Nos últimos anos, os produtores de leite, a exemplo do que vem acontecendo com outros segmentos do sistema produtivo, estão sofrendo forte pressão do público em geral para reduzirem as perdas de nitrogênio que ocorrem durante os mais diferentes processos produtivos.
Assim, com o crescente aumento das limitações ambientais, pesquisas têm sido dirigidas no sentido de melhorar a eficiência de utilização do nitrogênio pelas vacas leiteiras, enquanto otimiza-se a produção e composição do leite.
Segundo revisão publicada em importante revista norte americana, contemplando mais de 10 anos de pesquisa, feita pelo renomado pesquisador e professor da Esalq (Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz), da USP, Dr. Flávio Augusto, bem como as premissas de um dos principais programas utilizados para formulação da ração para bovinos leiteiros, o "NRC dairy Cattle", a alteração somente do suprimento de proteína não degradável no rúmen não explica variações na produção de leite. Se analisarmos os dados de literatura mais atentamente, notaremos que as variações na produção de leite não estão correlacionadas com proteína bruta ou proteína não degradável no rúmen, mas sim com a proteína metabolizável.
O requerimento em proteína metabolizável é satisfeito principalmente pelo suprimento de proteína degradável no rúmen (PDR) e pela proteína não degradável no rúmen (PNDR), a também chamada proteína "by ". A PDR, a PNDR e a proteína endógena contribuem com aminoácidos para o intestino delgado, sendo a proteína microbiana a principal fonte do fluxo total de aminoácidos. Portanto, a suplementação de proteína metabolizável é o caminho direto para o aumento do suprimento de aminoácido para o duodeno.
Entretanto, a superalimentação de proteína pode resultar em excessiva excreção de nitrogênio urinário, a principal forma de excreção de nitrogênio label. Existem relatos de que 70% do nitrogênio excretado podem ser perdidos por volatilização, lixiviação ou percolação, contribuindo grandemente para a poluição ambiental.
Frente a essa problemática, um recente estudo publicado na principal revista direcionada ao setor leiteiro, a "Journal of Dairy Science", objetivou determinar os efeitos de diferentes níveis de proteína metabolizável na dieta de vacas leiteiras e as influencias na produção e composição do leite, bem como na excreção do nitrogênio via urina.
Os pesquisadores utilizaram 40 vacas holandesas em terço médio de lactação, pesando em média 590 kg de peso vivo e produzindo em média 30 kg de leite, para estudarem os efeitos das dietas apresentadas na tabela 1.
Tabela 1. Ingredientes e composição das dietas experimentais.
A tabela 2 apresenta o desempenho produtivo das vacas alimentadas com os diferentes níveis de proteína metabolizável na dieta.
Tabela 2. Efeito do nível de proteína metabolizável oferecido a vacas leiteiras em terço médio de lactação sobre a produção e composição de leite.
Com base nos valores apresentados na Tabela 2, observa-se que embora não tenha ocorrido modificação no consumo de matéria seca das vacas, o consumo de proteína metabolizável apresentou um aumento linear. O mesmo comportamento ocorreu para a produção de leite, aumentando à medida que se aumentou o teor de proteína metabolizável na dieta.
Por outro lado, o mesmo comportamento não foi observado quando analisamos a produção de leite corrida para gordura, onde o comportamento foi quadrático, diminuindo no maior nível de proteína metabolizável. Esse mesmo comportamento quadrático pode ser observado para a maioria dos componentes do leite, dos quais somente a lactose apresentou comportamento linear.
Então, a produção de leite aumentou com o aumento da proteína metabolizável até 9,7% da matéria seca. Outros estudos relatados na literatura demonstraram aumento de 33,9 para 36,2 kg de leite/dia com um aumento de 8,1 para 10,2% na proteína metabolizável.
Os valores apresentados na Tabela 2 permitiram uma análise de regressão polinomial entre teor de proteína metabolizável na dieta e a produção de leite corrigida para gordura, gerando a seguinte fórmula.
LCG (kg/d) = -151 MP2 + 28,8 MP - 109 (R2 = 0,985)
Sendo:
LCG - Leite corrigido para gordura (4%)
MP - proteína metabolizável (% da matéria seca da dieta)
A partir dessa equação, pode ser estimado que a proteína metabolizável ótima é de 9,54% para a produção de leite corrigida para gordura. Similarmente, se correlacionarmos em função da proteína do leite, encontraremos um valor de 9,65%, que é muito similar ao nível ótimo observado para a produção de leite corrigida para gordura.
Se confrontarmos a recomendação do nível de proteína metabolizável desse estudo com o valor preconizado pelo NRC gado de leite, um dos principais programas utilizados para formulação de dietas para vacas leiteiras, observaremos que está 11% abaixo do recomendado (9,6 vs 10,3%). Por outro lado, se nos referendarmos em outro sistema de nutrição, o AFRC, o valor do presente estudo está 9% superior aos 8,9% recomendado por este sistema.
A eficiência de utilização e a excreção do nitrogênio dietético foram afetados pelas dietas, conforme apresentado na Tabela 3. A medida que se aumentou o suprimento de proteína metabolizável de 8,2% para 10,3%, a eficiência de conversão do nitrogênio diminuiu linearmente e as concentrações de nitrogênio sérico, na urina e no leite aumentaram linearmente.
Tabela 3. Efeito do nível de proteína metabolizável na utilização do nitrogênio e concentração de N-uréico sérico, na urina e no leite.
A concentração de nitrogênio na urina pode ser calculada pela seguinte equação:
UR (g/d) = 11,42 x NUL + 41,93
Sendo:
UR = Nitrogênio uréico na urina;
NUL = Nitrogênio uréico no leite (MG/dL)
Assim, a concentração de nitrogênio uréico na urina foi de 154, 168, 190 e 260 g/d para as dietas contendo 8,2, 8,9, 9,7 e 10,3% de proteína metabolizável, respectivamente. A proporção do nitrogênio na urina em relação nitrogênio ingerido foi de 38, 38, 39 e 50%, respectivamente. Portanto, o nível ótimo de proteína metabolizável não se baseia somente na produção e composição do leite, mas também na excreção de nitrogênio, associado a questões ambientais.
Considerações finais
Pode-se constatar que a adequação do nível de proteína metabolizável é importantíssima. Caso esse teor esteja abaixo do adequado, a produção de leite vai ser aquém do potencial dos animais e estaremos deixando de ganhar dinheiro. Por outro lado, caso seja acima do necessário, as excreções serão maximizadas e a contaminação do meio ambiente é inevitável, além claro, de maior custo de produção.
A concentração de nitrogênio na forma de uréia no leite pode ser um balizador para uma avaliação do nível de proteína metabolizável na dieta e da excreção de nitrogênio pela urina.
Fonte:
Journal of Dairy Science, 90:2960-5