Não é novidade que as temperaturas anuais na Terra vêm aumentando consistentemente. De fato, dados divulgados pelo Instituto Goddard de Estudos Espaciais da NASA (GISS) mostram que o índice global de temperatura terra-oceano aumentou de forma consistente após os anos 1900 (Figura 1).
Figura 1. Índice global de temperatura terra-oceano (Instituto Goddard de Estudos Espaciais da NASA – GISS).
Independentemente dos muitos fatores que têm sido associados ao aumento da temperatura global, é evidente que a indústria leiteira é afetada por tais mudanças. Com o aumento das temperaturas globais, a ocorrência de estresse térmico (uma condição que ocorre quando o corpo é exposto a calor excessivo, levando à incapacidade de regular a temperatura corporal de forma eficaz) e seus impactos prejudiciais associados tornam-se mais prováveis de serem observados, particularmente em bovinos leiteiros.
Um estudo recente projetou os aumentos nas frequências médias de estresse térmico até 2100 e revelou que a maioria das regiões dos EUA terá pelo menos de 6 a 8 dias adicionais sob estresse térmico por década até 2100 (Gunn et al., 2019; Figura 2).
Figura 2. Aumentos decadais projetados na frequência média anual de estresse térmico entre 2000 e 2100 (Adaptado de Gunn et al., 2019).
Devido às diferenças climáticas esperadas, é importante que os participantes da indústria leiteira trabalhem juntos para:
1) Entender os mecanismos e os impactos do estresse térmico;
2) Desenvolver estratégias alternativas para mitigar os impactos prejudiciais do estresse térmico.
Com isso em mente, este artigo se concentra em revisar alguns dos principais aspectos relacionados aos impactos do estresse térmico no desenvolvimento, saúde e desempenho dos bovinos, na economia da indústria e em estratégias de mitigação.
Influência do calor na produção de leite e eficiência reprodutiva
Historicamente, o índice temperatura-umidade (THI) tem sido o mecanismo usado para determinar quando vacas leiteiras estão sob estresse térmico. Embora haja alguma variação nos pontos de corte do THI, o consenso foi estabelecido como um THI entre 68 e 70 (Zimbelman et al., 2009; Chen et al., 2024). Guinn et al. (2019) descreveram as diferenças no THI médio entre os meses de verão e inverno nos EUA nos últimos 10 anos (69,5 vs. 39,3, respectivamente), destacando que, sem nenhuma estratégia de mitigação do estresse térmico, as vacas leiteiras nos EUA poderiam estar sob condições de estresse térmico durante a maior parte dos meses de verão.
De fato, o mesmo estudo revelou diferenças no desempenho produtivo e reprodutivo entre o verão e o inverno, ilustradas pela redução na produção de leite e nas taxas de prenhez no verão em comparação com os meses de inverno. Resultados semelhantes também foram relatados por outros autores, incluindo taxas de prenhez mais baixas nos meses mais quentes em comparação com os meses mais frios do ano (Hansen, 2009). Tanto Tao et al. (2020) quanto Ouellet et al. (2020) descreveram os impactos prejudiciais do estresse térmico na produção de leite e no consumo de matéria seca (Figuras 3 e 4).
Figura 3. Correlação entre a produção de leite e o índice temperatura-umidade (THI) médio diário da semana anterior. Os círculos representam observações individuais, e a linha tracejada representa uma regressão linear simples. Todas as vacas estavam alojadas no mesmo galpão com resfriamento evaporativo e recebiam dietas semelhantes para vacas em lactação (Adaptado de Tao et al., 2020).
Figura 4. (A) Resumo da diferença (kg/dia) na produção de leite em vacas sob estresse térmico no final da gestação em comparação com vacas resfriadas (diferença média = 3,6 kg/dia; 10,3%) e (B) diferença (kg/dia) no consumo de matéria seca no pré-parto e pós-parto em vacas sob estresse térmico no final da gestação em comparação com vacas resfriadas (diferença média no pré-parto = 1,4 kg/dia; 12,7%; diferença no pós-parto = 0,1 kg/dia; 0,5%). Adaptado de Ouellet et al., 2020.
Outros estudos demonstraram os efeitos do estresse térmico (ou do contraste entre meses mais quentes e mais frios) sobre a ocorrência de doenças, descarte e bem-estar das vacas. Por exemplo, observou-se que vacas que pariram em meses mais quentes tinham maior probabilidade de apresentar retenção de membranas fetais, cetose subclínica, deslocamento de abomaso e mastite, em comparação com vacas que pariram em meses mais frios (Pinedo et al., 2020).
Impacto do estresse térmico sobre a saúde das vacas
Al-Qaisi et al. (2020) observaram uma maior contagem de células somáticas no leite de vacas expostas a condições de estresse térmico em comparação com vacas expostas a condições termoneutras, e vacas que pariram no verão tinham maior probabilidade de desenvolver metrite em comparação com vacas que pariram em meses mais frios (Molinari et al., 2022).
Além disso, Vitali et al. (2015) relataram maior mortalidade de bovinos durante períodos de ondas de calor em comparação com períodos subsequentes, e uma associação entre mortalidade e duração da onda de calor (Figura 5). Condições de estresse térmico também foram associadas a problemas de bem-estar em vacas leiteiras, pois vacas sob estresse térmico permanecem em pé por períodos mais longos (possivelmente contribuindo para problemas de claudicação) e apresentam níveis mais altos de cortisol no sangue do que vacas sob condições termoneutras (Cook et al., 2007; Allen et al., 2015; Al-Qaisi et al., 2020).
Figura 5. (A) Razão de chances (odds ratio) e intervalo de confiança de 95% (IC) calculados para a mortalidade de vacas leiteiras durante ondas de calor (HW) e nos 3 dias sem onda de calor (nHW) após o fim da onda de calor (dias 1, 2 e 3 definidos como nHWst, nHWnd e nHWrd, respectivamente).
(B) Razão de chances e IC de 95% calculados para a mortalidade de vacas leiteiras em relação à duração da exposição ao calor. A duração da exposição foi classificada como curta (1 a 3 dias de onda de calor), média (4 a 6 dias), longa (7 a 10 dias) e muito longa (>11 dias). As razões de chances são estatisticamente significativas quando o IC de 95% não inclui a unidade (linha tracejada). Adaptado de Vitali et al., 2015.
Considerando os efeitos do estresse térmico no desempenho, mortalidade e bem-estar dos bovinos, não é surpresa que ocorram perdas econômicas. Especificamente, dados publicados em 2003 estimaram que condições de estresse térmico causam até 2,3 bilhões de dólares por ano em perdas econômicas na produção pecuária. Com estratégias de mitigação do estresse térmico, as perdas econômicas caem para 1,7 bilhão de dólares por ano, e a indústria leiteira representa mais de 50% dos custos.
Um componente do estresse térmico em vacas leiteiras que tem recebido muita atenção é o estresse térmico “in utero” em bezerras leiteiras. Estudos recentes destacaram os efeitos residuais do estresse térmico no final da gestação sobre a progênie, ilustrados por menor peso ao nascimento, menor peso ao desmame e menor longevidade (Ouellet et al., 2020).
Influência do estresse térmico sobre os bezerros
Por fim, estudos combinados mostraram o efeito legado do estresse térmico sobre a progênie, já que o desempenho lactacional dessas descendentes também é diferente em comparação com descendentes geradas por vacas em condições termoneutras (Ouellet et al., 2020; Figura 6).
Figura 6. Resumo das perdas de desempenho associadas ao estresse térmico no final da gestação para a vaca (1), filhas (F1), netas (F2) e o setor leiteiro (2), conforme relatado em uma série de estudos (onde ECM = leite corrigido para energia). Extraído de Ouellet et al., 2020.
As descobertas relacionadas ao efeito legado do estresse térmico sobre a progênie adicionam outra camada de importância ao tema e sugerem que os efeitos prejudiciais e as perdas econômicas anteriormente descritas estão potencialmente subestimados.
Estudos descreveram diferenças na morfologia/função do intestino, ovários, músculos e metabolismo associadas ao estresse térmico, que podem estar ligadas à ocorrência de doenças subsequentes, ao desempenho animal, ao desempenho reprodutivo e à mortalidade (Baumgard e Rhoads Jr, 2013; Fernandez et al., 2015; Hale et al., 2017; Ross et al., 2017; Fausnacht et al., 2020; Mayorga et al., 2020; Tang et al., 2022; Roths et al., 2023).
Por fim, e certamente não menos importante — e certamente não refletindo a totalidade dos mecanismos do estresse térmico associados ao desempenho da vaca —, vacas sob condições de estresse térmico apresentam redução na ingestão de alimento (Rhoads et al., 2009) e menor adaptabilidade de substrato energético no músculo esquelético, o que pode contribuir para a redução do desempenho (Ellett et al., 2025).
Estratégias de mitigação do estresse térmico em bovinos: avanços e benefícios
O estresse térmico afeta negativamente a saúde, o bem-estar e a produtividade de bezerras, novilhas e vacas leiteiras. Considerar as variações climáticas regionais e adotar estratégias de mitigação do calor são ações essenciais na pecuária leiteira.
- A implementação de estruturas: Galpões com free stall, aspersores de água e ventiladores promoveram melhor termorregulação e maior produtividade, conforme Davidson et al. (2021). Estratégias mais intensas, como uso de ar-condicionado, reduzem ainda mais as perdas na produção de leite, segundo Gunn et al. (2019).
- Abordagens nutricionais: Além das soluções estruturais, suplementos como cromo (Soltan, 2010) e colina (Holdorf e White, 2020) são aliados na redução dos efeitos do calor, conforme diversos estudos.
- Genética e adaptação ao calor: Pesquisas da Universidade da Flórida indicam que o haplótipo SLICK confere maior tolerância térmica às vacas Holandesas em sistemas intensivos. Animais com esse haplótipo apresentam menor temperatura corporal e frequência respiratória (Dikmen et al., 2014). Dados mais recentes, de Contreras-Correa et al. (2024), mostraram que vacas SLICK em Porto Rico possuem maior irrigação sanguínea da glândula mamária, maior exposição voluntária ao sol e alterações genéticas associadas ao metabolismo do ácido araquidônico.
A combinação de estratégias estruturais, nutricionais e genéticas é fundamental para mitigar o estresse térmico em sistemas de produção de leite, promovendo saúde, bem-estar e produtividade superiores em todas as categorias animais.
As informações são do Dairy Herd Management, traduzidas pela equipe MilkPoint