Em março de 2024, o vírus da Influenza Aviária de Alta Patogenicidade (HPAI) H5N1 foi identificado pela primeira vez em vacas leiteiras nos Estados Unidos. Até agora, a única cepa conhecida de gripe aviária que infecta bovinos faz parte do mesmo grupo que causou o maior surto de gripe aviária na história do país, iniciado em 2022. Esse surto afetou aves silvestres e rebanhos comerciais, além de ter causado infecções em mamíferos selvagens e domésticos. Mais recentemente, uma nova variante chamada D1.1 foi encontrada em rebanhos de Nevada e Arizona, sendo também a principal em aves silvestres e mamíferos durante o outono e inverno de 2024 na América do Norte.
A transmissão do H5N1 ocorre principalmente por surtos em aves silvestres e domésticas. Mamíferos podem ser infectados ao comerem animais contaminados ou entrarem em contato com ambientes infectados.
Esta cepa no entanto, se espalhou rapidamente, tanto pela migração das aves quanto pela adaptação a novos hospedeiros. Desde 2020, ele se espalhou por diversos continentes por meio das rotas migratórias e do comércio global. Entre março de 2024 e abril de 2025, mais de 1.009 casos em bovinos foram confirmados em 17 estados dos EUA. Só no último mês, 20 novos casos foram registrados na Califórnia, Idaho e Nevada. Apesar de a transmissão entre mamíferos ser rara, os casos mais recentes estão gerando preocupação entre especialistas e autoridades sanitárias.
Figura 1. Total de casos confirmados em bovinos por estado americano: 1.009 casos confirmados em 17 estados.
Fonte: Aphis (UDSA).
Figura 2. Novos casos confirmados em bovinos nos últimos 30 dias nos estados da Califórnia, Idaho e Nevada.
Fonte: Aphis (UDSA).
Investigação e Expansão da Infecção
O Departamento de Agricultura dos EUA (USDA), a istração de Alimentos e Medicamentos dos EUA (FDA) e os Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC), em parceria com órgãos estaduais, seguem investigando o surto de H5N1 que afeta aves, bovinos leiteiros e humanos em vários estados americanos.
Dados epidemiológicos e genômicos revelaram transmissão eficiente de vaca para vaca. A ampla disseminação geográfica do vírus aumenta a exposição humana, principalmente de pessoas que trabalham diretamente com animais infectados. Apesar disso, o CDC afirma que o risco para a população em geral continua baixo.
Em abril de 2024, o CDC confirmou a infecção de uma pessoa exposta a vacas leiteiras no Texas. No mês seguinte, novos casos foram relatados. Até março de 2025, a infecção foi confirmada em 70 pessoas nos EUA, sendo a maioria trabalhadores expostos a animais doentes. Os sintomas relatados variam desde conjuntivite até sinais gripais, embora a maioria tenha apresentado quadros leves. Essas pessoas foram infectadas principalmente pela exposição a vacas ou aves infectadas. Por esta razão, o CDC monitora pessoas expostas a animais infectados e reforça a recomendação do uso de equipamentos de proteção individual. Contudo, ainda não se tem evidências sobre a transmissão de pessoa para pessoa.
Sinais Clínicos e Impactos na Produção
Os principais sinais clínicos da infecção em bovinos incluem:
- Queda no consumo e na produção de leite (20% a 100% em animais afetados),
- Produção de leite anormal,
- Diminuição da ruminação,
- Aumento na frequência respiratória,
- Respiração dificultada,
- Desidratação e consistência fecal alterada (fezes secas ou diarreia),
- Secreção nasal clara e involução de pelo menos um quarto da glândula mamária,
- Depressão e/ou apatia,
- Leite com cor e aparência amareladas semelhantes a colostro, ou coloração variando de amarelado a rosa/marrom e em alguns casos coalhado (Caserta et al., 2024).
Figura 3. Apresentação clínica da infecção por HPAI H5N1 em gado leiteiro.
Fonte: Caserta et al. (2024).
A proporção de animais clinicamente afetados pode variar entre 3% e 20%. O período de incubação da doença pode chegar a 14 dias, durante os quais o animal pode estar infectado (positivo para o vírus), mas ainda sem apresentar sinais clínicos evidentes.
No entanto, a literatura aponta que, na maioria dos casos, os sintomas clínicos se manifestam entre 4 e 6 dias após a infecção, podendo permanecer de 7 a 14 dias (Hu et al., 2024). Por volta do décimo dia, os sinais tendem a regredir, embora a produção de leite permaneça reduzida por, no mínimo, quatro semanas. As vacas mais severamente afetadas geralmente são animais mais velhos, em meados ou no final da lactação.
Resultados de testes moleculares em tecidos coletados de vacas afetadas revelaram a presença viral nos pulmões, intestino delgado, linfonodos supramamários e glândulas mamárias. As maiores cargas de RNA viral foram detectadas nas glândulas mamárias, indicam que o vírus tem preferência pelo úbere das vacas, colaborando para as altas cargas virais detectadas no leite.
Embora menos de 10% do rebanho de uma fazenda apresente sintomas, a infecção impacta significativamente a produção leiteira. Diferente das aves, que apresentam alta mortalidade por HPAI, bovinos geralmente se recuperam. A taxa de mortalidade e descarte é baixa, cerca de 2%, mas a queda prolongada na produção leiteira causa impacto financeiro significativo aos produtores.
Amostras de leite coletadas de vacas infectadas demonstraram lesão significativa nos tecidos, como mastite necrosante e supurativa. A detecção desse vírus no leite bovino levanta uma preocupação à saúde pública relacionada ao risco a trabalhadores em contato próximo com gado, transmissão zoonótica através de leite não pasteurizado e subsequente transmissão de humano para humano. Isso ressalta a necessidade de conscientização pública, pasteurização do leite para manter a segurança de alimentos adequada, e gerenciamento de surtos para garantir o gerenciamento da saúde humana.
Disseminação e Medidas de Controle
A transmissão entre bovinos tem sido confirmada, e a movimentação de animais é um fator de risco reconhecido. Evidências sugerem que o vírus pode se espalhar de rebanhos leiteiros para aves em instalações próximas, principalmente por meio de trabalhadores, veículos e equipamentos compartilhados.
Para conter a disseminação do H5N1, foi implementada uma série de medidas:
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Biossegurança Rigorosa: Recomenda-se que fazendas apliquem protocolos de biossegurança, mesmo que não tenham casos confirmados em sua região.
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Monitoramento e Testagem: Desde abril de 2024, uma ordem federal exige testes de gado leiteiro em lactação. Em dezembro do mesmo ano, uma segunda ordem determinou a coleta e testagem de amostras de leite cru de silos em todo o país.
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Monitoramento da Movimentação Animal: Os estados impam restrições à movimentação de gado leiteiro entre fazendas para evitar a propagação do vírus.
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Pesquisa e Desenvolvimento de Vacinas: O USDA investe ativamente no desenvolvimento de vacinas contra o H5N1. Atualmente, vacinas para aves estão disponíveis, e testes para vacinas bovinas estão em andamento.
Segurança Alimentar
Apesar da detecção do vírus H5N1 em amostras de leite cru, as autoridades de saúde dos Estados Unidos asseguram que o fornecimento de laticínios pasteurizados disponíveis comercialmente permanece seguro para o consumo.
O leite proveniente de vacas afetadas é devidamente descartado e não entra na cadeia alimentar humana. Além disso, a pasteurização continua sendo um método comprovadamente eficaz para a inativação do vírus, o que reforça a segurança dos produtos lácteos processados. Em contrapartida, o consumo de leite cru representa um risco significativo à saúde pública.
Como medida preventiva, estados como a Califórnia — o maior produtor de leite do país — proibiram a comercialização de leite cru proveniente de rebanhos infectados e intensificaram as inspeções em produtos lácteos.
A Food and Drug istration (FDA) segue atuando em conjunto com agências federais e estaduais no enfrentamento do surto atual de HPAI A (H5N1) em bovinos leiteiros. Até o momento, a agência coletou 464 amostras de produtos lácteos pasteurizados, incluindo leite, queijo, manteiga e sorvete, todas testando negativo para a presença viável do vírus H5N1. Esses resultados, somados a evidências científicas já consolidadas, reafirmam a eficácia do processo de pasteurização na eliminação do vírus.
Paralelamente, a FDA e a Universidade de Cornell conduzem estudos para avaliar se o envelhecimento por 60 dias de queijos elaborados a partir de leite cru — uma exigência regulatória para comercialização interestadual — é capaz de reduzir ou eliminar a presença do H5N1. Os resultados preliminares indicam que esse processo não é eficaz para a eliminação do vírus, o que reforça ainda mais a importância da pasteurização na garantia da segurança dos produtos lácteos. Apesar disso, até o momento, a FDA não tem conhecimento de casos de infecção por H5N1 associados ao consumo de queijos envelhecidos produzidos com leite cru.
Situação Atual e Perspectivas Futuras
Em 17 de janeiro de 2025, a FDA dos Estados Unidos determinou que fabricantes de alimentos para cães e gatos, enquadrados na regra Preventive Controls for Animal Food (PCAF), devem reavaliar seus planos de segurança alimentar. A exigência é voltada especialmente a empresas que utilizam ingredientes crus ou não pasteurizados de origem avícola ou bovina — como carne crua, leite e ovos — para incluir o vírus da gripe aviária H5N1 como risco conhecido nos controles preventivos.
A medida responde à crescente disseminação do H5N1 e à sua capacidade de infectar diferentes espécies. O vírus já provocou o abate de cerca de 168 milhões de aves comerciais nos EUA e foi identificado em dezenas de mamíferos, inclusive humanos — com uma morte confirmada na Louisiana.
Recentemente, o vírus foi detectado em linces selvagens no estado de Nova York. De 16 animais capturados vivos para estudo, nove apresentaram contato com o vírus, incluindo quatro expostos diretamente ao H5N1 altamente patogênico. Um dos linces morreu cinco semanas após a captura, destacando a importância da vigilância em fauna silvestre como estratégia preventiva.
Na produção agropecuária, a infecção de bovinos leiteiros acende alertas sanitários e econômicos. Medidas como descarte de leite contaminado, reforço na testagem, protocolos de biossegurança e regulamentações específicas já estão em prática, enquanto pesquisas buscam compreender melhor a dinâmica do vírus e fortalecer o controle.
O USDA, a FDA e o CDC seguem monitorando o surto em aves, bovinos e humanos. Embora o Brasil não tenha registrado casos em bovinos, o cenário global ressalta a necessidade de vigilância rigorosa. A prevenção — por meio de monitoramento integrado, capacidade diagnóstica ampliada, capacitação técnica e campanhas de conscientização — é essencial para proteger a produção, atender às exigências sanitárias internacionais e manter mercados de exportação.
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Caserta, L.C. et al. Spillover of highly pathogenic avian influenza H5N1 virus to dairy cattle. Nature 634, 669–676 (2024). DOI: 10.1038/s41586-024-07849-4
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Hu, X. et al. Genomic characterization of highly pathogenic avian influenza A H5N1 virus newly emerged in dairy cattle. Emerging microbes & infections, v. 13, n. 1, p. 2380421, 2024. DOI: 10.1080/22221751.2024.2380421
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