Lípides em dietas para vacas leiteiras
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O valor energético de lípides é em torno do dobro do valor de carboidratos. Com baixo preço de amido nesta época de colheita de milho e com alto preço de grãos ricos em óleo, a eficiência financeira da suplementação lipídica é questionável se o enfoque for unicamente energético. Apesar da comparação financeira direta entre o custo por unidade de energia oriunda de gordura ou de carboidratos ser necessária, esta não é suficiente para definir a opção alimentar. Manter um certo nível de suplementação de gordura tem vantagens nutricionais que podem ser consideradas.
A imperfeição no metabolismo de nutrientes no rúmen e no corpo do animal resulta na produção de calor. Este subproduto do metabolismo precisa ser dissipado. Animais homotérmicos mantêm balanço entre o calor produzido e o calor perdido/ganho para o ambiente. Quanto maior a produção de leite e maior o consumo de alimentos, maior o metabolismo de nutrientes e maior a produção e a necessidade de dissipar calor. Calor flui onde existe diferença de temperatura. Em altas temperaturas ambientais a dissipação do calor corporal é dificultada. Os fatos acima justificam porque vacas com alta produção são mais propensas a stress calórico nos meses quentes do ano, comparativamente a vacas menos produtivas e em climas mais amenos. O sintoma imediato do stress calórico é a redução no consumo de matéria seca, uma maneira de reduzir a produção de calor metabólico. No entanto, sem consumo de alimentos não existe substrato para a glândula mamária, e a queda na produção de leite é inevitável.
A gordura é um nutriente que produz pouco calor por unidade de energia consumida. O catabolismo de lípides no rúmen é praticamente nulo, não resultando na produção de calor de fermentação. Os microorganismos ruminais apenas saturam a gordura dietética, uma maneira de se auto-protegerem da toxidez dos lípides insaturados. A inexistência de catabolismo lipídico no rúmen pode ser explorada em sistemas de produção de leite. Gordura é uma maneira de fornecer energia para o animal sem sobrecarregar o corpo com calor, por isto gordura é de longa data parte integrante de programas alimentares para vacas leiteiras sujeitas a stress calórico.
O não catabolismo da gordura no rúmen tem outras vantagens. Um produto do metabolismo anaeróbio de carboidratos no rúmen são os ácidos graxos voláteis. Excesso de carboidratos de degradação rápida pode levar ao acúmulo excessivo de ácidos no ambiente ruminal, levando ao que chamamos acidose. Sintomas de acidose subclínica seriam: baixo teor de gordura no leite, maior incidência de animais com distúrbios nos locomotores e de distúrbios digestivos ligados à baixa motilidade ruminal, consumo de matéria seca baixo e variável e baixa produção de leite. Em vacas de alta produção com alta demanda energética, lípides seriam uma maneira de suplementar energia sem os efeitos indesejáveis do alto aporte de carboidratos de degradação rápida no rúmen.
A utilização de alimentos ricos em óleo também é interessante quando a forrageira disponível é de baixa energia (rica em fibra). Nestes casos, a obtenção de dietas com alto conteúdo energético requer a inclusão de alta proporção de alimentos concentrados na dieta. Alimentos ricos em óleo podem reduzir a necessidade de alimentos concentrados por litro de leite produzido, potencialmente capaz de aumentar o lucro/vaca/dia. Grãos ricos em óleo também são normalmente ricos em proteína, o que também pode reduzir a compra de concentrados protéicos. Obviamente que as características da proteína em cada fonte deve ser considerada no balanceamento das dietas, visando uma substituição o mais isonutricional possível.
Outro fator na utilização de gordura seria a capacidade deste nutriente de causar redução no número de protozoários no ambiente ruminal (defaunação). Protozoários são predadores de bactérias e diminuem a síntese de proteína microbiana por unidade matéria orgânica fermentada no rúmen. A síntese de proteína microbiana define o aporte de aminoácidos no intestino e na glândula mamária, tendo implicações produtivas importantes. Dietas à base de cana-de-açúcar são sabidamente indutoras do crescimento de protozoários no rúmen. Sementes de oleaginosas, além de servirem como suplemento protéico em dietas à base de cana, também podem ter um papel defaunador desejável em dietas baseadas nesta forrageira.
A produção de soja em grão integral pode ser agronomicamente interessante. A soja é boa opção para rotação de culturas nas áreas normalmente cultivadas com milho. Como ruminantes podem consumir soja integral não tostada, pois os fatores protéicos antinutricionais deste alimento são majoritariamente degradados pelos microorganismos ruminais, a utilização do grão cru moído grosseiramente é viável em fazendas leiteiras. A tostagem do grão aumenta a proporção de proteína não degradável neste alimento e elimina a necessidade de moagem, no entanto os custos de tostagem devem ser considerados.
Lípides parecem ter efeito positivo sobre a eficiência reprodutiva de rebanhos leiteiros. Em 11 de 20 experimentos ocorreu ganho na taxa de concepção ao primeiro serviço ou na taxa de concepção (Staples et al. 1998. J. Dairy Sci. 81: 856-871). O mecanismo de ação pode ser multifatorial e possivelmente envolve ações sobre o balanço energético no início da lactação, sobre a concentração de progesterona plasmática e parece envolver o efeito do ácido linoléico sobre a síntese de prostaglandina e a regressão do corpo lúteo.
A suplementação com gordura pode ter implicações nutricionais desejáveis não mensuráveis em um balanceamento de dietas baseado apenas em custo mínimo. Estes efeitos devem ser considerados quando se opta pela introdução de gordura em determinado sistema de produção de leite. A utilização de alimentos ricos em óleo deve se feita a longo prazo, pois vários dos efeitos benéficos deste nutriente não são observáveis agudamente, principalmente aqueles ligados à eficiência reprodutiva e à condição corporal dos animais. A suplementação com gordura requer o conhecimento das fontes, de possíveis processamentos alimentares e de teores dietéticos compatíveis com a boa digestão. Estes fatores serão discutidos futuramente nesta sessão.
Material escrito por:
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MATEUS LEME - MINAS GERAIS - PRODUÇÃO DE LEITE
EM 04/05/2020

MALACACHETA - MINAS GERAIS
EM 14/03/2012
Se posso, qual a limitação q ele entraria no concentrado e quais os riscos?
Obrigado!!

SALGUEIRO - PERNAMBUCO - VAREJO
EM 08/08/2008
Obrigado.
<b>Resposta do autor</b>
Gutemberg, tentaria limitar o caroço de algodão com base no teor de óleo da dieta. O limite máximo de óleo insaturado de liberaçào lenta para não inibir a degradação da fibra no rúmen é ao redor de 3% da MS total. O caroço tem 20% de óleo (EE).
Assumindo um consumo de 15 kg por dia, o limte de caroço seria entre 2 e 2,5 kg/dia. Detalhes: Se caroço for dado no momento da ordenha, trabalharia no limite mínimo (o óleo vai chegar de uma vez no rúmen). Também não moeria o caroço, para o óleo ser liberado lentamente no rúmen. Outro ponto é que se inclusão de caroço no concentrado for alta pode ter problema em fazer as vacas consumir (se fosse misturado à forragem seria mais fácil).
Marcos Neves Pereira

PIRACANJUBA - GOIÁS - PRODUÇÃO DE LEITE
EM 28/02/2007
Um grande abraço,
Danilo de Oliveira Pontes
Zootecnista e Produtor de Leite
<b>Resposta do autor:</b>
Os limites máximos (< que 3% da MS) de gordura insaturada de liberação lenta (soja grão moída grosseiramente ou caroço inteiro, por exemplo) ou sabão de cálcio não são ditados pelo efeito específico de determinado ácido graxo sobre a síntese de gordura pela glândula mamária. Estes limites são ditados pelo efeito negativo da gordura sobre a digestão da fibra no rúmen (ação "tóxica" sobre os microorganismos, principalmente as celulolíticas).
Na mesma inclusão, cada fonte terá um efeito maior ou menor sobre a composição do leite, ditado pelo perfil de ácidos graxos (Linoleico). Óleo de girassol, por exemplo, é muito mais depressor de gordura no leite do que óleo de soja ou algodão. O nível ótimo para se obter uma dada composição do leite é dada por conhecimento do alimento. Na prática, se testa níveis e se avalia a resposta em gordura do rebanho, até encontrar o nível desejado.
Diria que considerar a forma de processamento do grão contendo o óleo insaturado é tão importante quanto considerar o perfil de ácidos graxos. Por exemplo, soja grão moída fina é diferente de soja moída grosseiramente (afeta a velocidade de liberação do óleo no rúmen, ou o tanto que os microorganismos precisam saturar por unidade de tempo).
Avaliar a consistência das fezes é algo a se considerar, excesso de óleo sendo liberado no rúmen (função do teor de óleo suplementar na dieta e da forma de processamento do grão) normalmente causa amolecimento das fezes e pode estar resultando em produção deprimida de leite.
No caso de sebo, considere também a palatabilidade da fonte. Obviamente, custo da suplementação e o valor da resposta esperada em leite também precisa ser avaliado para definir a inclusão. Óleo para ter efeito positivo sobre a reprodução via linoleico não requer a mesma massa de suplementação de óleo capaz de atuar sobre o balanço energético de um animal. A inclusão depende da meta para o qual o ingrediente está sendo utilizado.
Marcos Neves Pereira
Universidade Federal de Lavras
Departamento de Zootecnia

CAICÓ - RIO GRANDE DO NORTE - REVENDA DE PRODUTOS AGROPECUÁRIOS
EM 14/06/2003
1) Em situações de temperaturas mais amenas deveríamos optar prioritariamente por carboidratos?
2) Em situação de stress calórico, com estes volumosos e estas produções, devem utilizar lipídios?
<b>Resposta</b>:
Sempre utilizaria lípides, principalmente com forragens pobres em energia. A comparação com a energia de carboidratos é justa, no entanto o efeito benéfico do óleo quanto a outros aspectos merece consideração (condição corporal, reprodução, leite). Como o produtor não quer e não pode utilizar muito concentrado, a utilização de concentrados ricos em óleo é uma maneira de suprir energia sem imbutir um uso exagerado de concentrados. Outra vantagem é que fontes de óleo (caroço e soja) também têm proteína, facilitando o balanceamento (mesmo sendo esta de alta degradabilidade no rúmen, no caso da soja crua, e de péssima qualidade, no caso do algodão). O óleo pode ser mais efetivo em stress calórico, mas sempre será vantajoso. Nunca substituirá totalmente os carboidratos. Colocaria os dois.

BATATAIS - SÃO PAULO - PRODUÇÃO DE LEITE
EM 31/05/2003
<b<Resposta do autor:</b>
Poderia utilizar até 3% do extrato etéreo da dieta oriundo de soja em grão. Em uma vaca comendo 20 kg de matéria seca por dia, 0,03 x 20 seriam 0,6 kg de óleo oriundo da soja. Como a soja grão tem em torno de 20% de óleo, o limite máximo é algo em torno de 3 kg (0,6 kg / 0,2 g de óleo/kg ). 2,5 kg é uma quantidade segura e que dá bom resultado em vacas com este nível de consumo.