O IBGE divulgou o Índice Preço ao Consumidor Amplo - IPCA de junho. Os preços dos produtos e serviços consumidos no Brasil caíram em -0,21% em relação a maio. Isso significa que o custo de vida das famílias está em queda. Qual foi o desempenho do leite neste levantamento?
Avisos a você, leitor. Nas linhas que se seguem irão aparecer vários percentuais de variação de preços. Se você não está familiarizado com este tipo de leitura, você será tentado a não continuar a ler. Mas, há coisas na vida que temos de acostumar pelo treino. Lembre-se que, quando pequeno, você não gostava de lavar a cabeça e escovar os dentes. Hoje, isso é prazeroso, não?
O que pretendo analisar é o comportamento de preços de derivados lácteos no varejo. E é fundamental que comecemos a acompanhar esse mercado, sendo nós laticinista, técnico ou produtor. Afinal, os anos noventa foram o momento para olhar para dentro da porteira. Esta década é o momento de olhar para fora dela. E já que falamos tanto em cadeia, que tal dar uma olhada no que está acontecendo lá na ponta? Seguramente haverá reflexos no seu negócio...
Para facilitar o entendimento, ao final do texto, há uma tabela que resume todos os valores citados. Além disso, existe uma série de gráficos que ilustram o comportamento de preços. Sugiro que leia cada parágrafo olhando esta tabela e os gráficos, ao final, que estão construídos tendo como índices de base 100, para facilitar a análise de variação percentual. Convido-o a uma leitura mais densa que o normal nesta coluna, mas necessária para quem quer e precisa estar "antenado" com o comportamento do mercado de varejo. Ao final, apresentarei algumas conclusões. Os preços recebidos pelos produtores têm como fonte o Cepea/Esalq/USP. Já os preços do varejo têm o IBGE como fonte. São oficiais e são usados para o cálculo do IPCA - Índice de Preços ao Consumidor Amplo, que é o indicador usado pelo Governo como referência para tomada de decisões, dentre elas, a taxa de juros e reajuste de contratos.
Em junho, os preços dos derivados lácteos no varejo tiveram queda de -0,54% em relação a Maio. Este desempenho é surpreendente. Afinal, Junho é mês de entressafra e o que se espera é que os preços no varejo subam, motivados pela elevação de preços da matéria-prima. Seria isso sinal de que o varejo estaria com dificuldades na comercialização de produtos lácteos? Ou seria um mero retardo temporal na transmissão de preços entre o preço ao produtor e ao consumidor? Ou será que os preços no varejo estão apenas acompanhando os preços ao produtor? Nesse caso, a hipótese é que os preços ao produtor se mantiveram estáveis nos últimos seis e dois meses. Será? Qual foi o comportamento dos preços recebidos ao produtor neste ano e entre junho deste ano e do ano ado?
Pela tabela abaixo e o gráfico 1, fica evidente que os preços tiveram uma queda entre junho de 2005 a janeiro de 2006. A queda foi de - 23,4% nesse período. Mas, a partir daí os preços voltaram a crescer, embora não tenham recuperado o patamar de Junho de 2005.
È bom lembrar, contudo, que os preços em Junho do ano ado estavam acima do padrão dos últimos anos. Outra informação relevante é que, neste ano de 2006 os preços recebidos pelo produtor já acumulam um crescimento de +16,4%, que é uma recuperação considerável para seis meses, ainda mais quando se verifica que a inflação medida pelo IPCA foi de +1,54%. Portanto, os preços ao produtor subiram mais de dez vezes que o aumento do Custo de Vida. Já para o conjunto de alimentação, o quadro é diferente, pois comer no Brasil está mais barato este ano em -0,61%. A conclusão que se chega para um período maior, ou seja, entre junho de 2005 e junho de 2006, é que o Custo de Vida subiu +4,03% e a alimentação caiu -1,32%.
No conjunto dos Derivados Lácteos, os preços subiram no varejo em média de +1,81% nestes seis meses. Portanto, estão ganhando da inflação em 2006, mas perdem quando se analisa o comportamento de preços de junho de 2005 a junho de 2006, pois estes ficaram mais baratos em -6,63%. Além disso, os preços do conjunto dos produtos lácteos subiram muito menos no varejo que os preços da matéria-prima ou preços ao produtor, ao longo deste ano.
Já para Leite Fluído, o crescimento de preços no varejo esse ano (+7,31%) foi quase quatro vezes maior que o crescimento da inflação este ano (+1,54%), e menos da metade que a elevação de preços recebidos pelos produtores (+16,38%). Mas, em junho de 2006 os preços desse produto no varejo ficaram menores que junho de 2006. Por outro lado, o caso do Leite em Pó é muito interessante, pois apresentou uma considerável queda nos seis primeiros meses deste ano (-6,67%), fato similar ao Leite Condensado e Creme de Leite. Esses produtos amargam perdas no ano de 2006 e entre junho de 2005 e junho de 2006.
O Iogurte, que já foi visto como o símbolo do Plano Real em sua primeira fase, ainda nos meados dos anos noventa, amarga perdas consideráveis, tanto neste ano, quanto numa comparação de preços praticados em junho deste ano com junho do ano ado. Os preços da Manteiga não tiveram comportamento muito diferente.
Já os vários tipos de Queijos e Requeijão apresentaram um desempenho desanimador, sob a ótica da cadeia. Afinal, todos eles acumularam retração de preços no varejo em 2006. Se, em junho, estivessem sendo vendidos no varejo a preços de janeiro, já seria um desempenho ruim. Afinal, espera-se que junho haja maior propensão a consumir queijo que em janeiro e, portanto, esperam-se preços maiores. Ademais, o preço da matéria-prima teve aumento considerável, como já foi mostrado. E, além disso, ocorreu inflação no período (+1,54%). Mas, o comportamento não foi nem de estabilidade de preços. O que ocorreu, mesmo, foi queda de preços. O único produto a apresentar desempenho favorável de preços foi o Doce de Leite, cujos preços superaram a inflação este ano e também nos últimos doze meses.
Pelos dados apresentados, verifica-se que o preço ao produtor reagiu bem neste primeiro semestre do ano, pois cresceu mais de 16%, contra uma inflação que ficou em torno de 1,5%. Para a indústria de processamento, isso significa elevação de custos. Nada mal, se for possível rear esse aumento de custos para o consumidor. Mas, excetuando-se o leite fluido e o doce de leite, os demais produtos lácteos tiveram queda de preços no varejo. Portanto, é de se supor que o faturamento dos laticínios tendeu a encolher nestes seis primeiros meses do ano. Afinal, seria impensável supor que os laticínios conseguiram rear o aumento do custo de processamento (pela elevação do preço do leite ao produtor) para o varejo e este "morreu com o mico". Se o varejo não está aumentando os preços dos produtos lácteos, é sinal que não está encontrando margem para fazê-lo.
Tudo isso pode mudar a partir de julho. Aqui, no município de Juiz de Fora, os jornais já noticiaram a elevação de preços do leite fluido, com estardalhaço. E o fizeram comparando os preços de uma rede de supermercados, em quinze dias. Qual o valor científico dessa pesquisa? Nenhuma, pois não é representativa. É necessário esperar o fechamento do mês, quando teremos resultados de pesquisas confiáveis. Mas, entendo que uma possível elevação de preços no varejo, é bom para a cadeia, pois não é possível pensar em elevação sustentável de preços ao longo da cadeia, sem que haja, primeiro, aumento lá na ponta, no varejo.
Tabela 1. Comportamento de Preços de Leite e Derivados. Brasil.
Gráfico 1. Comportamento de Preços de Leite e Derivados. Brasil. Junho/2005 a Junho/2006.
(a) Preço ao Produtor
(b)IPCA e Alimentação e Bebidas
Obs: Linhas vermelhas reproduzem comportamento do IPCA; linhas azuis, a variável em análise.
(c) Conjunto Leite e Derivados
(d) Leite Pasteurizado
(e) Leite em Pó
(f) Iogurte
(g) Queijo Minas
(h) Prato
(i) Mussarela
(j) Manteiga
(k) Condensado