Dos três principais componentes do leite, a gordura pode ser alterada em até 3 pontos percentuais, a proteína muito menos, sendo alterada na ordem de um quinto da gordura, e a lactose menos ainda. Neste radar será abordado os fatores dietéticos que afetam maléfica e/ou beneficamente a composição do leite.
Carboidratos
Os carboidratos da dieta exercem grande efeito sobre a concentração de gordura do leite, principalmente devido à alteração do padrão de fermentação ruminal (Tabela 1).
Tabela 1. Fatores relacionados aos carboidratos e seus efeitos na variação do teor de gordura.

Os carboidratos da parede celular (celulose e hemicelulose) estão mais relacionados com a produção de ácido acético e butírico pelas bactérias ruminais, enquanto que os carboidratos do citoplasma (solúveis) estão mais relacionados com a produção de ácido propiônico.
Os ácidos graxos constituintes da gordura do leite, com até 16 carbonos, são sintetizados pelas células secretoras a partir do ácido acético e butírico. Os ácidos graxos com mais de 16 carbonos são obtidos diretamente do sangue, oriundos da dieta ou da mobilização das reservas corporais.
Sendo assim, o teor de gordura do leite possui relação positiva com a concentração molar de ácido acético e butírico no rúmen, e possui relação negativa com a concentração de ácido propiônico. As modificações dietéticas que afetam a fermentação ruminal incluem a concentração de carboidratos não estruturais na dieta (ou relação volumoso:concentrado), e o tipo de carboidrato oferecido.
Relação volumoso:concentrado
Em geral, o aumento do concentrado da dieta ocasiona maior produção de propionato, maior produção de ácido lático, redução no pH ruminal, e menor produção de acetato no rúmen. A queda do pH pode levar a diminuição da atividade das bactérias celulolíticas, afetando a digestibilidade da fibra.
A mudança no padrão de fermentação pode levar a um decréscimo no teor de gordura do leite. Entretanto, para que o ácido propiônico exerça efeito significativo sobre o teor de gordura deve estar em porcentagem molar maior do que 25% (Linn 1991).
Existe uma relação positiva entre a taxa molar Acetato/Propionato e o teor de gordura do leite (Figura 1). Ocorre um aumento linear na gordura do leite à medida que a taxa Acetato/Propionato cresce até 2,2. Acima de 2,2 ocorre pequeno aumento no teor de gordura do leite (Linn, 1991).

Figura 1. Relação entre a taxa ruminal Acetato/Propionato e o teor de gordura do leite.
A relação volumoso:concentrado crítica, levando em conta os fatores acima citados, parece ser de 40:60. Abaixo desta relação o acréscimo do concentrado pode levar a reduções drásticas no teor de gordura do leite (Tabela 2). Um teor mínimo de 22% de FDA na matéria seca da dieta seria necessário para a manutenção do teor de gordura do leite (Sutton, 1989).
Tabela 2. Efeito da relação volumoso:concentrado sobre a fermentação ruminal.

O tamanho da fibra também é importante para a determinação do teor de gordura do leite. Fibras de tamanho extremamente reduzido podem diminuir o estímulo à ruminação e à produção de saliva, diminuindo o pH ruminal e aumentando a concentração de propionato, levando à produção de leite com menores teores de gordura (Emery, 1991 - Tabela 3).
Tabela 3. Efeito do Tamanho de Partícula da Fibra sobre a Porcentagem de Gordura do Leite.

O tamanho médio mínimo de partículas de forragem para prevenir a queda do teor de gordura do leite parece se situar entre 0,6 a 0,8 cm. Abaixo deste valor pode ocorrer queda substancial do teor de gordura do leite (Sutton, 1989).
Outro fator indireto do propionato sobre o teor de gordura do leite seria, segundo Emery (1991), seu efeito sobre a secreção de insulina. Por ser glucogênico, estimularia a secreção de insulina e o desvio de acetato da glândula mamária para o tecido adiposo, uma vez que o tecido secretor da glândula mamária não é sensível a insulina, diminuindo o aporte energético. No entanto, estudos recentes (Neville e Picciano, 1997) demonstraram que vacas submetidas a altos níveis plasmáticos de insulina não apresentaram alteração na síntese de gordura do leite.
Estes autores em trabalho de revisão sugerem que ácidos graxos trans podem ser responsáveis pela redução do teor de gordura do leite. Certas dietas, ricas em grãos, resultariam em hidrogenação incompleta do C18:2 e aumentariam a absorção de trans-C18:1. Apesar de não haver evidências diretas para este fato, os autores sugerem que o trans-C18:1 poderia reduzir a atividade da esteril-CoA desaturase, acetil-CoA carboxilase e acil transferases nas células secretoras, causando depressão da neosíntese de ácido graxos e da incorporação de ácidos graxos aos triglicerídeos (que compõem 98% da gordura do leite) (Neville e Picciano 1997).
Ao contrário do efeito sobre o teor de gordura do leite, o aumento no consumo de energia digestível, devido ao maior fornecimento de concentrados na dieta, leva a maior fermentação ruminal, maior produção de ácido propiônico, maior produção de proteína microbiana e aumento no teor de proteína do leite.
O aumento no teor de proteína do leite ocorreria devido a maior disponibilidade de precursores glucogênicos no sangue (propionato), diminuindo a necessidade de gluconeogênese a partir de aminoácidos (glutamato), aumentando a disponibilidade dos aminoácidos para a síntese protéica na glândula mamária.
Emery (1978) reportou um aumento de 0,015% no teor de proteína do leite para cada megacaloria adicional de energia líquida consumida.