O número de vacas Jersey está aumentando consideravelmente no Reino Unido. Muito possivelmente essa maior procura também ocorrerá aqui no Brasil em um futuro bastante próximo. Talvez não necessariamente um aumento expressivo na criação da raça Jersey, mas o produto do cruzamento de touros Jersey com vacas Holandesas, uma vez que o F1 possui características bastante interessantes para a produção de leite a pasto em nosso pais. Tal acontecimento tem sido uma resposta a demanda crescente pelo aumento da concentração de gordura e proteína no leite. Embora essa demanda tenha sido intensificada recentemente, desde o inicio da década ada ela já vem acontecendo.
Em 1995, pesquisadores já alertavam que vacas Jersey estariam mais susceptíveis a desordens metabólicas e infertilidades devido ao "stress" causado pela busca de alto desempenho individual para produção de leite. Isso tem causado certa preocupação no meio científico, visto que os sistemas mecanísticos atuais utilizados para balanceamento de dieta, na opinião de alguns pesquisadores, a exemplo do NRC (2001), muito utilizado para formulação de ração, não possuem recomendações atualizadas devido a falta de pesquisa comparando a fisiologia digestiva e nutrição das modernas vacas Jersey e Holandesas. Pelo menos essa é a opinião do pesquisador Aikman em artigo publicado neste mês em uma das principais revistas destinada a bovinocultura leiteira, o Journal of dairy Science, bem como de muitos outros por ele citados ao longo de seu artigo científico.
Tal preocupação se deve ao fato de que vacas Jersey sabidamente utilizam dietas com alta fibra mais eficientemente que a grande maioria das outras raças leiteiras, principalmente as de grande porte físico; assim como há relatos na literatura de que vacas Jersey possuem maior capacidade de ingestão de alimento por unidade de peso vivo. Também, ruminam mais tempo para cada quilo de fibra ingerido. Assim, essas particularidades e, a falta de pesquisa atual, poderiam gerar recomendações de balanceamento de ração com pouca acurácia, tornando interessante o conhecimento sobre o comportamento ingestivo de vacas Jersey e se ele difere do comportamento ingestivo de vacas Holandesas.
Os dados a seguir são fruto de um estudo recente comparando grupo representativos de vacas da raça Jersey e Holandesa.
Facilidade ao parto e saúde da glândula mamária
Todo o grupo avaliado, com exceção de uma vaca Holandesa, pariram sem necessidade de ajuda. Apenas uma Jersey foi acometida por febre do leite e tratada com borogluconato de cálcio. Uma Jersey apresentou alta queda do consumo de alimento 10 dias após a parição, entretanto, sem sintomas clínicos para intervenção médica. Uma Jersey e uma Holandesa foram afetadas por mastite durante a décima primeira e décima segunda semana de lactação.
Consumo de alimento e peso vivo
Vacas holandesas foram acima de 200 kg mais pesadas que as vacas Jersey no período seco (Figura 1) e durante a lactação. Embora o peso vivo seja muito diferente, o consumo de alimento nesta fase, em percentagem do peso vivo, não foi diferente entre as raças. Após a parição, as vacas Jersey consumiram 30% menos alimentos que as vacas Holandesas, mas quando comparadas quanto ao consumo em percentagem do peso vivo, não houve diferença significativa.
Figura 1. Peso vivo de Holandesas e Jersey entre a quinta semana pré-parto e a décima quarta semana pós-parto.
Fonte: Adaptado de Aikman et al. 2007
Produção de leite e Estimativa de balanço energético
Conforme apresentado na Tabela 1, as vacas Holandesas são mais produtivas que as vacas Jersey. Entretanto, a gordura e a proteína do leite e a concentração de energia foi maior para as vacas Jersey. Todos os termos apresentados na Tabela 1 apresentam diferença significativa do ponto de vista estatístico, exceto o teor de lactose e o balanço energético.
Tabela 1. Produção e composição do leite e estimativa de balanço energético de vacas Holandesas e Jersey entre a 2 e a 14 semana de lactação.
Fonte: Adaptado de Aikman et al. 2007
Alimentação e ruminação
O consumo de matéria seca e de fibra (FDN) das vacas Jersey foram aproximadamente dois terços das Holandesas (Tabela 2), mas o tempo gasto se alimentando não diferiu entre as raças. De todos os termos presentes na Tabela 2, apenas o tempo gasto em alimentação, número e duração da refeição não são significativamente diferentes entre as raças.
Tabela 2. Consumo de matéria seca e FDN, tempo gasto alimentando e ruminando de vacas Jersey e Holandesas
Fonte: Adaptado de Aikman et al. 2007
Digestibilidade no trato total e balanço do nitrogênio
Não foi observado diferenças na digestibilidade da matéria seca, matéria orgânica, amido, fibra em detergente ácido ou nitrogênio entre as raças, embora as digestibilidades da matéria seca e matéria orgânica e a digestibilidade aparente da fibra em detergente neutro foram numericamente superiores para o grupo Jersey.
Cinética da digestão
O fracionamento da taxa de agem da dieta pelo rúmen foi significativamente mais alto na raça Jersey. Assim, o tempo de retenção do alimento dentro do rúmen é menor nas vacas Jersey quando comparadas com vacas Holandesas. Também, o tempo de retenção médio do alimento no trato total foi menor para o grupo Jersey.
Considerações finais
Existem, portanto, diferenças consideráveis entre os grupos raciais. Tais diferenças afetam a forma como se deve proceder o arraçoamento individual e no caso de sistema de produção de leite a pasto, o manejo da pastagem a fim de ajustar principalmente a taxa de lotação.
Vacas Jersey ficam menos tempo com o alimento retido no seu trato digestivo. Logo, a qualidade (valor nutricional) e o aspecto físico do alimento (processamento) fornecido, afetam o desempenho do animal. O comportamento ingestivo de cada grupo racial deve ser respeitado, em especial nos sistemas a pasto. Vacas Jersey tendem a ficar mais ociosas entre as oito horas da manhã até o meio dia. Por outro lado, são mais ativas entre a meia noite às 4 da manhã. Estudos sugerem que esse comportamento da raça Jersey proporciona um suprimento de alimento ao rúmen mais regular, podendo ser o dos fatores que ajudaria a explicar a tendência para maior digestibilidade deste grupo racial.
Essa também pode ser uma das explicações para o fato de que o rúmen de vacas Jersey tem menores variações nos picos cíclicos de produção de ácidos graxos voláteis e flutuação do pH ruminal em relação a vacas Holandesas. Certamente essa capacidade das vacas Jersey confere uma vantagem metabólica em situações que induzam a acidose ruminal. Outra habilidade interessante de vacas Jersey é a maior mastigação do alimento, proporcionando maior redução no tamanho de partícula, ajudando na digestibilidade; e produzindo maior quantidade de saliva, tamponando melhor o rúmen e favorecendo um pH mais favorável para digestão de fibra.
Portanto, fica evidente que as particularidades entre as duas raças devem ser respeitadas no momento da formulação da ração e que, mais estudos são necessários para aumentar a acurácia dos modelos mecanísticos usados para balanceamento de dietas para vacas leiteiras. Entretanto, é importante deixar claro que embora melhorias nas equações sejam necessárias para melhor contemplar a raça Jersey ou os produtos dos cruzamentos entre Jersey e Holandês, os conhecimentos e as equações atuais atendem a contento o balanceamento de ração na forma como atualmente é feito.
Fonte:
Adaptado de:
P. C. Aikman, C. K. Reynolds, D. E. Beever. Diet Digestibility, Rate of age, and Eating and Rumination Behavior of Jersey and Holstein Cows. J. Dairy Sci. 91:1103-1114. 2007