Qualquer atividade necessita ser conduzida com um mínimo de gestão e controle, principalmente uma atividade complexa como a produção de leite. Nas fazendas onde não existe nenhum tipo de escrituração ou anotação dos eventos zootécnicos e econômicos ocorridos, o gerenciamento adequado da atividade se torna impossível e, assim, o produtor não consegue visualizar sua real situação nem perceber para onde está caminhando, e o mesmo ocorre com o técnico que, sem parâmetros para trabalhar, acaba atuando às cegas. Infelizmente, essa é a realidade da maior parte das fazendas leiteiras no Brasil, onde nada é anotado ou controlado. Porém, é possível um grande avanço gerencial da fazenda apenas com algumas anotações básicas de determinados eventos ocorridos, sendo alguns deles:
Zootécnicos – informações sobre partos (identificação da vaca, data e sexo da cria), informações sobre coberturas (identificação da vaca, data, se monta natural ou inseminação artificial, identificação do touro) e pesagem mensal da produção individual de cada animal;
Econômicos – anotações de todas as despesas e receitas relacionadas à atividade leiteira ocorridas no decorrer do mês.
Mensalmente, se possível com a ajuda de um técnico, essas informações deverão ser adicionadas a uma planilha de avaliação econômica e zootécnica (existem várias planilhas disponíveis). A avaliação dos resultados obtidos por meio da análise das informações ganham consistência quando o período de coleta de dados é superior a um ano, sendo que quanto maior o tempo das anotações mais representativos serão os resultados obtidos.
Definida essa base de dados, são obtidos, por meio da avaliação dos resultados da planilha, índices e indicadores relativos à atividade leiteira na fazenda naquele período. Apesar de haver uma diferença conceitual entre índices e indicadores, desconsideramos tal precisão neste texto, e os resultados zootécnicos e econômicos obtidos consideraremos todos como índices. Tais índices são responsáveis por transformar em números aquilo que, normalmente, não se vê de maneira direta, como um termômetro, por exemplo, que transforma o calor ou o frio que sentimos em um valor. Uma vez gerados, esses índices nos mostrarão onde estaremos e em que direção deveremos seguir; no caso do exemplo dado, decidiremos entre vestir uma camiseta regata ou uma blusa de lã. Alguns índices refletem, facilmente, a situação momentânea da atividade. Assim, quando analisados com algum conhecimento técnico, podem nos apresentar de imediato a situação de eficiência zootécnica ou econômica em que se encontra determinado sistema de produção.
Além da obtenção e avaliação de índices na propriedade, é necessário também o estabelecimento de metas a serem atingidas para cada item individualmente. Tais metas deverão ser evolutivas, ou seja, deverão ser obtidas o a o e de maneira crescente e planejada, respeitando a integridade econômica da fazenda.
Para ilustrar o que foi dito até agora, vamos analisar o caso do Sítio Erveira, propriedade situada no município de Nova Laranjeiras, Paraná, onde residem e conduzem a atividade Martinho Marcon (pai), Marinês (esposa), Lalaine (filha, 17 anos) e Paulo César (filho, 8 anos). Com acompanhamento técnico da Cooperideal, desde 2006, os principais índices desta propriedade podem ser observados abaixo:
Índices zootécnicos do Sítio Erveira (2006 – 2012/13)
O trabalho de intensificação na produção de forragem, aliado à organização do sistema produtivo e estruturação do rebanho, permitiu que a área utilizada para a produção de leite fosse reduzida, de 17,8 hectares, em 2006, para 10,4 hectares, atualmente. Com isso, 7,4 hectares foram disponibilizados para a área de reserva ambiental da propriedade (3,0 hectares ou 18% da área total) e para arrendamento para plantio de soja (4,4 hectares ou 25% da área). Mesmo com a redução da área disponível para a atividade, a produção diária, que em 2006 foi de, em média, 128 litros/dia, saltou para, em média, 482 litros/dia, no período 2012/13. Assim, a produtividade da terra que, inicialmente, era de 2.624 litros por hectare/ano, subiu para 16.935 litros/ha/ano.
Analisaremos agora o comportamento de alguns índices importantes na evolução zootécnica e econômica do Sítio Erveira:
- % de vacas no rebanho: o trabalho de estruturação do rebanho na propriedade procurou ajustar a proporção das categorias animais, de maneira que se pudesse priorizar a geração de renda na fazenda. Era necessário que a propriedade tivesse vacas em lactação o suficiente para que a renda gerada pudesse pagar as despesas da propriedade, garantir sobra de renda ao produtor e ainda disponibilizar recursos para a recria e futura reposição ou aumento do rebanho. Nesse caso, a % de vacas no rebanho, que em 2006 era de apenas 42,6 %, foi elevada para 67,0%, no último período, possibilitando que do total de 49 cabeças (vacas + novilhas + bezerras) a fazenda mantivesse, em média, 32,7 vacas no rebanho, das quais 29,3 permaneceram constantemente em produção nos últimos doze meses analisados (89,5 % de vacas em lactação sobre o total de vacas). Caso essa estratégia não tivesse sido adotada e a fazenda permanecesse apenas com 42,6% de vacas no rebanho, o número de vacas em lactação no último período (2012/13) não aria de 19 (42,6% de vacas no rebanho x 49 cabeças x 89,5% de vacas em lactação), e a produção média diária da fazenda estaria em apenas 315 litros/dia (167 litros a menos que a produção média do último período - redução de 35%) e com custos maiores devido ao maior número de bezerras e novilhas em crescimento na ausência do processo de estruturação. Em tal situação, a renda da fazenda no período 2012/13 seria reduzida em R$ 53.030,00 (167 litros x 365 dias x R$ 0,87/litro).Um rebanho pode ser considerado bem estruturado quando possuir entre 60 e 70% de vacas, sendo que dessas, 80 a 85% deverão estar em produção no decorrer do ano. O restante do rebanho (de 30 a 40%) deverá ser composto por bezerras e novilhas. Uma maior participação de bezerras e novilhas na estrutura aumenta o ritmo de crescimento do rebanho, porém reduz o potencial de geração de renda da propriedade em função da menor participação de vacas no processo produtivo, além de aumentar os custos do sistema pela maior participação de animais em crescimento, que promovem despesas e não geram renda imediata. O produtor não tem, necessariamente, que manter um rebanho estruturado na fazenda, principalmente em períodos nos quais se busca a expansão, mas ele tem que estar ciente das implicações econômicas que tal estratégia traz sobre a atividade.
- VL/ha (vacas em lactação por hectare): a estruturação do rebanho (maior participação de vacas em relação às demais categorias do rebanho), a melhoria na reprodução e qualidade produtiva dos animais (fatores que atuam no aumento da % de vacas em lactação na fazenda), e a maior eficiência no uso da terra (aumento da capacidade de e na propriedade pela maior produção de forragem), permitiram que a fazenda saísse de 0,56 vacas em lactação por hectare, em 2006 (10,5 vacas ÷ 17,8 hectares), para 2,81 vacas por hectare, atualmente (29,3 vacas em lactação ÷ 10,4 hectares). Se considerarmos a diferença de 2,25 vacas entre um período e outro, é possível conhecermos o impacto que esta estratégia teve sobre a geração de renda na fazenda. Com 2,25 vacas a mais por hectare, a renda acrescida no último período de 12 meses no Sítio Erveira foi de R$ 123.349,12 (2,25 vacas/ha x 10,4 ha x 16,6 litros/vaca x R$ 0,87 [preço médio do leite no período na propriedade] x 365 dias), demonstrando o impacto causado por este índice na geração de renda da propriedade. É possível se pensar em 4 vacas em lactação por hectare em sistemas intensificados, desde que se trabalhe com bons índices reprodutivos e rebanhos bem estruturados.
Evolução do Índice “Vacas em Lactação por ha” no Sítio Erveira (2006 – 2012/13)
Índices econômicos do Sítio Erveira, (2006 – 2012/13)
A melhoria dos índices zootécnicos, quando obtida de maneira planejada e coerente, normalmente, se traduz em bons resultados econômicos. Os índices analisados anteriormente atuam na estrutura produtiva da fazenda, possibilitando maior capacidade de e e o aumento da participação efetiva de animais produtivos no sistema. Animais em produção é que garantem a sustentabilidade econômica do sistema produtivo, permitindo ao produtor pagar as despesas operacionais da propriedade, fazer os investimentos necessários, gerar sobra suficiente para pagar depreciações, remunerar o capital investido e obter lucro.
Tal situação pode ser observada quando analisamos a situação econômica do Sítio Erveira. Quando avaliamos o balanço entre receitas e despesas no ano de 2006, concluímos que a propriedade não produzia sobra financeira suficiente que atendesse às necessidades da atividade e muito menos do produtor. A sobra anual era de R$ 4.904,00, cerca de R$ 400,00/mês, valor pouco maior que os R$ 350,00 do salário mínimo vigente na época. Em 2006, a fazenda gastava R$ 0,433 como custo operacional efetivo para a produção de um litro de leite, o que garantia uma margem de menos de cinco centavos por litro frente ao preço médio de venda de R$ 0,476. Somava-se a isso a baixa produção média diária de apenas 128 litros. Certamente, um cenário de desalento para quem estava à frente do negócio.
As mudanças técnicas e organizacionais implementadas visavam, acima de tudo, à melhoria na geração de renda na propriedade. E assim foi feito. Com aumento na capacidade de e (maior produção de forragem) e maior participação de vacas em lactação no sistema, a renda cresceu. De R$ 21.421,45, em 2006, para R$ 171.149,24, no período 2012/13. Apesar do aumento nas despesas operacionais anuais, em 5,8 vezes, saindo de R$ 15.546,81 para R$ 86.909,40, o resultado final foi muito bom, pois a renda subiu mais, 8 vezes. Diante deste quadro, o produtor ou a reinvestir recursos na propriedade, de R$ 970,00 em 2006 para R$ 25.126,30 (quase 26 vezes mais), em 2012/13. Reinvestindo na atividade 15% de sua receita total, o produtor demonstra o alto nível de confiança que ou a ter na atividade. Alguns índices merecem ser avaliados individualmente neste caso:
- Fluxo de Caixa Anual: O fluxo de caixa se refere à diferença entre a receita total da fazenda com a atividade leiteira e o total de desembolsos, sejam eles para pagamento de despesas operacionais e/ou investimentos. O fluxo de caixa, também chamado de sobra, indica o que efetivamente sobrou no bolso do produtor. No caso analisado, o fluxo de caixa anual em 2012/13 foi de R$ 59.113,54. Propriedades que dependem exclusivamente da atividade leiteira devem trabalhar sempre com fluxo de caixa positivo, sob pena do produtor não obter recursos suficientes para a manutenção de suas despesas pessoais.
- % da renda para o pagamento de despesas operacionais: Este índice define quanto da renda da propriedade está sendo utilizada para o pagamento das despesas operacionais da atividade (custeio). Este índice é obtido dividindo-se o valor das despesas operacionais pela renda total da atividade, multiplicado por 100. Os gastos com despesas de custeio, quando superiores a 70% da receita obtida, indica uma situação de risco da atividade. Oscilações de preços de leite ou de insumos podem colocar a atividade em dificuldade nessa situação. No período 2012/13, o Sítio Erveira gastou em média 51% de sua renda total com pagamento de despesas de custeio, revertendo a situação do período inicial (2006), quando 72,5% da renda era comprometida com o pagamento de custeio.
- R$ Investidos/litro de leite produzido: Este índice é simples de ser calculado e nos permite, de imediato, avaliar se a estrutura de investimentos realizada na propriedade é condizente com sua produção. É comum no Brasil fazendas com investimentos altíssimos, que não condizem com sua realidade produtiva. Este indicador é calculado dividindo-se o valor do patrimônio existente (investimento em terra, animais, máquinas e equipamentos e instalações) pela produção diária. Valores obtidos, quando acima de R$ 1.500, indicam prazo longo para o retorno do capital investido, necessitando que o produtor atue de forma a reduzir o valor investido, o que pode ser feito pela diminuição da área utilizada na atividade por meio da intensificação, por exemplo, e/ou aumentando a produção da fazenda de forma a diluir os custos de investimento. No caso do Sítio Erveira, em 2006, o investimento por litro de leite produzido foi R$ 1.699, muito parecido com o valor obtido no último período, R$ 1.654. Cabe ressaltar, neste caso, a grande valorização da terra, componente mais significativo do investimento realizado na atividade (81%, em 2006, e 58%, em 2012/13), que não permitiu a redução do índice em relação aos valores iniciais, pois a cada ganho de eficiência produtiva, o capital investido crescia em função da valorização terra. No período de avaliação da propriedade, a terra saiu de R$ 10.000/ha, em 2006, para R$ 45.000,00, no período 2012/13, o que representa uma valorização de 450%, em menos de 7 anos. O patrimônio, como um todo, sofreu uma valorização de 365% e, nesse caso, houve também a contribuição pela valorização do rebanho, com melhores animais, os ganhos de fertilidade de solo e estabelecimento de pastagens, novas máquinas e instalações. Ainda assim, com um aumento tão significativo do patrimônio, a atividade propiciou um lucro de 2% sobre o patrimônio atual da fazenda. Ou seja, no período, foram obtidos ganhos reais e ganhos de valorização do patrimônio. Em regiões onde não ocorre uma valorização tão grande do patrimônio, em especial da terra, e se aplicam conceitos de intensificação e estruturação do sistema produtivo, os valores investidos por litro de leite produzido tendem a se estabilizar entre R$ 500,00 e R$ 700,00.
Mais importante que produzir é produzir com organização, controle e conhecimento do que está sendo feito. É possível avançarmos muito na produção de leite e geração de renda nas fazendas com a aplicação de medidas simples, técnicas produtivas e gerenciais que existem há muitos anos, mas que não são aplicadas na maior parte das propriedades leiteiras do Brasil. No Estado do Paraná, onde essa propriedade está localizada, a produção média por fazenda leiteira está ao redor de 90 litros/dia, mesmo tendo-se, em média, 33,4 hectares disponíveis para a produção. A aplicação de conceitos técnicos e de controle permitiriam, como se viu no caso analisado, a expansão da produção para patamares bem mais elevados sem muito esforço e sem nenhuma invenção tecnológica, bastando apenas a aplicação de conceitos básicos no sistema produtivo.