O crescimento da bovinocultura de leite no Brasil, ocorre em um ambiente de alta competitividade e constante evolução tecnológica, exigindo dos produtores a implementação de práticas cada vez mais eficientes para garantir qualidade, produtividade e sustentabilidade. Neste contexto, o comportamento e o bem-estar animal emergem como componentes estratégicos fundamentais, não apenas para atender à crescente exigência dos consumidores e dos mercados internacionais, mas também como ferramentas para maximizar o desempenho produtivo dos rebanhos.
Ambos estão diretamente associados a fatores ambientais, sanitários, nutricionais e sociais. Dentre esses, a estrutura social dos bovinos e a forma como ela é conduzida nos sistemas de criação têm impacto significativo no comportamento, bem-estar e consequentemente na produtividade.
Hierarquia social em bovinos: impactos para os animais
Bovinos são espécies gregárias que, em condições naturais ou de criação, organizam-se em estruturas sociais hierarquizadas complexas. A posição de cada indivíduo dentro da hierarquia é estabelecida predominantemente através de interações, como empurrões, cabeçadas e coices, que definem relações de dominância-subordinação (Kondo & Hurnik, 1990).
As características fenotípicas — como peso corporal, idade e presença ou ausência de chifres — são amplamente reconhecidas como determinantes da posição hierárquica entre bovinos (Bouissou, 1972; Šárová et al., 2013; Deniz et al., 2021). Em termos simples, a hierarquia social representa a ordem de poder entre os indivíduos de um grupo, sendo essa posição diretamente relacionada à facilidade ou dificuldade de o a recursos essenciais para a sobrevivência, especialmente em contextos de oferta limitada ou má distribuição desses elementos (Foris et al., 2019; Bica et al., 2019; Deniz et al., 2021).
Quando há competição intensa — isto é, em ambientes que obrigam os animais a disputar recursos para garantir sua sobrevivência —, os indivíduos dominantes tendem a monopolizar o o a alimentos, água e áreas de conforto térmico. Já os subordinados enfrentam maiores restrições, o que acarreta estresse social crônico, prejudica a saúde e compromete o desempenho produtivo e reprodutivo do rebanho.
Fonte: Elaborada pela autora
A importância de minimizar os efeitos da hierarquia social entre os bovinos
Em um ambiente de produção, é responsabilidade do produtor garantir que os animais tenham fácil o a tudo o que é necessário para que possam ser produtivos. Isso inclui não apenas a quantidade, mas também a qualidade dos recursos. Mesmo que os recursos sejam oferecidos em quantidade suficiente, se a qualidade for ruim, a competição pelo o a eles ocorrerá da mesma forma, ou até se tornará limitante.
Um animal que não consegue consumir o que precisa, que não descansa adequadamente ou que vive com medo, nunca será altamente rentável. Quanto mais feliz e confortável for o animal, mais ele responderá aos investimentos feitos, resultando em maior produtividade e lucratividade. Embora o animal não possa expressar isso com palavras, ele demonstra sua felicidade ou insatisfação por meio de seu comportamento.
Nessa perspectiva, compreender os mecanismos de formação da hierarquia social em bovinos e desenvolver estratégias de manejo que minimizem seus efeitos negativos são ações fundamentais para a promoção do bem-estar animal e para manutenção da sustentabilidade na pecuária leiteira.
Analisando os pontos capazes de interferir diretamente no comportamento animal, podemos discutir sobre a configuração das instalações e as práticas de manejo das propriedades rurais, fatores que modulam diretamente a hierarquia social (Bouissou, 1980; De Vries et al., 2015).
Instalações inadequadas, caracterizadas tanto pela insuficiência ou tanto pelo mal dimensionamento de cochos, bebedouros, áreas de descanso e até sombreamento, bem como manejos que favorecem a estruturação de grupos heterogêneos, que exacerbam a competição e acentuam as desigualdades sociais no grupo. Essa intensificação que é capaz de gerar o estresse crônico, maior susceptibilidade a doenças, distúrbios reprodutivos e queda na qualidade e na quantidade de leite produzido (Fielding et al., 2024).
Como reduzir os efeitos negativos da hierarquia social
A formação de hierarquias dentro de grupos animais é um comportamento natural, especialmente em espécies que vivem agrupados. Isso não é algo que possa ser totalmente controlado, mas as estratégias de manejo podem ajudar a minimizar os impactos negativos dessas relações hierárquicas. Para atenuar esses efeitos, é possível adotar práticas simples, que não exigem necessariamente mais recursos financeiros. Um exemplo disso é a formação de lotes homogêneos, levando em consideração características como peso, raça, idade, paridade e estágio de lactação. Quando os lotes se tornam muito grandes, uma boa estratégia é subdividi-los, o que pode reduzir conflitos e melhorar o bem-estar dos animais.
Além disto, outras ações como o planejamento correto para o dimensionamento e distribuição adequada de cochos, bebedouros e áreas de descanso, ou então realizar uma programação da alimentação em horários alternados e ou múltiplas áreas, ou ainda controlar a densidade animal tanto em confinamento quanto em pastagens.
Independentemente da prática adotada, o objetivo principal é sempre reduzir a competição entre os animais e garantir um o justo aos recursos. Isso favorece a saúde, o conforto e a produtividade de todos no rebanho. Se o o a qualquer recurso for desigual, pode-se perder financeiramente de ambos os lados: quando alguns animais recebem mais do que precisam e outros não recebem o suficiente. O equilíbrio é essencial para evitar desperdícios e garantir que todos tenham o que precisam para se desenvolver adequadamente.
Entender a hierarquia é a chave do manejo
Observar o comportamento dos bovinos e compreender a dinâmica social do rebanho é fundamental para garantir o bem-estar animal, reduzir o estresse e promover ambientes mais produtivos. Vacas que vivem em ambientes que respeitam sua estrutura social têm maior o a alimento, água e conforto térmico — elementos decisivos para manter altos níveis de produção e saúde.
A adoção de manejos que respeitam a hierarquia social dos animais deve ser vista não apenas como uma exigência ética e legal, mas como uma estratégia competitiva no mercado leiteiro atual. Ela contribui para a sustentabilidade da pecuária leiteira no Brasil, fortalece o desempenho zootécnico e aumenta a longevidade produtiva do rebanho.
A conclusão é simples e prática: foque no que realmente gera resultados. Valorizar o bem-estar do gado é o caminho mais direto para alcançar uma produção de leite estável, eficiente e rentável. Afinal, quanto mais saudável e bem cuidada estiver a vaca, mais feliz será o produtor.
Fonte: Elaborada pela autora
Autores:
Aline Silva Oliveira- Engª Agrônoma. MSc. em Zootecnia e Doutoranda em Zootecnia – Universidade Federal do Paraná.
Queila Gouveia Tavares - Engª Agrônoma. MSc. em Zootecnia e Doutoranda em Zootecnia – Universidade Federal do Paraná.
Maria Isabel Bomfim - Zootecnista, Mestranda em Zootecnia –Universidade Federal do Paraná.
Maity Zopollatto - Engª Agrônoma. PhD em Zootecnia. Professora Associada no Departamento de Zootecnia da Universidade Federal do Paraná.
Referências bibliográficas
BICA, G. S., TEIXEIRA, D. L., HÖTZEL, M. J., & MACHADO FILHO, L. C. P. (2019). Social hierarchy and feed supplementation of heifers: Line or piles? Applied Animal Behaviour Science, 220, 104852. https://doi.org/10.1016/J.APPLANIM.2019.104852
BOUISSOU, M. F. Social relationships in domestic cattle under modern management techniques. Bolletino di Zoologia, v. 47, n. 3–4, p. 343–353, 1980. https ://doi. org/10.1080/11250 00800 94386 91
BOUISSOU, M.F., 1972. Influence of body weight and presence of horns on social rank in domestic cattle. Anim. Behav. 20, 474–477.
DE VRIES, M.; BOKKERS, E. A. M.; VAN REENEN, C. G.; et al. Housing and management factors associated with indicators of dairy cattle welfare. Preventive Veterinary Medicine, v. 118, n. 1, p. 80–92, 2015. Elsevier. https ://doi.org/10.1016/j.preve tmed.2014.11.016
DENIZ, M. et al. Age and body mass are more important than horns to determine the social position of dairy cows. Journal of Ethology, v. 39, n. January 2021, p. 19–27, 2021. https://doi.org/10.1007/s10164-020-00667-x.
Fielding, H. R., Silk, M. J., McKinley, T. J., Delahay, R. J., Wilson-Aggarwal, J. K., Gauvin, L., Ozella, L., Cattuto, C., & McDonald, R. A. (2024). Social interactions of dairy cows and their association with milk yield and somatic cell count. Applied Animal Behaviour Science, 279, 106385. https://doi.org/10.1016/j.applanim.2024.106385
FORIS, B. et al. Automatic detection of feeding- and drinking-related agonistic behavior and dominance in dairy cows. Journal of Dairy Science, v. 102, n. 10, p. 9176–9186, 1 out. 2019.
KONDO, S.; HURNIK, J. F. Estabilização da hierarquia social em vacas leiteiras. Applied Animal Behaviour Science, v. 27, p. 287-297, 1990. DOI: 10.1016/0168-1591(90)90125-W.
PERISSINOTTO, M.; MOURA, D. J. de; SILVA, I. J. O. da; MATARAZZO, S. V. Influência do ambiente na ingestão de água por vacas leiteiras. Revista Brasileira de Engenharia Agrícola e Ambiental, v. 9, n. 2, p. 289-294, 2005. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S1415-43662005000200022.
SÁROVÁ, R.; SPINKA, M.; STEHULOVÁ, I.; CEACERO, F.; SIMECKOVÁ, M.; KOTRBA, R. PAY respect to the elders: age, more than body mass, determines dominance in female beef cattle. Animal Behaviour, v.86, p.1315-1323, 2013. https ://doi.org/10.1016/j.anbeh av.2013.10.002