Com certeza você já ouviu essa frase: “A vaca é o que ela come...” E isso vale também para o leite que ela produz. Se você quer ter bons resultados na produção de leite, não só em volume, mas deseja produzir leite de boa qualidade, a nutrição dos seus animais deve ser sua prioridade!
Apesar do leite apresentar uma composição média padrão, com cerca de 87-88% de água e de 12-13% de sólidos (Tabela 1), essa composição pode variar. De acordo com DÜRR et al. (2000) os principais fatores que podem alterar a composição do leite são: fator genético, nutrição, sanidade, manejo e ambiente. Logo, é preciso estar atento a esses fatores, pois as alterações na composição do leite afetam o processamento/rendimento na indústria processadora, e consequentemente há um impacto sobre o valor do leite como matéria-prima para ao produtor.
Tabela 1. Composição Média do leite de vaca.
Fonte: Adaptado de WALSTRA et al., 2006; BRASIL, 2018.
Dentre os fatores que mencionamos anteriormente, a nutrição é uma das grandes responsáveis por garantir uma boa produção de leite; e, oferecer nutrição adequada as vacas, em conjunto com a realização de manejos apropriados, são ações essenciais para a busca do sucesso na atividade leiteira. Sendo assim, é fundamental que o animal receba uma dieta equilibrada, contendo níveis adequados de proteína, energia, fibras de boa digestibilidade, minerais e vitaminas. Lembrando que as dietas devem sempre se adequar as exigências nutricionais dos animais, as quais consideram a raça, idade, fase de lactação, e outras condições associadas ao animal.
Além da utilização de dietas ajustadas, é preciso considerar algumas particularidades associadas aos tipos de estratégias alimentares adotadas, pois essas além de aumentar o volume de leite produzido, também podem alterar a composição do leite.
Basicamente, todos os componentes do leite são sintetizados nas células que formam os alvéolos da glândula mamária, a partir de substâncias extraídas do sangue. Logo os seus precursores são derivados da alimentação e consequentemente do metabolismo do animal. Ou seja, de acordo com o substrato oferecido ao rúmen, ocorrerá estímulo das populações de microrganismos adequadas para a degradação e consequentemente absorção e aproveitamento dos nutrientes pelo organismo. A figura 1 apresenta o comportamento ruminal de acordo com o pH e a concentração de ácidos graxos voláteis presentes no rúmen.
Figura 1. pH do rúmen e sua relação com as proporções entre os ácidos acético, propiônico e láctico.
A adoção de sistemas mais intensivos, onde há aumento significativo do teor de concentrado na dieta dos animais, resulta em maiores produções de leite pelas vacas, porém é preciso considerar que há redução no teor de gordura do leite.
A gordura do leite é composta por cerca de 98% de triglicerídeos. Esses triglicerídeos são sintetizados nas células da glândula mamária a partir de ácidos graxos extraídos da corrente sanguínea, que podem ter origem a partir do acetato e/ou butirato produzidos no rúmen, consumidos pela vaca via dieta e absorvidos no intestino, e de ácidos graxos oriundos de reservas corporais (mais comum em vacas que estão em balanço energético negativo).
De acordo com Muhlbach (2004), à medida que se aumenta a ingestão de concentrado na dieta do animal, inibe-se o crescimento de microrganismos celulolíticos (responsáveis pela degradação de carboidratos estruturais, como a celulose) e consequentemente ocorre uma menor produção de ácido acético e aumento na proporção/absorção de ácido propiônico no rúmen. Logo, tem-se uma maior produção de leite, já que o ácido propiônico é utilizado pelo organismo do animal para produzir a lactose do leite, e quanto mais lactose, maior a produção de leite.
Por outro lado, um valor de pH acima de 6,0 favorece a fermentação da fibra (oferecida no volumoso, como silagem de milho, forragem etc.), e quanto melhor a fermentação da fibra no rúmen, maior a produção de ácidos acético e butiríco, os quais são responsáveis pela produção de 50% da gordura do leite na glândula mamária. Nas tabelas 2 e 3 são apresentados os impactos da proporção volumoso:concentrado sobre a fermentação ruminal e consequentemente o efeito do teor de concentrado sobre o percentual (%) de gordura no leite.
Tabela 2. Efeito da proporção de volumoso: concentrado sobre a fermentação do rúmen.
a faixa de pH adequada para a fermentação da celulose
b relação molar que causa queda do % de gordura no leite
Fonte: Bachman (1992).
Tabela 3. Efeito do teor de concentrado em dietas no % de gordura do leite.
Fonte: Griinari et al. (1998).
O teor de proteína e lactose também podem ser alterados via alimentação dos animais, porém em proporções bem menores quando comparados aos impactos sofridos pela gordura (Figura 2). A menor variação sofrida pela proteína pode ser explicada pelo fato de que a sua síntese é bem restrita em termos de precursores, no caso os aminoácidos, e que a deficiência de um único aminoácido impede a síntese de toda a cadeia de aminoácidos que compõem a proteína. Vale destacar que os aminoácidos considerados mais limitantes para a produção de leite são a lisina e a metionina e que em ruminantes é muito difícil a manipulação das quantidades de aminoácidos que chegam ao intestino para serem absorvidos devido à fermentação ruminal.
Figura 2. Utilização dos ácidos graxos voláteis na formação dos componentes orgânicos do leite
A origem da proteína do leite está associada aos aminoácidos absorvidos no intestino, provenientes em grande parte, da proteína formada no rúmen e da proteína da dieta não degradada no rúmen (PNDR), disponível no intestino. Sendo que, 75% da proteína metabolizada pela vaca é de origem microbiana, e esta proteína é a que mais se aproxima do perfil de aminoácidos requeridos pela glândula mamária para síntese do leite. Logo, as dietas que proporcionam maior quantidade de proteína microbiana tendem a proporcionar uma maior produção de leite. O quadro 1 mostra, de forma resumida, os fatores que podem influenciar no teor de proteína.
Quadro 1. O que aumenta ou diminui o teor de proteína do leite.
Fonte: UFRGS, 2020.
Já a lactose é um dos elementos mais estáveis do leite, sendo que sua concentração é de aproximadamente 4,6% e compreende aproximadamente 70% dos sólidos encontrados no soro do leite. Sua síntese ocorre nas células epiteliais da glândula mamária, a partir da glicose produzida no fígado pelo aproveitamento do ácido propiônico absorvido no rúmen e, pela transformação de certos aminoácidos. Logo, com o aumento de ácido propiônico no rúmen, maior a produção de lactose. Além disso, a lactose também é responsável por controlar o volume de leite produzido, atraindo a água do sangue para equilibrar a pressão osmótica na glândula mamária.
Considerando os impactos significativos da dieta oferecida as vacas sobre a composição do leite, DÜRR (2004) destaca que a avaliação dos parâmetros da composição do leite, como a gordura, proteína e outros parâmetros, através de análises laboratoriais, é um importante indicativo do processo fermentativo do rúmen e logo, uma ferramenta para identificar falhas na dieta, manejo e até mesmo sanidade dos animais. Logo o monitoramento dos resultados e consequentemente a adoção de tratativas no manejo nutricional dos animais é fundamental para obtenção de um leite de qualidade.
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Referências:
BACHMAN, K.C. Managing milk composition. In: Large Dairy Herd Management. 1992, p.336-346.
CARVALHO, M. P. Manipulando a composição do leite: gordura. I Curso on-line sobre qualidade do leite. Milkpoint. 2000. 15p.
CARVALHO, M. P. Manipulando a composição do leite: proteína. I Curso on-line sobre qualidade do leite. Milkpoint. 2000. 15p.
DURR, J.W.; FONTANELI, R.S.; BURCHARD, J.F. Fatores que afetam a composição do leite. In: KOCHHANN, R.A; TOMM, G.O.; FONTANELI, R.S. (Ed.). Sistema de produção de leite baseado em pastagens sob plantio direto o Fundo: Embrapa Trigo; Juiz de Fora: Embrapa Gado de Leite; Bagé: Embrapa Pecuária Sul, Montevidéu: Procisur, 2000.p.135-156
DÜRR, J.W. Programa nacional de melhoria da qualidade do leite: uma oportunidade única. In: DÜRR, J.W.; CARVALHO, M.P.; SANTOS, M.V. (Eds.) O compromisso com a qualidade do leite no Brasil o Fundo: Editora Universidade de o Fundo, 2004. p.38-55.
GRIINARI, J.M.; DWYER, D.A.; McGUIRE, M.A. et al. 1998. Trans-octadecenoic acids and milk fat depression in lactating dairy cows. Journal of Dairy Science 81:1251-1261.
GRIINARI, J.M. et al. Variation of milk fat concentration of conjugated linoleic and milk fat percentage is associated with a change in ruminal biohydrogenation. Journal of Animal Science, v.77 (Supl.1), p.117-118, 1999.
MÜHLBACH, P.R.F. Produção e manejo de bovinos de leite. Porto Alegre: UFRGS, 2004. 119p.
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UFRGS. Seminário: O leite como indicador nutricional em vacas. 2020
WALSTRA, P.; WOUTERS, J. T. M.; GEURTS, T. J. Dairy Science and Technology. 2 ed, Boca Raton: CRC Press. 2006.