O problema dos contratos e da fidelização entre produtores de leite e indústrias de laticínios é um tema recorrente no Brasil. Aqui mesmo no MilkPoint, diversos artigos já foram escritos, o que demostra que os agentes do mercado estão sempre preocupados com esse tema.
Apesar deste amplo debate, a fidelização ainda é muito pouco estudada e a falta de entendimento de suas causas está na raiz de vários problemas da cadeia produtiva.
Neste artigo, trazemos alguns elementos para essa discussão baseados em uma pesquisa científica que publiquei recentemente com alguns colegas.
O objetivo da pesquisa foi explorar algumas variáveis importantes que estão associadas à fidelidade dos produtores de leite aos laticínios. É importante destacar que esse é um estudo exploratório, ou seja, que não pretende esgotar a discussão muito menos contemplar todas as dimensões desse problema tão complexo. Por outro lado, os resultados nos ajudam a mover a discussão para um outro patamar.
O estudo foi realizado em 16 municípios na Zona da Mata de Minas Gerais e contou com uma amostra de 32 produtores, todos eles participantes do Programa de Capacitação Técnica Aplicada a Pecuária Leiteira (PDPL) da Universidade Federal de Viçosa (UFV). Apesar das características da amostra, e do seu pequeno número, o procedimento estatístico permitiu ter uma boa robustez nos resultados.
Dentre os principais resultados encontrados, destaca-se que o preço atual recebido pelo leite é uma variável que não afeta a fidelização. Trabalhos anteriores de outros autores encontraram o mesmo resultado, ou seja, não é o preço atual recebido pelo leite que fideliza, mas sim o nível de satisfação com o preço recebido (Boniface et al., 2012; Matzler et al., 2006).
Esse nível de satisfação com o preço é um outro tema bastante interessante que ainda precisa de maior investigação e que daria outro artigo para discutirmos aqui.
O pagamento por volume é uma variável que também não aumenta a fidelização dos produtores. Esse resultado ocorreu, provavelmente, porque a grande maioria dos laticínios já faz esse tipo de pagamento, não sendo, portanto, um diferencial para o produtor decidir manter-se fidelizado ou não.
Por outro lado, o pagamento por qualidade aumenta a chance de fidelização dos produtores. Esse resultado também foi encontrado em outros trabalhos aqui no Brasil (PricewaterhouseCoopers, 2011).
Ainda sobre as políticas de preço, os resultados indicam que atrasos no pagamento e erros na nota do leite são variáveis importantes que diminuem a chance de fidelização dos produtores. Neste aspecto, os outros trabalhos destacam que o bom relacionamento e um canal de comunicação eficiente entre produtores e laticínios podem diminuir a insatisfação dos produtores e aumentar assim a confiança e a fidelização (Deliberal et al., 2013; Susanty et al., 2017).
O nosso estudo apontou que quanto mais experiente o produtor (anos na pecuária leiteira), maior é a chance de ser fidelizado, no entanto, esse resultado não é um consenso quando comparamos com trabalhos semelhantes realizados fora do país (Falkowski, 2012).
As medidas de escala de produção e de eficiência tais como o número de vacas, volume diário de produção ou a produtividade das vacas, não foram importantes para explicar a chance de um produtor ser fidelizado a um laticínio, assim como encontrado em outras publicações.
No entanto, produtores que atuam cooperativamente, como por exemplo na compra conjunta de insumo, são aqueles que têm maiores chances de serem produtores fiéis a um laticínio.
Encontramos vários trabalhos com a mesma evidência, ou seja, que as ações de cooperativismo e associativismo são bons indicadores de uma cultura de relações comerciais mais duradouras entre produtores e laticínios (Breitenbach et al., 2017; Maraschin, 2004).
Todos os produtores participantes nesse estudo faziam parte do programa de assistência técnica gratuita oferecido pela Universidade (UFV) e provavelmente esse fato fez com que a oferta de um programa de assistência técnica pelos laticínios não tivesse importância significativa para fidelizar os produtores.
Entretanto, é evidente na literatura e na nossa experiência prática que, quando o laticínio oferece assistência técnica, bem como treinamentos e até mesmo financiamentos, isso pode aumentar a fidelização dos seus fornecedores de leite (Breda and Santos, 2001).
Um resumo esquemático das dos fatores avaliados e das conclusões quanto a influência na fidelização dos produtores pode ser observada no quadro 1, abaixo:
* A literatura indica que a assistência técnica fornecida pelo laticínio tem capacidade de aumentar as chances de o produtor ficar fidelizado, no entanto, devido as características da nossa amostra esse resultado não foi significativo.
Bom, como eu disse no começo, esse é um trabalho exploratório e certamente tem suas limitações. No entanto, a nossa intenção é continuar e trazer mais informações para essa cadeia produtiva tão importante no Brasil. Por fim, gostaria de agradecer toda equipe de técnicos e estagiários do PDPL da UFV por nos ajudar na coleta e validação dos dados.
Autor
Prof. Dr. Andre Rozemberg P. Simões
Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul – UEMS
Unidade Universitária de Aquidauana
andrerpsimoes@hotmail.com
Seguem abaixo algumas referências nacionais e internacionais que usei nesse artigo e no texto original.
Boniface, B., 2012. Producer relationships segmentation in Malaysia’ s milk supply chains. Br. Food J. 114, 1501–1516. https://doi.org/10.1108/00070701211263046
Boniface, B., Gyau, A., Stringer, R., 2012. Linking price satisfaction and business performance in Malaysia’s dairy industry. Asia Pacific J. Mark. Logist. 24, 288–304. https://doi.org/10.1108/13555851211218066
Boniface, B., Gyau, A., Stringer, R., Umberger, W.J., 2010. Building producer loyalty in Malaysia’s fresh milk supply chain. Australas. Agribus. Rev. 18, 66–84. https://doi.org/10.22004/ag.econ.114423
Breda, N.L., Santos, A.C., 2001. Coordenação da cadeia produtiva do leite no oeste catarinense: uma análise da interface agricultor - indústria, in: III Congresso Internacional de Economia e Gestão de Negócios Agroalimentares. Ribeirão Preto, SP, p. 14.
Breitenbach, R., Brandão, J., Zorzan, M., 2017. Vantagens e oportunismo no relacionamento entre associados e cooperativa de laticínios. Interações Campo Gd. 18, 45–58. https://doi.org/10.20435/inter.v18i2.1393
Deliberal, J.P., Tomielo, T., Malafaia, G.C., 2013. Relacionamento na Cadeia Produtiva do Leite sob a Ótica dos Laticínios. XIII Most. Iniciação Científica, Pós-Graduação, Pesqui. e Extensão UCS.
Falkowski, J., 2012. Vertical coordination, access to capital, and producer loyalty in the Polish dairy sector. Agric. Econ. 43, 155–164. https://doi.org/10.1111/j.1574-0862.2011.00573.x
Maraschin, Â. de F., 2004. As relações entre produtores de leite e cooperativas?: um estudo de caso na bacia leiteira de Santa Rosa-RS. Fac. Ciências Econômicas. Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Rio Grande do Sul.
Matzler, K., Würtele, A., Renzl, B., 2006. Dimensions of price satisfaction: a study in the retail banking industry. Int. J. Bank Mark. 24, 216–231. https://doi.org/10.1108/02652320610671324
PricewaterhouseCoopers, 2011. Fatores críticos de sucesso na cadeia láctea [WWW Document]. URL http://www.pwc.com.br/pt/publicacoes/setores-atividade/agribusiness/pesquisa-milkpoint-pwc.jhtml
Susanty, A., Bakhtiar, A., Muti, M., 2017. Empirical model of trust, loyalty, and business performance of the dairy milk supply chain: a comparative study. Br. Food J. 19, 2765–2787. https://doi.org/10.1108/BFJ-10-2016-0462