzem muito o problema no caso de Gado Holandês.

Outro dado importante que foi sonegado é que os problemas de parto são mais constantes e podem ser sérios no primeiro parto, com raridade se repetindo nas gestações posteriores.

Touros de menor tamanho foram testados para diminuir o da cria, com sucesso. Outro aspecto relevante e que não foi abordado é que a primeira geração de cruzamento (F1) tem a heterose muito desenvolvida e gera, realmente, o efeito exposto no artigo e esclarecido nesta carta. Mas, à medida que você vai se aproximando de uma ou de outra raça, esta perde seu poder, porque o animal vai se tornando cada vez mais portador das características da raça predominante.

Para manter a mestiçagem temos que ir para um lado e para outro, como um barco à mercê das ondas do mar (uma geração eu introduzo o Jersey, na outra, o Holandês e assim, sucessivamente). Todavia, o sucesso não é o mesmo da primeira tentativa. Portanto, é muito mais salutar (se o negócio é aumentar o teor de sólidos do leite) que o produtor crie as duas raças puras, misturando só as produções das mesmas, como tem sido feito por todos os que militamos na área da pecuária leiteira em grande escala.

Hoje, possuo um rebanho de Gado Holandês puro, em torno de vinte e oito vacas em lactação, com média de 46,5 litros de leite/animal/dia e, um de Jersey puro, com doze indivíduos, com média de 15 litros/animal/dia, entregando ao laticínio cerca de quarenta e quatro mil litros de leite/mês. Se misturasse as raças, não teria esta produção. Não esqueça que, numa época de escassez, volume é mais importante que gordura.
Um grande abraço,

GUILHERME ALVES DE MELLO FRANCO
kerllon buratti
KERLLON BURATTI

TRÊS BARRAS DO PARANÁ - PARANÁ - ESTUDANTE

EM 11/04/2007

Ótimo artigo, porque vejo como o gado jersey tem melhores qualidades quanto ao leite do que o gado holandês.
Lucas Fioreze Costa
LUCAS FIOREZE COSTA

MONTE AZUL PAULISTA - SÃO PAULO - PRODUÇÃO DE LEITE

EM 09/06/2004

Foi um artigo bem interessante sobre o cruzamento em gado leiteiro , mas eu gostaria de saber se tem algum resultado com o cruzamento de vacas meio sangue ou3/4, ou5/8 girolando com touro Jersey .
Andre Boeri
ANDRE BOERI

NOVA BRÉSCIA - RIO GRANDE DO SUL - PROFISSIONAIS DE CIÊNCIAS AGRÁRIAS

EM 30/03/2004

Ouvi comentário de um veterinário que o cruzamento entre as raças jersey e holandesa é muito bom na primeira geração. Após não sabe-se o que pode vir. O que vocês têm a dizer sobre esta afirmativa? Há base para supor credibilidade?
Claudia Lísia Martins de Moraes
CLAUDIA LÍSIA MARTINS DE MORAES

CAMPINAS - SÃO PAULO - PESQUISA/ENSINO

EM 03/08/2003

ESSE ARTIGO FOI ESCLARECEDOR E ENRIQUECEDOR. APROVEITO A OPORTUNIDADE PARA PERGUNTAR SE HÁ ALGUM ESTUDO NO CRUZAMENTO ENTRE JERSEY E GIR LEITEIRO, ACRESCENTANDO A RUSTICIDADE DESSE ZEBUÍNO À TODAS AS QUALIDADES MENCIONADAS NA JERSEY. OBRIGADO
Nevio Primon de Siqueira
NEVIO PRIMON DE SIQUEIRA

SÃO PAULO - SÃO PAULO - PROFISSIONAIS DE CIÊNCIAS AGRÁRIAS

EM 25/07/2003

Como já foi dito aqui no MilkPoint algumas vezes, e até por mim mesmo, o cruzamento de rebanhos holandeses com touro Jersey e até o inverso, não é modismo, mas sim alternativa de produção mais eficiente, com custos menores e maior produtividade. Esse tipo de cruzamento já é praticado há muito tempo pelos criadores americanos e neo-zelandeses principalmente, onde o leite é remunerado também pelos sólidos contidos no mesmo.

Lembrando que a Associação de Criadores do Gado Jersey do Brasil e suas filiadas, fazem o controle de genealogia dos animais oriundos desse cruzamentos, não só com a raça holandesa mas de qualquer raça, desde que sejam registrados nas Associações das respectivas raças, e mantenham no mínimo 1/4 de sangue Jersey na sua composição. Esta iniciativa da ACGJB visa não só a elaboração de um documento oficializando os cruzamentos, mas tambem coletar dados sobre os animais originados desses cruzamentos para futuros estudos sobre produção, eficiencia, rusticidade, etc. Mais informações poderão ser obtidas na ACGJB pelo telefone 011 3672 0588 ou no site milkpoint-br.informativomineiro.com.
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Considerações sobre cruzamento entre Holandês e Jersey

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As raças de escolha para muitos sistemas de produção no Brasil são a Holandesa e a Jersey. Muitos técnicos têm considerado o cruzamento entre essas raças como alternativa para melhorar a lucratividade de algumas fazendas. Hoje em dia, devido a alta competitividade dessas duas raças, preocupações com a introdução de genes que causarão prejuízos provenientes de qualquer uma das raças são mínimas. A flutuação dos preços de insumos (variando a qualidade do que é oferecido para o gado) e as rigorosas condições climáticas durante alguns meses do ano (principalmente no verão) em muitas das regiões produtoras de leite no Brasil, requerem muito dos animais. Esses problemas acabam se refletindo na saúde e na fertilidade (entre outros) e o cruzamento entre raças é uma das alternativas para melhorar esses aspectos, porque para muitas características de relevante importância econômica, as diferenças entre raças são muito maiores do que as diferenças dentro de uma raça específica, além disso, possíveis benefícios podem ser gerados pela heterose.

O 'vigor híbrido' ou heterose, é o oposto da perda por consanguinidade e indica o quanto o animal se diferencia da média dos seus pais. Por sua vez, a consanguinidade vem aumentando ao redor de 2 a 3% por década na maioria das raças, o que torna o cruzamento entre raças cada vez mais atrativo.

No que diz respeito às características de eficiência reprodutiva, ponto crítico da pecuária leiteira, é muito difícil melhorá-las através de seleção dentro de cada raça, principalmente devido a sua baixa herdabilidade e ao fato de que seleção específica para essas características apenas recentemente tornou-se rotina em muitos dos países exportadores de material genético.

Neste artigo vou tentar elucidar alguns pontos com relação ao cruzamento entre Jersey e Holandês, usando como base trabalhos científicos na área e a experiência de alguns países que vem praticando esse tipo de cruzamento há décadas. Na Nova Zelândia aproximadamente 20% das vacas controladas oficialmente são provenientes do cruzamento entre Jersey e Holandês. Na avaliação nacional desse país, assim como na de muitos países europeus, animais puros e cruzados são avaliados simultaneamente e esta metodologia considera a heterose.

Manter o bezerro vivo é um dos grandes desafios da raça Jersey. Essa característica é influenciada por efeitos diretos (genótipo do bezerro) e efeitos maternos (genótipo da mãe). Num estudo realizado nos EUA (Weigel e Barlass 2002), produtores que têm parte do rebanho composta de animais cruzados, deram escores de 1 a 5 para taxa de sobrevivência de bezerro (1 sendo muito baixa e 5 muito alta). Touro Jersey em vaca Jersey recebeu média final 2,2, seguido por touro Jersey em vaca meio-sangue Jersey e Holandês, touro Holandês em vaca Holandesa, touro Jersey em vaca Holandesa, touro Holandês em vaca meio-sangue Jersey e Holandês e touro Holandês em vaca Jersey, que receberam escores 2,7, 3,2, 3,3 e 3,6 respectivamente. Esses resultados mostram que as diferenças entre as raças e a heterose são fatores importantes na sobrevivência de bezerros, pois os animais puros (de ambas as raças) tiveram pior performance do que os animais cruzados.

Facilidade de parto é um problema importante na raça Holandesa. Meyer et al. (2001) observou que 23% das novilhas Holandesas têm problemas de parto e que 28% desses bezerros morrem ao nascer. Nesse caso, diferenças entre as raças são bem claras, porque, por serem pequenos, os bezerros de touros Jersey não geram problemas de parto, não importa qual seja a raça da mãe. Mas quando touros Holandeses foram acasalados com vacas Holandesas, vacas cruzadas (Jersey e Holandês) e vacas Jersey, os escores para facilidade de parto foram 2,2, 2,9 e 3,6 respectivamente (Weigel e Barlass 2002), ou seja, apesar do menor tamanho das vacas Jersey, é muito mais fácil para uma vaca Jersey parir um bezerro filho de um touro Holandês, do que para uma vaca Holandesa parir um bezerro do mesmo touro Holandês, mostrando que facilidade de parto depende muito da raça da mãe. Problemas de parto na raça Jersey são praticamente inexistentes, tanto que, nos EUA não existe avaliação nacional para facilidade de parto na raça Jersey.

Fertilidade de fêmeas é um dos pontos de maior preocupação entre os produtores de leite atualmente, principalmente com o contínuo aumento da produção por vaca. Os escores para fertilidade de fêmea foram 2,6, 3,2 e 3,6 para vacas Holandesas, meio-sangue (Jersey e Holandês) e Jersey respectivamente (Weigel e Barlass 2002). A fertilidade das vacas cruzadas foi um pouco maior do que a média dos pais, mostrando efeito de heterose para essa característica. Essa superioridade da raça Jersey surpreende pelo fato de vacas Jersey produzirem mais leite (corrigido para energia) por unidade de peso vivo do que vacas Holandesas. Sendo uma razão importante para descarte involuntário, a melhor fertilidade faz com que vacas Jerseys sejam menos sujeitas a descarte involuntário do que vacas Holandesas.
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Diferenças entre as raças Holandesa e Jersey para gordura, proteína, escore de células somáticas e vida produtiva nos EUA são mostradas na figura 1 (www.aipl.arsusda.gov). Nessa figura, verificamos que, no que se refere à composição do leite, existe grande diferença entre as raças Jersey e Holandesa, essa diferença é de fundamental importância para a indústria, principalmente por afetar a produção de queijo. A diferença em escore de células somáticas mostra a maior susceptibilidade à mastite dos animais da raça Jersey quando comparados aos animais da raça Holandesa. Finalmente, o gráfico (figura 1) mostra que animais da raça Jersey vivem em média meia lactação a mais do que animais da raça Holandesa. Estudos têm mostrado heterose de 15 a 20% para características de longevidade em animais cruzados.

No que diz respeito à febre do leite, cerca de 30% das vacas Jersey apresentam problemas, enquanto na raça Holandesa esse valor é menor que 5%.

Para obter sucesso na implantação de um sistema de cruzamento de raças, precisamos nos preocupar com a reposição. Uma das opções (talvez a mais viável em várias situações) seria o sistema de cruzamento rotativo usando-se duas raças (McAllister 2002). As vantagens teóricas de se rotacionar 3 raças são claras, porém poucos estudos am essa teoria na prática (McAllister 2002). Várias empresas de inseminação artificial já têm disponível sêmem de touros meio-sangue (Jersey e Holandês). Esse sêmen possibilita, por exemplo, a criação de animais ¾ Holandês:¼ Jersey quando usado em vacas Holandesas e ¼ Holandês:¾ Jersey quando usado em vacas Jersey.

O animal cruzado pode não ser superior ao puro em nenhuma característica isolada, mas ser mais lucrativo quando todas as características são consideradas (Fohrman et al., 1954). Em um estudo realizado nos EUA, em termos de lucratividade, considerando longevidade, crescimento, produtividade e fertilidade, Touchberry (1992) concluiu que animais cruzados excederam os puros em 14,9% por vaca por lactação ou em 11,4% por vaca por ano.

Em um estudo na Nova Zelândia utilizando-se métodos de análise de sobrevivência, foram encontrados efeitos significantes de heterose para produção de leite, gordura e proteína, peso vivo, redução em dias até a primeira inseminação, menor perda embrionária e longevidade.

Em um trabalho realizado no Canadá (McAllister et al., 1994), foram obtidos resultados de heterose de 16,5, 20, 17,2, 16,6, e 17,9% para produção de leite, gordura, proteína, lactose e valor recebido pelo leite (valores relativos à produção vitalícia), respectivamente. Nesse estudo, o cruzamento rotativo usando-se duas raças foi superior à melhor raça pura e também superior ao cruzamento repetido usando-se touro cruzado.

Em outro estudo realizado na Nova Zelândia (Lopez-Villalobos, et al. 2000), em condições de pastejo, o cruzamento rotativo entre Jersey-Holandês foi mais lucrativo por hectare do que o cruzamento rotativo usando-se 3 raças (incluindo Airshyre) e do que as raças puras.

Em outro estudo realizado nos EUA, envolvendo dados de produção de 10442 animais cruzados, 140421 animais puros e dados de longevidade de 41131 animais cruzados e 726344 animais puros (VanRaden e Sanders 2001), foram observados efeitos de heterose de 3,4, 4,4 e 4,1% para produção de leite, gordura e proteína, respectivamente. Heterose para longevidade foi de 1,2%. Produção de gordura foi um pouco maior em animais meio-sangue Jersey e Holandês (1,14 kg/d) do que em Holandeses puros (1,12 kg/d). A heterose para escore de células somáticas não foi significante. 'Net merit' e 'Cheese merit' foram maiores nos animais cruzados do que nos Holandeses puros com valores de 44 e 113 dólares respectivamente, ou seja, o retorno obtido com o animal cruzado foi maior do que o Holandês puro nesses dois critérios. Para 'Fluid merit' o Holandês puro foi melhor do que o animal cruzado e a diferença foi de 269 dólares. Como a população da raça Holandesa é muito maior, sempre haverá maior chance de se obter animais extremamente bons nessa raça do que em outras raças, levando a uma maior intensidade de seleção, o que limita o uso de cruzamento entre raças. Por exemplo, ao se adicionar o efeito médio de heterose ao melhor touro Jersey, ele ainda foi pior do que 93 touros Holandeses para 'Net merit' (esse estudo não considerou diretamente os efeitos em fertilidade, mortalidade, saúde, dificuldade de parto e características de conformação). Esse estudo também indicou que quando se usa touro Holandês no animal meio-sangue, o produto continua sendo melhor do que o Holandês puro para 'Net merit' e 'Cheese merit'.

Um projeto de 12 anos de duração está prestes a começar nos EUA, onde se utilizam técnicas de genética molecular para tentar detectar importantes genes provenientes de cada raça no cruzamento entre Jersey e Holandês. Futuros estudos devem focar questões relativas a interação entre genótipo e ambiente e a tolerância ao calor.

Referências

Fohrman, M. H., R. E. McDowell, C. A. Matthews, and R. A. Hilder. 1954. A crossbreeding experiment with dairy cattle. Tech. Bull, 1074. USDA, Washington, DC.

Lopez-Villalobos, N., D. J. Garrick, C. W. Holmes, H. T. Blair, and R. J. Spelman. 2000. Profitabilities of some mating systems for dairy herds in New Zealand. J. Dairy Sci. 83:144-153.

McAllister A. J. 2002. Is crossbreeding the answer to questions of dairy breed utilization? J. Dairy Sci. 85:2352-2357.

Touchberry, R. W. 1992. Crossbreeding effects in dairy cattle: The Illinois experiment, 1949 to 1969. J. Dairy Sci. 75:640-667.

VanRaden, P. M., and A. H. Sanders. 2001. Economic merit of purebred and crossbred dairy cattle. J. Dairy Sci. Online Proceedings ADSA Annual Meeting, Indianapolis, IN.

Weigel, K. A., and Barlass, K. A. 2002. Results of a producer survey regarding crossbreding on US dairy farms. J. Dairy Sci. (accepted).

Figura 1. Comparação entre as raças Holandesa e Jersey para gordura, proteína, escore de células somáticas e vida produtiva nos EUA

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Daniel Zeraib Caraviello

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MIlton Sales Santana
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CERES - GOIÁS - PRODUÇÃO DE LEITE

EM 19/12/2007

Guilherme Alves,

Você diz que sua vacas Holandesas produzem em média 46,5 lts e as vacas Jersey 15 lts. Em relação ao seu custo de produção do leite, qual fica mais em conta, o leite da Holandesa ou da Jersey?
Guilherme Alves de Mello Franco
GUILHERME ALVES DE MELLO FRANCO

JUIZ DE FORA - MINAS GERAIS - PRODUÇÃO DE LEITE

EM 22/04/2007

Prezado Dr. Daniel:

O senhor só se esqueceu de dizer que, apesar de uma vaca jersey "produzir mais leite por unidadede peso vivo" que uma holandêsa, ela é infinitamente menos pesada que aquela.

Este tipo de consideração pode levar o leitor a uma idéia equivocada da produção de uma Jersey, em relação à uma Holandêsa, porque apesar desta apregoada melhor performance, uma vaca holandêsa de escol pode chegar a produzir, durante todo o seu período de lactação, mais de setenta quilos de leite/dia, enquanto uma Jersey suaria muito para atingir a quarenta.

Uma mestiça, pela heterose, estaria numa produção em torno de sessenta por cento destes valores, se cruzássemos animais com as características leiteiras dos aqui anunciados, com touros "top" das raças oponentes, ou seja, seria melhor que a Jersey e pior que a Holandêsa (produziria, em média, em torno de quarenta e cinco a cinquenta quilos de leite/dia).

Quanto à facilidade de parto, existem diversos estudos que geraram touros especializados neste tipo de caracter, que anulam ou, pelo menos, reduzem muito o problema no caso de Gado Holandês.

Outro dado importante que foi sonegado é que os problemas de parto são mais constantes e podem ser sérios no primeiro parto, com raridade se repetindo nas gestações posteriores.

Touros de menor tamanho foram testados para diminuir o da cria, com sucesso. Outro aspecto relevante e que não foi abordado é que a primeira geração de cruzamento (F1) tem a heterose muito desenvolvida e gera, realmente, o efeito exposto no artigo e esclarecido nesta carta. Mas, à medida que você vai se aproximando de uma ou de outra raça, esta perde seu poder, porque o animal vai se tornando cada vez mais portador das características da raça predominante.

Para manter a mestiçagem temos que ir para um lado e para outro, como um barco à mercê das ondas do mar (uma geração eu introduzo o Jersey, na outra, o Holandês e assim, sucessivamente). Todavia, o sucesso não é o mesmo da primeira tentativa. Portanto, é muito mais salutar (se o negócio é aumentar o teor de sólidos do leite) que o produtor crie as duas raças puras, misturando só as produções das mesmas, como tem sido feito por todos os que militamos na área da pecuária leiteira em grande escala.

Hoje, possuo um rebanho de Gado Holandês puro, em torno de vinte e oito vacas em lactação, com média de 46,5 litros de leite/animal/dia e, um de Jersey puro, com doze indivíduos, com média de 15 litros/animal/dia, entregando ao laticínio cerca de quarenta e quatro mil litros de leite/mês. Se misturasse as raças, não teria esta produção. Não esqueça que, numa época de escassez, volume é mais importante que gordura.
Um grande abraço,

GUILHERME ALVES DE MELLO FRANCO
kerllon buratti
KERLLON BURATTI

TRÊS BARRAS DO PARANÁ - PARANÁ - ESTUDANTE

EM 11/04/2007

Ótimo artigo, porque vejo como o gado jersey tem melhores qualidades quanto ao leite do que o gado holandês.
Lucas Fioreze Costa
LUCAS FIOREZE COSTA

MONTE AZUL PAULISTA - SÃO PAULO - PRODUÇÃO DE LEITE

EM 09/06/2004

Foi um artigo bem interessante sobre o cruzamento em gado leiteiro , mas eu gostaria de saber se tem algum resultado com o cruzamento de vacas meio sangue ou3/4, ou5/8 girolando com touro Jersey .
Andre Boeri
ANDRE BOERI

NOVA BRÉSCIA - RIO GRANDE DO SUL - PROFISSIONAIS DE CIÊNCIAS AGRÁRIAS

EM 30/03/2004

Ouvi comentário de um veterinário que o cruzamento entre as raças jersey e holandesa é muito bom na primeira geração. Após não sabe-se o que pode vir. O que vocês têm a dizer sobre esta afirmativa? Há base para supor credibilidade?
Claudia Lísia Martins de Moraes
CLAUDIA LÍSIA MARTINS DE MORAES

CAMPINAS - SÃO PAULO - PESQUISA/ENSINO

EM 03/08/2003

ESSE ARTIGO FOI ESCLARECEDOR E ENRIQUECEDOR. APROVEITO A OPORTUNIDADE PARA PERGUNTAR SE HÁ ALGUM ESTUDO NO CRUZAMENTO ENTRE JERSEY E GIR LEITEIRO, ACRESCENTANDO A RUSTICIDADE DESSE ZEBUÍNO À TODAS AS QUALIDADES MENCIONADAS NA JERSEY. OBRIGADO
Nevio Primon de Siqueira
NEVIO PRIMON DE SIQUEIRA

SÃO PAULO - SÃO PAULO - PROFISSIONAIS DE CIÊNCIAS AGRÁRIAS

EM 25/07/2003

Como já foi dito aqui no MilkPoint algumas vezes, e até por mim mesmo, o cruzamento de rebanhos holandeses com touro Jersey e até o inverso, não é modismo, mas sim alternativa de produção mais eficiente, com custos menores e maior produtividade. Esse tipo de cruzamento já é praticado há muito tempo pelos criadores americanos e neo-zelandeses principalmente, onde o leite é remunerado também pelos sólidos contidos no mesmo.

Lembrando que a Associação de Criadores do Gado Jersey do Brasil e suas filiadas, fazem o controle de genealogia dos animais oriundos desse cruzamentos, não só com a raça holandesa mas de qualquer raça, desde que sejam registrados nas Associações das respectivas raças, e mantenham no mínimo 1/4 de sangue Jersey na sua composição. Esta iniciativa da ACGJB visa não só a elaboração de um documento oficializando os cruzamentos, mas tambem coletar dados sobre os animais originados desses cruzamentos para futuros estudos sobre produção, eficiencia, rusticidade, etc. Mais informações poderão ser obtidas na ACGJB pelo telefone 011 3672 0588 ou no site milkpoint-br.informativomineiro.com.
Qual a sua dúvida hoje?