Comecemos pela notícia boa. No dia 21 de fevereiro o Diário Oficial da União publicou a Circular n. 14, da Secretaria de Comércio Exterior, na qual o Governo Brasileiro abre processo de revisão do direito antidumping, contra as importações de leite em pó, oriundas da Nova Zelândia e da União Européia.
Na prática, o Governo caminha pela prorrogação das medidas adotadas e que estão em vigor há exatamente quatro anos. Em 2001, as medidas antidumping criaram uma sobretaxa às importações oriundas da Nova Zelândia (3,9%) e União Européia (14,8%). Somadas a estas tarifas específicas e à negociação com o Uruguai e Argentina, que estabeleceu um preço mínimo de venda de US$ 1.900 a tonelada, junta-se a Tarifa Externa Comum - TEC, em vigor no Mercosul, que imputa uma tarifa de 27% sobre importações de leite em pó, oriundo de fora do Mercosul.
Esse conjunto de medidas cria a necessária proteção compensatória a políticas de estímulo a exportação, adotadas por países que, de modo artificial, deprimem os preços no mercado internacional de lácteos, que é o mais distorcido dentre os principais produtos agrícolas transacionados no mercado mundial.
Em 06 de abril de 2001, o líder Jorge Rubez escreveu um artigo no MilkPoint (clique aqui para ler) no qual registrava a falta de aprofundamento de análises sobre as medidas antidumping, levando até mesmo à confusão dos leitores. Em verdade, esse assunto mereceu pouquíssima citação nestes últimos quatro anos e, pelo visto, vai pelo mesmo caminho, agora.
Reputo as medidas antidumping como o principal feito desde 1991, quando o Governo deixou de tabelar preços e exercer uma força quase que totalitária sobre o mercado lácteo nacional. Esta conquista foi fruto de uma sólida articulação que CNA, CBCL/OCB e Leite Brasil estruturaram junto ao Legislativo e Executivo.
A ação de convencimento foi fundamental, mas não explica tudo. Em verdade, seria um discurso vazio, se não tivesse havido competência técnica para organizar o processo de petição, seguindo os necessários ritos e respondendo as perguntas técnicas levantadas pelo governo.
O sólido conteúdo do pedido de adoção das medidas encaminhadas ao corpo técnico do Poder Executivo deu o necessário embasamento para que o Governo, mesmo com a clara determinação de abrir a economia e, portanto, reduzir medidas de proteção vigentes, fosse no sentido contrário de sua política e, em suma direcionou o devido aceite ao que requeriam aquelas entidades.
Não são íveis de quantificação os ganhos advindos com a adoção das medidas, pois ultraam a simples análise de redução das importações no período de quatro anos. Se não houvesse as medidas antidumping, a que preço teria chegado o leite ao produtor, durante a Crise do Apagão? Será que, naquele momento, não teríamos tido a destruição de todo o esforço feito na década ada, em prol da profissionalização do setor? E, agora, nesta nova crise, em que o dólar ameaça romper, para baixo, a barreira dos R$ 2,00, que impacto haveria sobre o mercado nacional de leite ao produtor? Que conseqüências e por quanto tempo colheríamos as repercussões de importações elevadas?
Desse feito do setor ficam duas conclusões. A primeira: é necessário manter canais de articulação com os formuladores de política pública. Quanto mais sólidos forem, menos difícil será o setor fazer valer os seus interesses comuns. A segunda: compensa, e muito, as entidades investirem em estudos técnicos que dêem embasamento aos seus reclamos.
Estas duas conclusões podem parecer obvias. E são! Mas, somente faz dez anos que o setor iniciou efetivamente ganhos institucionais, valendo-se de trabalho contínuo, sistemático e robusto. Quem, como eu, que desde 1983 se dedica ao setor, sabe como era o padrão de reivindicação no ado, e como é hoje.
A outra notícia não foi tão boa. Mais que isso, foi ruim. No sábado de carnaval, entre uma manchete momesca e outra, os jornais noticiaram o que todos já esperavam: o vexatório comportamento do PIB, em 2005. O IBGE, uma das instituições mais sérias que o Brasil Republicano erigiu, escolheu a sexta-feira de carnaval para divulgar os 2,3% de crescimento do PIB. Na América Latina, perdemos para a Bolívia, Peru, Colômbia e Nicarágua - países que, reconhecidamente, am por graves problemas internos. Perdemos para todos os países da latino-américa, menos para...o Haiti!
O comportamento do PIB está diretamente relacionado ao consumo de lácteos. Se o PIB cresce pouco, é pouca a chance do consumo de lácteos crescer de modo expressivo. A Tabela 1 reproduz o comportamento de três variáveis importantes para o nosso setor. Em azul, está representado o comportamento da produção de leite, em verde o comportamento do PIB e, em laranja, o comportamento do crescimento populacional. O período cobre de 1991 até 2005. Como são dados com diferentes dimensões, optei por apresentá-los na forma de número-índice. O ano-base escolhido foi o de 1991, por ter sido o ano em que deixou de existir o tabelamento de preços.
O gráfico 1 demonstra que a produção acompanhou o crescimento da população até 1995. A partir daí, houve um deslocamento visível e a produção cresceu bem mais do que o crescimento populacional. O fato é que a população brasileira cresceu 23,5% em 14 anos (entre 1991 e 2005), enquanto que a produção de leite cresceu, em igual período, 59,3%, ou bem mais que o dobro do crescimento da população.
Naturalmente, isso significou um aumento mais que razoável da disponibilidade per capita do produto genuinamente nacional, nesse período. Quando se compara o comportamento da produção e o do PIB, percebe-se que ambos andaram próximos até 1999. A partir daí, houve um descolamento.
No período de 14 anos, o PIB cresceu 43,3%, contra os já citados 59,3% de crescimento registrado para a produção de leite. Portanto, o crescimento do leite produzido no Brasil suplantou o crescimento do PIB nacional. Antes de chegarmos a alguma conclusão, analisemos o gráfico 2.
Gráfico 1. Comportamento anual da produção de leite, do PIB e da montante populacional. Brasil. 1991-2005. (Em números - índices, 1991=100)

O PIB é uma medida grosseira do poder de compra das famílias. Há uma outra um pouco melhor, que é o PIB per capita, ou seja, o quanto que, em média, a riqueza nacional cresceu, por habitante, em cada ano. O gráfico 2 reproduz o PIB per capita de 1991 a 2005, em vermelho. Reproduz também a produção de leite, já descrita no gráfico 1, em azul.
Quando comparamos o comportamento da produção nacional em relação ao PIB per capita, verificamos que o crescimento da riqueza por habitante vem patinando desde 1995. Entre 1991 e 2005 cresceu 19,6%, no acumulado, ou seja, menos que o crescimento do montante populacional, mostrado no gráfico 1, que foi de 23,5%. E o fosso que se abre entre o PIB per capita e a produção nacional é cada vez maior.
Grosso modo, fica evidente, pelos dois gráficos, que a tendência é da produção brasileira crescer cada vez mais que o crescimento da população. Isso poderia significar uma boa notícia, já que haveria aumento da disponibilidade de leite nacional e o consumo per capita de leite no Brasil ainda é a metade dos países desenvolvidos. Há, portanto, espaço para crescer o consumo interno.
Mas, o aumento da disponibilidade não se traduz em garantia de o ao consumo para toda a produção. O que assegura aumento de consumo per capita é aumento de renda per capita. Na medida em que o PIB per capita tem um crescimento irrisório, como vem ocorrendo (somente 0,8% em 2005), está configurada uma crise estrutural de excedente de oferta para os anos vindouros. E, nesse caso, restam dois caminhos complementares.
O primeiro, é estimular o consumo interno, por meio de medidas de marketing, no qual propaganda, é bom lembrar, é apenas um dos quatro "Ps" que estrutura o marketing. O segundo é ganhar, de modo decisivo, o mercado interno. Mas, estamos organizados para implementar uma campanha de marketing institucional a favor do consumo de leite no mercado interno? Estamos preparados para crescer vertiginosamente no mercado internacional?
Gráfico 2. Comportamento anual da produção de leite e do PIB per capita. Brasil. 1991-2005. (Em números - índices, 1991=100)
