A hipocalcemia, também conhecida como febre do leite ou paresia puerperal, é uma doença metabólica comum em vacas leiteiras, especialmente nos primeiros três dias após o parto. Ela ocorre com mais frequência em vacas que já tiveram pelo menos duas lactações, devido à alta demanda por cálcio no organismo. No Brasil, que é o terceiro maior produtor de leite do mundo, com cerca de 34 bilhões de litros por ano, a hipocalcemia é um grande desafio. Além de diminuir a produção de leite, deixa as vacas mais vulneráveis a doenças como mastite e cetose, prejudicando a economia do setor. O principal impacto, no entanto, é no bem-estar das vacas, que sofrem com dor, fraqueza e dificuldade para se levantar.
Fonte: Febre do leite. O que é hipocalcemia em vacas? Universo da Saúde Animal.
Qual é o papel do cálcio e como ele é regulado no organismo?
O cálcio é o mineral mais presente no corpo, representando cerca de 2% do peso total, sendo encontrado principalmente nos ossos e dentes. Ele também tem um papel essencial no funcionamento do organismo, ajudando na contração muscular, coagulação do sangue, liberação de hormônios e na produção de colostro e leite. Durante o parto, o cálcio é usado para as contrações que ajudam a expulsar o bezerro. Após o parto, com a produção de colostro e leite, a vaca perde ainda mais cálcio, o que pode levar à hipocalcemia (baixo nível de cálcio no sangue).
Para manter o equilíbrio, o corpo regula os níveis de cálcio para evitar tanto a falta (hipocalcemia) quanto o excesso (hipercalcemia). Isso é feito com a ajuda de três mecanismos:
- Paratormônio (PTH): Hormônio produzido pelas glândulas paratireoides, que aumenta os níveis de cálcio no sangue ao liberar cálcio dos ossos.
- Calcitonina: Produzida pela tireoide, tem efeito oposto ao PTH, diminuindo o cálcio no sangue e armazenando-o nos ossos.
- Vitamina D: Produzida pelo corpo quando a pele é exposta ao sol ou ingerida na alimentação, ajuda a aumentar o cálcio no sangue ao liberá-lo dos ossos.
Esses mecanismos trabalham juntos para manter os níveis de cálcio adequados no organismo.
Quando ocorre a hipocalcemia?
A hipocalcemia acontece principalmente após o parto, quando a vaca produz uma grande quantidade de leite e os níveis de cálcio no sangue caem muito rápido. Essa situação pode piorar quando o animal se alimenta com uma dieta rica em potássio e sódio, que podem elevar o pH do sangue e reduzir ainda mais a disponibilidade de cálcio no organismo. Além disso, outro motivo que pode agravar os quadros da hipocalcemia é o estresse, e por isso é necessário oferecer conforto às vacas durante e após a gestação.
Quais são as causas?
Os principais motivos para a hipocalcemia são:
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Genética para alta produção de leite: ocorre uma grande redução do cálcio livre no sangue, mas sem alterar sua concentração no leite, mesmo com deficiência dele na dieta;
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Quantidade de lactações: a quantidade de partos influencia o desenvolvimento da glândula mamária e com isso a vaca tem uma maior capacidade de produção de leite;
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Envelhecimento: menor capacidade de regular o cálcio do corpo por hormônios e também menor capacidade de absorção de cálcio no intestino;
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Raças: diferentes raças têm diferenças nos receptores de vitamina D no intestino, além de ser importante considerar a quantidade de produção de leite por peso corporal do animal - se a produção de leite for relativamente maior que o peso corporal, o animal tem maior predisposição à hipocalcemia;
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Nutrição: a hipocalcemia pode ocorrer quando temos uma quantidade maior do que o normal de cálcio na dieta de transição, e também por causa da presença de fatores antinutricionais em algumas forragens, que vão dificultar a absorção no intestino.
Quais são os sinais clínicos?
A hipocalcemia em vacas leiteiras evolui em três fases. No início, a vaca ainda consegue ficar em pé, mas apresenta sinais como nervosismo, tremores musculares, dificuldade leve para andar, agitação, vocalização exagerada, respiração pesada e até rangido de dentes. A temperatura corporal geralmente está normal ou um pouco elevada, entre 38,3 e 38,6 °C.
Com a progressão para a segunda fase, o animal já não consegue mais se levantar e permanece deitado com as pernas dobradas debaixo do corpo. Parece abatido, para de comer, está desidratado, com extremidades frias e a temperatura corporal mais baixa, variando de 36 a 38 °C. Também é comum o coração bater mais rápido, entre 50 e 80 batidas por minuto, além de inchaço no lado esquerdo do abdômen (timpanismo) e retenção da placenta. A cabeça costuma ficar voltada para o lado do corpo, em uma posição característica que forma um “S”.
Fonte: Síndrome da vaca caída: como evitar os prejuízos, Fundação Roge
Na fase mais grave, a vaca perde a consciência, os músculos ficam totalmente moles, o timpanismo se agrava e a frequência cardíaca pode chegar a 120 batidas por minuto. Nesse estágio, o risco de morte é alto, e a aplicação rápida de cálcio é essencial para tentar reverter o quadro.
Formas de prevenção e tratamento
Para evitar a hipocalcemia, é essencial cuidar da alimentação das vacas antes do parto, na chamada fase de transição. Nesse período, é recomendado oferecer uma dieta aniônica, que tem mais cloro e enxofre e menos cálcio. Essa dieta ajuda a equilibrar a concentração de cálcio no organismo da vaca, reduzindo o pH do sangue e aumentando a disponibilidade de cálcio através de mecanismos como redução do pH intestinal e da ativação da vitamina D, garantindo que a vaca tenha cálcio suficiente no início da lactação.
Fonte: Importância da diferença catião-anião da dieta, Ruminantes
O tratamento da hipocalcemia geralmente inclui a aplicação de gluconato de cálcio diretamente na veia ou a istração oral de sais de cálcio, como cloreto ou propionato. Além disso, pode-se usar dexametasona para reduzir inflamações que podem surgir devido à hipocalcemia. No entanto, esses medicamentos devem ser usados com cuidado e sempre com orientação de um veterinário.
A hipocalcemia em vacas leiteiras é uma condição metabólica de grande relevância para a pecuária leiteira, impactando diretamente a saúde, o bem-estar e a produtividade dos animais, além de gerar prejuízos econômicos significativos. Sua prevenção exige uma abordagem integrada, que inclua manejo nutricional adequado, monitoramento contínuo e intervenções terapêuticas precoces, especialmente em períodos críticos como o de transição.
No contexto diversificado da pecuária leiteira brasileira, é fundamental promover a conscientização dos produtores sobre a importância do equilíbrio mineral na dieta e incentivar práticas que atendam às exigências nutricionais dos rebanhos. O médico veterinário e o zootecnista desempenham um papel crucial nesse processo, oferecendo e técnico especializado, elaborando planos de manejo nutricional, conduzindo diagnósticos precoces e implementando estratégias de prevenção e tratamento mais adequadas para cada propriedade.
Essa parceria entre produtores e profissionais da área não apenas reduz a incidência de hipocalcemia, mas também minimiza o risco de outras doenças metabólicas associadas, contribuindo para a saúde dos animais, a eficiência produtiva e a rentabilidade da atividade leiteira. Investir em estratégias de manejo eficazes e educação técnica é essencial para assegurar o sucesso da produção de leite a longo prazo.
Agradecimentos
Agradecemos à Universidade Federal de Lavras (UFLA) pelo e acadêmico, ao professor orientador e ao Núcleo de Estudos em Fisiologia e Metabolismo Animal Aplicado (NEFIMA) pelo apoio e incentivo à realização deste trabalho. Também expressamos nossa gratidão ao MilkPoint pela oportunidade de compartilhar nosso conhecimento com o setor, contribuindo para a disseminação de informações que promovem a saúde e a produtividade na pecuária leiteira.
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