Já há algum tempo eu me deparo com questionamentos sobre a utilização do farelo de amendoim na alimentação de bovinos, e pela falta de experiência com a utilização desse subproduto, sempre acabo deixando os interlocutores sem resposta, ou com informações pela metade. Para sanar essa falha, saí a campo garimpando informações, pois os trabalhos sobre utilização desse subproduto em rações de bovinos leiteiros são praticamente inexistentes.
O farelo de amendoim tem valor nutricional superior ao do farelo de algodão e características bastante semelhantes às do farelo de soja (tabela 1), mas sua fração protéica possui degradabilidade ruminal bem mais elevada que a do farelo de soja.
1 = Laboratório de Bromatologia - ESALQ/USP (média de 3 análises)
2 = Góes et al. (2004)
3 = Valores da tabela do NRC(2001)
4 = Calculado segundo a metodologia do NRC (2001); taxa de agem fixada em 5,7%/h.
5 = No Brasil, o farelo de algodão mais comumente utilizado na alimentação de bovinos tem 38% de PB.
Essa maior degradabilidade ruminal do farelo de amendoim impõe aos nutricionistas duas dificuldades. Em primeiro lugar, limita a utilização de uréia em rações com esse subproduto, já que boa parte da PDR (proteína degradável no rúmen) do farelo de amendoim é composta por NNP (nitrogênio não protéico). Fazendo uma simulação no NRC (2001), ao formular uma ração para uma vaca produzindo 20 kg leite/dia, consumindo 9 kg MS de cana, 1,4 kg MS de farelo de algodão, 2 kg MS de farelo de soja, 1,8 kg MS milho, 1,5 kg MS polpa cítrica, 100 g de uréia e 340 g de minerais, conseguimos atender corretamente a suas necessidades de PDR (sobra de 24 g/d). No entanto, se tentarmos substituir o farelo de soja pelo farelo de amendoim, haverá sobra de 240 g PDR/dia (10 vezes mais), o que só conseguimos acertar reduzindo a uréia para 20 g/dia.
A outra dificuldade se refere ao balanceamento de PM (proteína metabolizável). Na mesma simulação, com a dieta com farelo de soja, conseguimos fechar o balanço de PM em 30 g/dia, mas ao fazer a substituição pelo farelo de amendoim, haverá déficit de 245 g PM/dia, e isso é bem mais complicado de acertar. Para manter os 2 kg MS de farelo de amendoim, é preciso retirar toda a uréia, reduzir o milho e aumentar o farelo de algodão, e ainda assim haverá sobra de PDR (167 g/dia), que não é muito, mas pode ser suficiente para elevar os níveis de uréia no leite acima do desejado.
Dessa forma, entendo que a utilização desse subproduto pode ser interessante para vacas com produção de até 20 kg leite/dia, onde o nível de inclusão não será muito alto. Pela falta de informações disponíveis é difícil fazer recomendações práticas, mas acredito que 2 kg/vaca/dia seja um limite para a utilização do farelo de amendoim, pensando num balanceamento correto de PDR e PM. Acima disso pode ficar complicado, e praticamente inviabiliza a utilização de uréia.
Outra questão importantíssima é a possibilidade de contaminação do amendoim com micotoxinas, especialmente as aflatoxinas, que podem contaminar o farelo. A ingestão de aflatoxinas pode até levar o animal à morte, e no mínimo causa redução de consumo e desempenho, dependendo da dose e da freqüência de ingestão, além da idade, peso vivo, sexo e estado nutricional do animal.
O efeito agudo da intoxicação por aflatoxinas é de manifestação rápida, podendo levar o animal à morte, e é resultante da ingestão de doses elevadas. O efeito subagudo é resultado da ingestão de doses mais baixas, ocorrendo distúrbios e alterações em diversos órgãos, especialmente no fígado. Ambos os casos dependem da espécie animal (umas são mais susceptíveis que outras), da idade (os mais jovens são mais afetados), do estado nutricional e, também, do sexo. Sabe-se, também, que ela pode provocar cirrose, necrose do fígado, proliferação dos canais biliares, síndrome de Reye (encefalopatia com degeneração gordurosa do cérebro), hemorragias nos rins e lesões sérias na pele, pelo contato direto. Além disso, os produtos do seu metabolismo no organismo (principalmente o 2,3 epóxi-aflatoxina), reagem com DNA e RNA a nível celular, interferindo com o sistema imunológico do animal. Isto faz com que a resistência a doenças diminua.
O Ministério da Agricultura estabelece que o teor máximo de aflatoxinas em matérias primas destinadas à fabricação de rações para animais é de 50 ppb (partes por bilhão, ou mg/1000 kg). De qualquer forma a tolerância máxima para presença de aflatoxinas em rações para diferentes categorias animais é:
- Vacas em lactação: < 20 ppb;
- Vacas secas: < 30 ppb;
- Animais jovens e/ou sob stress: < 20 ppb.
No caso de bovinos, a dose letal (DL 50) é de 10 ppm (partes por milhão, ou mg/kg). Ao adquirir uma partida de farelo de amendoim, esta deverá ser analisada antes da utilização, em laboratório especializado em análise de micotoxinas. Dessa forma percebe-se que a utilização desse subproduto deve ser cuidadosa e criteriosa. Quando seu preço for competitivo, pode ser uma alternativa interessante para compor rações de vacas leiteiras, desde que sejam respeitadas as restrições nutricionais e sanitárias.
Literatura consultada:
FONSECA, H. "O Amendoim e a Aflatoxina". Boletim Técnico n° 13. In: http://www.micotoxinmilkpoint-br.informativomineiro.com.br/Boletim13.htm ado em 23/09/2005.
GOES, R. H. T. B; MANCIO, A. B.; VALADARES FILHO, S. C.; LANA, R. P. "Degradação ruminal da matéria seca e proteína bruta de alimentos concentrados utilizados como suplementos para novilhos." In: http://www.editora.ufla.br/revista/28_1/art22.htm ado em 23/09/2005.
NATIONAL RESEARCH COUNCIL.. Nutrient Requirements of Dairy Cattle. Washington, D.C.: National Academy Press, 2001, 381p.