O principal produto deste sistema é o leite, e por ser indispensável à alimentação e saúde humana, também exerce importante função social. Fato esse que, associado a menor produção no período de entressafra, faz com que se recorra a importações de leite e produtos lácteos. Parece óbvio que para solucionar tal problema um bom ponto de apóio é a melhoria dos índices zootécnicos, os quais devem ser seguidos da avaliação correta dos animais e o estabelecimento de critérios de seleção condizentes com a pecuária leiteira nacional.
A produção total de leite (PL) numa lactação (305 dias) tem sido considerada a característica mais importante em um programa de melhoramento de gado leiteiro. No entanto, essa visão simplista pode trazer pouco ganho (em genética ou em produtividade) ao sistema como um todo, sendo necessário entender a sua associação com outras características produtivas e reprodutivas, bem como analisar como estas se comportam quando a seleção é praticada para PL.
Tal relação está sujeita às variações na atividade reprodutiva, pois um menor intervalo de partos pode estar associado a maior produção de leite na vida produtiva do animal, além do possível aumento no número de animais nascidos por ano. Até recentemente, a produção de leite e as características reprodutivas eram estudadas separadamente, porém a importância e o grau de associação entre elas, como indicadoras de eficiência do processo produtivo, resultaram no aparecimento de maior número de trabalhos sobre o assunto, que exploram a análise conjunta.
A análise conjunta, sob uma visão pluralista, pode proporcionar maior rentabilidade econômica e ainda aumento da intensidade seletiva, maiores ganhos genéticos e maior rentabilidade do sistema produtivo.
Nos últimos anos, com a criação do "Programa Nacional de Melhoria da Qualidade de Leite" no Brasil, em 1996, algumas mudanças ocorreram no setor leiteiro, dentre elas o acompanhamento da qualidade do leite por meio de análises laboratoriais. Em julho de 2005 entrou em vigor a Instrução Normativa 51 (IN-51/2002), que diz respeito à qualidade do leite e preconiza que este deve ser analisado de acordo com requisitos quanto a padrões mínimos de composição, contagem de células somáticas (CCS), contagem bacteriana total (CBT) e presença de resíduos de antibióticos (BRASIL, 2002).
Tal programa surgiu, entre outros fatores, pelas exigências por parte dos consumidores sobre a qualidade dos produtos e, portanto, sobre a indústria de laticínios. Isto naturalmente, com iniciativas da indústria, pode estimular os produtores a se empenharem para produzir leite de melhor qualidade, influenciando no uso de melhores genótipos e no aumento da importância dos programas de melhoramento. Além disso, a própria forma de bonificação oferecida pela indústria processadora, a qual institui limites muito mais severos que os oficiais, podem fazer com que os produtores se motivem a produzir leite de melhor qualidade, utilizando entre outras ferramentas o melhoramento genético.
Neste sentido, sabe-se que para suprir a demanda por produtos lácteos em quantidade e qualidade é necessário que as perdas na produção de leite causadas pela alta contagem de células somáticas sejam quantificadas, considerando é claro as condições em que os nossos rebanhos são explorados. Menores valores de CCS estão associados a menor incidência de mastite clínica, que possui forte impacto sobre o custo de produção, maiores porcentagens de gordura e de caseína, o que é muito bem visto pela indústria de lacticínios, pois leva a maiores rendimentos na fabricação dos produtos lácteos e aumento na vida de prateleira de tais produtos.
A literatura científica tem relatado coeficientes de herdabilidade para CCS variando de 0,08 a 0,19. Apesar de moderados, podem permitir o melhoramento da qualidade do produto entregue às indústrias processadoras. Além disso, a CCS tem sido usada como indicadora de resistência à mastite em programas de seleção, uma vez que a correlação genética entre essas duas características é de aproximadamente 0,7.
Sendo a mastite a doença mais onerosa em uma propriedade leiteira, adicionar a contagem de células somáticas ao programa de seleção pode trazer benefícios não só à qualidade do leite, mas também ao bem-estar animal. Conseqüentemente, pode melhorar o retorno econômico da atividade leiteira, pois deve contribuir com a redução no custo da saúde. Algumas correlações genéticas entre a resistência à mastite e algumas características produtivas podem ser visualizadas na Tabela 1.
Tabela 1. Coeficiente de herdabilidade das características produtivas e suas respectivas correlações genéticas com a resistência à mastite.

Ainda baseando-se nas exigências de mercado e no sistema de produção a ser adotado pelo criador, o melhoramento genético deve priorizar não apenas o aumento do volume de produção, mas também o aumento dos sólidos do leite, principalmente a proteína, visto que o consumidor tem se preocupado cada vez mais com a saúde, principalmente com as doenças cardiovasculares, as quais parecem estar diretamente relacionadas ao consumo abusivo de gordura. Essas características, proteína e gordura, possuem herdabilidades de 0,20 a 0,30, que podem permitir ganhos genéticos importantes em poucas gerações de seleção.
Salienta-se, no entanto, que a seleção para altas porcentagens de gordura e proteína devem estar associadas a bons patamares em volume de produção leiteira, pois a produção de leite tem correlação alta e negativa com o teor de sólidos do leite, chegando a magnitudes de -0,7, evitando-se perdas indiretas em volume de produção. Algumas correlações entre as características produtivas e ECS estão ilustradas na Tabela 2.
Tabela 2. Correlações entre algumas características produtivas e escore de células somáticas (ECS).

Logo, seguindo a tendência mundial de maior valorização dos sólidos do leite, como nos EUA, Nova Zelândia, Holanda e Dinamarca entre outros, algumas indústrias e cooperativas brasileiras, apesar de tardiamente, também incluem em seus programas de pagamento os teores de proteína e gordura como uma forma de satisfazer as exigências e a tendência de um mercado consumidor "exigente".
Portanto, compreender a relação entre os fatores qualitativos, genéticos e ambientais que atuam sobre a produção de leite pode trazer resultados significativos à produção e à rentabilidade, sobretudo com uma relação equilibrada e sustentável entre produtividade e qualidade.
Referências:
HINRICHS, D, STAMER, E, JUNGE, W, et al Genetic Analyses of Mastitis Data Using Animal Threshold Models and Genetic Correlation with Production Traits. J. Dairy Sci., v. 88, p.2260-2268, 2005
IKONEN, T, MORRI, S, TYRISEVA, A-M, et al. Genetic and Phenotypic Correlations Between Milk Coagulation Properties, Milk Production Traits, Somatic Cell Count, Casein Content, and pH of Milk. J. Dairy Sci., v. 87, p.458-467, 2004.