Há analistas que citam a retirada dos subsídios do leite em pó na União Européia. Como isso ocorreu quando os preços iniciavam ascensão, fica a dúvida se essa atitude é causa ou conseqüência dos novos preços. A União Européia - UE é responsável por cerca de 1/3 do comércio internacional de lácteos. Vamos, então, "colocar uma lupa" sobre esse Bloco econômico e procurar entender sua participação nesse movimento altista de preços.
Um pouquinho de história: mesmo os países europeus que ganharam a II Grande Guerra estavam destruídos quando a Guerra terminou. Como mecanismo de soerguimento, França, Bélgica, Holanda, Alemanha Ocidental e Luxemburgo, em 1958, am um acordo de livre-comércio em torno do carvão, então importante fonte energética. E, logo, fizeram o mesmo em torno de alimentos, com a idéia de assegurar que suas populações não ariam fome nunca mais. Para isso, criaram a Política Agrícola Comum que visava garantir estímulos fortes à produção de alimentos, daí o protecionismo. Portanto, na origem da UE está o setor agrícola.
Em 1973, a Irlanda, o Reino Unido e a Dinamarca entraram para o Bloco, criando a UE-09. Em 1981, a Grécia aderiu ao Bloco e, em 1986, aderiram Portugal e Espanha, criando a UE-12. Em 1995, a UE contava 15 países, com a entrada de mais três: Suécia, Finlândia e Áustria (UE-15). Mas, momento radical, mesmo, ocorreu em 2.004. No início daquele ano foram incorporados os seguintes países: Estônia, Letônia, Lituânia, Polônia, República Tcheca, Eslováquia, Hungria, Eslovênia, Malta e Chipre, formando a UE-25. Em 2.007, Romênia e Bulgária foram aceitas e a UE ou a ter 27 membros. Como o que queremos entender é o efeito da UE nos preços do leite, que começaram a subir em 2.006, então fiquemos com a UE - 25.
Comecemos a análise pelo lado da oferta. A Tabela 1 mostra dados para UE-25, em 2.005, e uma simulação de como seria em 2.002, se já tivesse ocorrido a incorporação dos dez países. Entre 2.002 e 2.005 o rebanho de vacas caiu em 6,1%, enquanto que a produtividade por vaca cresceu 7,7%. O fato é que a produção caiu. Por outro lado, os novos países incorporados contribuíram para a redução do percentual de leite entregue aos laticínios. Se considerarmos somente os 15 países, o consumo na propriedade era de 5,1% do total produzido. Todavia, considerando-se os 25 países, o consumo cresceu para 8,3%.
Tabela 1. Indicadores selecionados sobre atividade leiteira na União Européia.

Fonte: Eurostat (2007)
Por outro lado, o Gráfico 1 demonstra que a entrada dos dez novos países não mudou substancialmente o "ranking" de produção na União Européia. Perceba que somente a Polônia se destacou, ocupando a sétima posição em 2005. Os demais nove países ficaram nas últimas colocações e responderam por menos de 2% da oferta do Bloco, cada um.
Gráfico 1. Participação Percentual de cada país na produção de leite. União Européia. 2005.

Clique no gráfico para ampliá-lo.
Fonte: Eurostat (2007), elaborado pelo autor.
Ainda analisando a oferta, dados relativos ao processamento são apresentados na Tabela 2. A produção de leite em Pó Desnatado caiu 23,1% em três anos. Muito, não? Pois algo similar aconteceu com leite em Pó Integral, Creme e outros, cuja produção caiu 23,2%. Já a produção de Manteiga e Queijo teve queda menor, de 7,1% e o Condensado de 7,3%.
Tabela 2. Processamento industrial de lácteos na União Européia (mil toneladas).

Fonte: Eurostat (2007)
Os dados até o presente demonstram que houve redução de oferta de derivados lácteos por parte da UE e que os dez novos países pouco acrescentaram em termos de produção para a UE-25. Vejamos, agora, se houve mudança na demanda. Para isso, é importante analisar inicialmente alguns indicadores econômicos gerais, cujos principais encontram-se na Tabela 3. Isso irá permitir entender a dinâmica da União Européia com a entrada de dez novos países.
Veja a comparação entre os quinze países que compunham a UE e os dez recém-incorporados. Praticamente não ocorre crescimento populacional. Na UE-15 a média de 0,3% ao ano e nos dez países a média é de -0,03 ao ano. A renda per capita na UE-15 é US$ 34,3 mil e nos dez países é de US$ 19,1 mil, ou pouco mais da metade. Já a inflação tem médias anuais baixas nos dois grupos escolhidos para comparação, ou seja, 2,3% na UE-15 e 3,5% nos dez novos, enquanto que o investimento é percentualmente maior no segundo grupo. No grupo UE-15, o destaque é a Irlanda com uma taxa de investimentos muito elevada, em patamares parecidos com os dez países novos.
Tabela 3. Indicadores de desempenho econômico da União Européia.

Fonte: The World Factbook - Central Intelligence Agency (2007)
Em síntese, a Tabela 3 informa é que houve uma incorporação de países com menor renda per capita, com população que não cresce e com ótimos indicadores de solidez econômica, pois a inflação é baixa e o investimento é maior que a parte rica da UE. Portanto, esses novos países têm condições de elevar o consumo de lácteos.
Quando há crescimento de renda em países em desenvolvimento, cresce o consumo de leite. É necessário, então, verificar se esses novos países têm apresentado crescimento contínuo da renda. E o resultado apresentado na Tabela 4 é surpreendente. Entre 1999 e 2006 a Letônia, a Estônia e a Eslováquia cresceram a renda a taxas que lembram a China, nos últimos três anos. Para comparar, entre 1980 e 2006, ou em 27 anos, a economia do Brasil cresceu 73%. Já a Estônia e a Letônia cresceram mais de 94% em apenas oito anos... Os demais países listados também tiveram desempenhos muito favoráveis, acima do crescimento mundial. E mesmo a Irlanda, conhecida por sua pobreza, está ficando rapidamente rica.
Vale lembrar que estes países praticamente não têm crescimento da população, ao contrário do Brasil. Logo, quando a renda cresce, cresce em igual magnitude a renda per capita. Portanto, cresce vigorosamente o poder de consumo.
Tabela 4. Crescimento da Renda Nacional em países selecionados. 1999 e 2006 (em%).

Fonte: Eurostat. Cálculos do autor
Conhecendo o ado de pobreza desses dez novos países da UE e tomando conhecimento do crescimento veloz de suas rendas nacionais cabe, então, buscar informações sobre o consumo per capita de leite nesses países. Infelizmente, os dados oficiais disponíveis retratam somente os países que compõem a EU-15 e não os novos. Mas, é de se supor que tenha ocorrido forte crescimento do consumo no âmbito da nova UE, com as novas incorporações, pois, em 2004 os estoques comunitários de Manteiga da UE-25 era de 254,5 mil toneladas. Em 2005 os estoques caíram para 162,6 mil. Em 2006 caíram ainda mais, para 122,4 mil.
A situação foi mais radical para o Leite Desnatado. Em 2004 os estoques comunitários eram de 182 mil toneladas. Em 2005 caíram para 42,9 mil. Já em 2006, quando começa a ascensão dos preços internacionais, os estoques comunitários foram de, simplesmente, zero!
Vamos analisar uma última variável, ou seja, a atuação da União Européia no mercado externo. A Tabela 5 reproduz dados deste Bloco e o Restante do Mundo, entre os anos de 1999 e 2005. O volume de Leite em Pó Desnatado caiu entre 2003 e 2005. Mas, proporcionalmente, a queda foi menor na UE-25. Na série de dados de sete anos apresentada a UE-25 foi responsável, em média, por 20,8% das exportações mundiais. Todavia, em 2005 foi de 21,5%. Para Pó Integral a média foi de 32,0%, mas em 2005 foi 35,4%.
Também as exportações de Queijo foram relativamente maiores em 2005, quando se compara com o resto do Mundo. Naquele ano a UE-25 exportou 46,2% do total mundial, quando a média da série foi de 33,8%. Por fim, a participação mundial nas exportações de Condensado, em média, foi de 44,4%, enquanto que em 2005 foi de 55,7%.
Tabela 5. Exportações de Leite e Derivados em mil toneladas. 1999 - 2005.

Fonte: Eurostat (2007)
Em síntese, a entrada de mais dez países na União Européia não aumentou significativamente a oferta de leite naquele Bloco, mas o consumo de leite dentro do Bloco cresceu significativamente, pois a renda per capita do conjunto dos 25 países cresceu 54% em dez anos, fruto do expressivo crescimento econômico ocorrido nos países mais pobres, ou seja, os dez novos países. Portanto, a capacidade de consumir leite cresceu significativamente no Bloco.
Ademais, o processamento de leite caiu no Bloco nos últimos anos, embora a participação relativa do Bloco no mercado internacional tenha aumentado. Tudo isso levou a uma redução muito forte dos estoques comunitários a partir de 2004.
Além disso, é possível que esteja em curso uma reposição da União Européia no mercado internacional, ao reduzir a produção de Leite em Pó e ao se fixar na comercialização de produtos de maior valor agregado, como queijos. Se assim for, é possível que a retirada de subsídios para esta modalidade de leite tenha vindo para ficar, o que é bom para o Brasil, que tem competitividade na exportação de commodities.