zootécnica: o controle leiteiro na raça Holandesa. Alguma lição? | MilkPoint" />

Reflexões sobre a gestão zootécnica: o controle leiteiro na raça Holandesa. Alguma lição?

Publicado em: - 9 minutos de leitura

Ícone para ver comentários 2
Ícone para curtir artigo 0

A partir dos anos 90, várias mudanças estruturais foram apontadas como indutoras do aumento da produção de leite no Brasil, que alcançou a taxa de 4,1% ao ano entre 1990 e 2004. Apesar deste crescimento, o aumento da produtividade, a melhoria da qualidade e a gestão da atividade se apresentam como desafios para se alcançar sustentabilidade e competitividade no agronegócio do leite em geral e no seu segmento produtivo em particular.

Em 2004 a FAO estimou a população de vacas ordenhadas em 20,5 milhões, que para uma produção total de 23,4 bilhões de litros significou uma produtividade média de 1138 l/vaca. Sabe-se que os sistemas de produção de leite no Brasil são muito variados. Há desde aqueles intensivos em uso de insumos e mão-de-obra, com animais das raças leiteiras especializadas e os extensivos, caracterizados por baixo uso de insumos, uso incipiente da inseminação artificial, com animais mestiços, não necessariamente oriundos de cruzamentos orientados. Nos sistemas semi-intensivos, a alimentação se baseia no manejo adequado das pastagens, com suplementação volumosa e de concentrados, e animais de maior potencial genético para a produção de leite. Os animais oriundos de cruzamentos entre as raças européias e zebuínas, e da raça Girolando são predominantes, mas a participação da raça Holandesa é numericamente maior entre as raças européias.

A Associação Brasileira de Criadores de Bovinos da Raça Holandesa foi fundada em 1934 e atualmente congrega as associações estaduais de criadores afiliadas. Como atribuições estatutárias ou regimentais, elas executam os serviços de controle leiteiro, de genealogia e classificação linear, além de promover a raça, principalmente por meio da promoção de exposições e participação em feiras agropecuárias. A despeito da contínua importação de sêmen de diversos países, norte-americanos e europeus principalmente, não há um programa de seleção definitivamente em execução pela ABCBRH e suas afiliadas.

No período de 1981 a 2001, 1789 rebanhos participaram dos Serviços de Controle Leiteiro da ABCBRH e suas afiliadas. Neste período o número de criadores participantes aumentou até 1994, quando se atingiu 747 rebanhos e 36.544 vacas em controle, respectivamente. Após este ano observou-se uma redução contínua em 35,6% e 18,0% no número de rebanhos e de animais (Tabela 1). Um em cada três rebanhos se afastou do controle leiteiro, um decréscimo aproximado de 4,6% (36 rebanhos) por ano. Em 2001 havia 481 rebanhos da raça Holandesa participando do controle leiteiro.

Tabela 1. Número de rebanhos e lactações, desempenho médio das características produtivas, duração da lactação e idade das vacas da raça Holandesa em controle leiteiro no período 1981/2001 (Fonte: ABCBRH/SCL, Embrapa Gado de Leite).

Figura 1

Uma análise retrospectiva aponta que em 1985 o então Ministério da Agricultura (MA) decidira estimular o melhoramento genético dos rebanhos, com uma diretriz focada no controle leiteiro, inseminação artificial e organização de bancos de dados (foram criados os Arquivos Zootécnicos Nacionais para espécies e aptidões - bovinos de corte e de leite, caprinos e bubalinos, entre outras). Algumas associações de criadores se mobilizaram e obtiveram apoio financeiro para organizar a sua infra-estrutura computacional e implementaram os seus serviços de controle leiteiro. O Ministério da Agricultura reteve para si a incumbência de realizar as avaliações genéticas oficiais, com o apoio de Unidades da Embrapa. Estas, por sua vez, associaram-se às Universidades para desenvolver importantes projetos de pesquisa para implementar novos métodos nos processos das avaliações genéticas. Estava instalada a base para se desenvolver os programas de registro de desempenho e melhoria genética das raças criadas no País.

As mudanças estruturais da década de 90 resultaram, para as Associações de Criadores, na retirada do apoio financeiro do então Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento - Mapa, sob alegação de dificuldades ou limitações orçamentárias. A despeito disso, as Associações de Criadores mantiveram os seus Serviços de Controle Zootécnico (além do tradicional Registro Genealógico), certamente com aumento de seus custos, mas com raras exceções, sem as necessárias atualização e inovação nos processos computacionais e gerenciais. Neste cenário, os criadores, quando afetados pelo baixo preço do leite, reclamavam da qualidade dos serviços; de relatórios não informativos para suas decisões de manejo e controle dos custos da atividade, e se afastavam, com descontinuidade e perda de informações nos controles zootécnicos.
Continua depois da publicidade
Na Figura 1 observa-se a tendência do número de rebanhos, produção de leite/lactação de 305 dias e números de lactações controladas/rebanho (uma aproximação do tamanho dos rebanhos) na raça Holandesa no Brasil. Entre 1981 e 2001 a produção/lactação aumentou 46,7% alcançando 7.254 kg em 2001, uma tendência fenotípica anual de ~ 4,0%. Este aumento foi alcançado com um crescimento simultâneo de 154% do número de vacas/rebanho.

Figura 2

Figura 1 - Produção de leite por lactação, número e tamanho dos rebanhos em controle leiteiro no Brasil no período de 1981 a 2001 (Fonte: SCL / ABCBRH e filiadas).

Muito interessante (e conforme esperado), estas tendências coincidiram com as mudanças observadas nos anos recentes nas propriedades leiteiras associadas às maiores indústrias de laticínios do Brasil (Figura 2). Entre 1997 e 2001, observou-se a redução de 35,3% no número de propriedades, mas o aumento de 77% na produção/produtor/dia e de ~ 15% no volume total de leite captado. Esta tendência que segue os padrões internacionais, no sentido de maior especialização na atividade, aponta para a contínua redução no número de rebanhos e seu aumento de tamanho, na busca de maior produção ou escala. A permanência na atividade leiteira demanda eficiência gerencial, maior produtividade, qualidade e escala de produção.

Figura 3

Figura 2 - Evolução da recepção anual, do número de produtores e da produção diária de leite/produtor nas principais empresas de laticínios do Brasil no período 1997/2001.

Tendências Regionais

As características dos rebanhos e vacas da raça Holandesa em controle leiteiro no período 1981/2001, distribuídas por regiões geográficas, estão apresentadas na Tabela 2. Houve um declínio de 17 para 11 Estados participando do controle leiteiro no País. Observa-se ainda que a produção média decresce da região Nordeste para a região Sul, o que pode ser explicado por melhores condições climáticas e muito provavelmente por maior adoção de tecnologias (manejo, alimentação e qualidade das forragens) nos sistemas de produção.

A Tabela 2 ainda permite observar que apenas 27% dos rebanhos estavam ativos no controle leiteiro em 2001. De modo geral, quatro estados - Paraná (PR), Minas Gerais (MG), São Paulo (SP) e Goiás (GO) - concentraram 93,3% dos rebanhos e naquele ano representaram 58,4% do total da produção de leite nacional. Os estados do PR e MG são os dois primeiros com, 43,8% e 25,8% dos rebanhos em controle. Minas Gerais respondeu por 29,1% da produção nacional em 2001. Apesar do declínio observado após 1994, a participação das regiões sul-sudeste não alterou, significando 93,5% dos rebanhos em controle leiteiro e 67% da produção nacional em 2001.

Exceto para o estado de Goiás, onde se observou um aumento, e para MG uma estabilidade, em todos os outros estados houve redução do número de rebanhos em controle. Os estados do RS e SP apresentaram as maiores reduções no número de rebanhos em controle, com 73% e 53% respectivamente. Pode-se atribuir à queda no preço do leite e maior rentabilidade das lavouras de soja e cana-de-açúcar as razões para tais reduções (ou abandono da atividade) nestes estados.

Tabela 2. Número de rebanhos e lactações, desempenho médio das características produtivas, duração da lactação e idade das vacas da raça Holandesa em controle leiteiro, por regiões e estados do Brasil, no período 1981/2001 (Fonte: ABCBRH/SCL, Embrapa Gado de Leite).

Figura 4

O Cenário Recente

Durante o período 1981/2001 a produção de leite nacional foi insuficiente para atender à demanda doméstica (o consumo per capita aumentou para ~ 130 l/habitante/ano), o que resultou na importação de produtos lácteos ao redor de 8-10% da produção nacional, na segunda metade da década de 90. A partir do ano 2000 observa-se uma tendência de crescimento das exportações, que têm ainda se mostrado consistente.

O Mapa introduziu em 2002 a normatização dos processos de identificação e registro de animais, por exigência dos países importadores, particularmente da União Européia, implementando o SISBOV na pecuária de corte. Desafortunadamente foi ignorada as atividades inerentes às Associações de Criadores, experientes em registro e identificação animal, na implementação deste importante processo, caracterizado por inúmeros equívocos e muita polêmica. A pecuária leiteira ainda está à margem, com a vantagem de ter na aquisição de experiência e superação de equívocos, uma maior flexibilidade e ajustes para a possível participação das associações de criadores quando de sua extensão à cadeia produtiva do leite. A rastreabilidade é uma das condições necessárias para a competitividade de qualquer produto no mercado internacional, face às questões sanitárias e da segurança alimentar. É atributo fundamental para a certificação de origem e qualidade e rotulagem dos produtos ofertados ao consumo.

Talvez a decisão mais importante para a cadeia produtiva do leite, nos anos recentes, tenha sido o lançamento do Programa Nacional de Melhoria da Qualidade do Leite - PNQL. Neste contexto, foi fundamental o apoio do Mapa para a adequação da infra-estrutura dos laboratórios então existentes e a criação da Rede Brasileira de Laboratórios de Controle da Qualidade do Leite - RBQL. Neste ano mais dois foram instalados na região Sul e, atualmente, a RBQL caracteriza-se por nove laboratórios. Tal infra-estrutura é fundamental para se viabilizar a implementação da Instrução Normativa 51. Tal normativa deve ser vista como instrumento orientador e para referenciar oficialmente os padrões qualitativos do leite produzido no País e os mecanismos de pagamento ao produtor por critérios de qualidade (o que estrategicamente já vem sendo adotado por várias indústrias e cooperativas de leite).

Expectativas

As orientações oficiais sobre a rastreabilidade e a IN 51, associadas ao aumento do tamanho dos rebanhos e à necessidade de modernizar os processos de controle zootécnico e acompanhamento de custos da atividade, indicam que o produtor de leite, para gerenciar com eficiência o seu negócio, depende de informações para a tomada de decisões. Informações demandam que se registre os fatos, os dados!

É preciso que se busque uma forma de se fortalecer as ações do controle zootécnico e a prestação deste serviço aos produtores de leite. As associações de criadores têm vasta experiência nos registros de animais - genealogia e controle leiteiro - o que vêm de encontro às orientações para a rastreabilidade e IN 51. Há uma oportunidade para se fortalecer a sua tradicional atuação, estimulando a inserção dos produtores associados às cooperativas e indústrias de laticínios no universo de suas atribuições. O aumento da escala na prestação de seus serviços pode resultar na redução de seu custo unitário, o que estimularia a sua adoção por mais produtores, criando um circulo virtuoso. Além dos benefícios na gestão da atividade, no acompanhamento dos indicadores técnicos, pode-se lograr maior eficiência econômica ao se obter maior remuneração pelo pagamento por melhor qualidade do leite, cujo maior rendimento no processamento e atendimento aos padrões do mercado internacional de lácteos, é de interesse das indústrias.

Os benefícios dos registros zootécnicos são evidenciados pelas informações apresentadas na Tabela 3. Um comparativo entre rebanhos com contínua participação (dez ou mais anos) e pouca ou recente participação (cinco ou menos anos) no controle leiteiro, indica diferenças superiores a 10% nas características de desempenho dos animais. Tal superioridade resulta certamente da disponibilidade de informações para as decisões de manejo, descarte e seleção dos animais nos rebanhos. Tal superioridade deve resultar também em maior rentabilidade.

Tabela 3 - Número de lactações e respectivas médias e desvios-padrão, e diferenças (Δ) no desempenho produtivo e idade das vacas de rebanhos da raça Holandesa com até cinco ou com dez ou mais anos de participação em controle leiteiro, ativos no ano de 2002 (Fonte: ABCBRH).

Figura 5

Se indispensáveis para a gestão do negócio, os registros da produção dos animais são fundamentais para o programa de promoção e seleção das raças leiteiras, importante para o aumento da produtividade nas condições de produção e de mercado nacionais.
Ícone para ver comentários 2
Ícone para curtir artigo 0

Material escrito por:

Claudio Napolis Costa

Claudio Napolis Costa

Zootecnista, UFV 1977 MS Zootecnia, UFV 1980 Ph. D. Melhoramento Animal, Cornell University 1998 Pesquisador Embrapa Gado de Leite

ar todos os materiais

Deixe sua opinião!

Foto do usuário

Todos os comentários são moderados pela equipe MilkPoint, e as opiniões aqui expressas são de responsabilidade exclusiva dos leitores. Contamos com sua colaboração.

Roberto Jank Jr.
ROBERTO JANK JR.

DESCALVADO - SÃO PAULO - PRODUÇÃO DE LEITE

EM 03/10/2005

Parabenizo Cláudio Nápolis pelo artigo. Além de estarmos perdendo dados e famílias de vacas melhoradoras, cada vez ficamos mais distantes da avaliação nacional de progênies de touros em nosso ambiente de produção. Nossa escravidão aos testes de progênie estrangeiros para a utilização de touros melhoradores nos distanciam da potencial solução nacional para a genética da raça holandesa em nossas condições.



Concordo com a idéia de que precisamos registrar dados oficiais.



Medidas incentivadoras para a escrituração zootécnica deveriam ser estudadas pelo setor. Gostaria de incentivar a Embrapa a propor um estudo ao setor, através das associações de raça (que por sinal poderiam ser unificadas), para a recuperação dos trabalhos com o setor primário e que venha a estimular a escrituração zootécnica incluindo genealogia e registro oficial de produção.
Cleber Medeiros Barreto
CLEBER MEDEIROS BARRETO

SOBRAL - CEARÁ - PROFISSIONAIS DE CIÊNCIAS AGRÁRIAS

EM 30/09/2005

Para quem quer: Muitas lições!



Quando vemos uma atividade econômica, num país como o nosso em franca possibilidade de afirmação como um negócio atrativo (LEITE), ainda existem pesquisadores "profissionais" , talvez tentando justificar os seus salários que insistem em atribuir a atual conjuntura do setor a um tipo de animalzinho A ou B ou digamos preto, vermelho encarnado e suas várias combinações, seja lá o que for, fato muito parecido com o que ocorre aqui nas academias do Nordeste, que não sei porque raios elegeram os ovinos e caprinos como a redenção do semi-árido, relegando outros potenciais pecuários a um terceiro plano ou mais drasticamente a quase nenhum. O nosso desabafo é no sentido de comentar que de fato o grande Brasil rural necessita sim de profissionalismo, como outras atividades já demonstraram, e que com o leite penso que não poderia ser diferente. Precisamos sim, de produtores (investidores), com seus negócios bem planejados, metas a serem atingidas que culmina na remuneração sobre o capital investido, até mesmo para a sobrevivência dos técnicos e consultores da área que fazem parte do grupo de interessados no negócio.



Talvez num futuro próximo, algumas associações de criadores de raças leiteiras, incluindo até as representantes das mais estranhas "convictas combinações" de cruzamentos (havendo demanda, fica a sugestão para uma nova disciplina na grade curricular dos cursos de zootecnia - Bovinocultura Mista), possam assumir uma nova postura, dando o real valor a Gestão Zootécnica no negócio LEITE, o que culminará, como mostram as tendências mundiais, na redução global do número de produtores e o aumento significativo da produção, com ganhos em qualidade da matéria prima e organização do setor.



Temos convicção que os atuais modelos de produção, além dos insistentes exercícios e manobras trabalhados por alguns setores da pesquisa brasileira no sentido de validar uma pecuária leiteira horizontal, onde aqui no Nordeste vemos com muita propriedade a total inviabilização de negócios pecuários que realmente há alguns séculos foram a mola propulsora (nossos anteados vaqueiros e agricultores que muito nos orgulham) do desenvolvimento, mas que nos dias atuais estão quase que relegados a um vício, bancado quase que sempre por um emprego público, aposentadorias (o Deputado Severino poderia montar uma fazendinha de gado misto), empresários e profissionais liberais urbanos bem sucedidos que "amam" o sertão e brincam de fazendinha com toda infra-estrutura e com o gado e o capim da moda, e por fim, a triste cena nordestina brasileira dos miseráveis agricultores de subsistência (nunca ouvi falar no termo pecuarista de subsistência) que com a ajuda de programas sociais conseguem sobreviver às precárias condições de vida e extrair um leitinho daquela vaquinha ou cabrinha (mais rústica) verminótica e magricela.



Parabéns ao Zootecnista Cláudio Nápolis pelo alerta, que serve para as mais diversas reflexões, que teve como exemplo o quase perdido controle leiteiro oficial na raça Holandesa no Brasil (poderia ser de todas as outras e seus cruzamentos, pelo nível de desorganização institucional generalizado), vítima, coitadinha, da vaquinha de pelagem preta e branca das incertezas e pouco profissionalismo dos atuais participantes da atividade leiteira no país que ainda buscam milagres para a salvação da lavoura, melhor dizendo, uma tentativa da vaca (o negócio) não continuar indo para o brejo.

Qual a sua dúvida hoje?

Reflexões sobre a gestão zootécnica: o controle leiteiro na raça Holandesa. Alguma lição?

Publicado em: - 9 minutos de leitura

Ícone para ver comentários 2
Ícone para curtir artigo 0

A partir dos anos 90, várias mudanças estruturais foram apontadas como indutoras do aumento da produção de leite no Brasil, que alcançou a taxa de 4,1% ao ano entre 1990 e 2004. Apesar deste crescimento, o aumento da produtividade, a melhoria da qualidade e a gestão da atividade se apresentam como desafios para se alcançar sustentabilidade e competitividade no agronegócio do leite em geral e no seu segmento produtivo em particular.

Em 2004 a FAO estimou a população de vacas ordenhadas em 20,5 milhões, que para uma produção total de 23,4 bilhões de litros significou uma produtividade média de 1138 l/vaca. Sabe-se que os sistemas de produção de leite no Brasil são muito variados. Há desde aqueles intensivos em uso de insumos e mão-de-obra, com animais das raças leiteiras especializadas e os extensivos, caracterizados por baixo uso de insumos, uso incipiente da inseminação artificial, com animais mestiços, não necessariamente oriundos de cruzamentos orientados. Nos sistemas semi-intensivos, a alimentação se baseia no manejo adequado das pastagens, com suplementação volumosa e de concentrados, e animais de maior potencial genético para a produção de leite. Os animais oriundos de cruzamentos entre as raças européias e zebuínas, e da raça Girolando são predominantes, mas a participação da raça Holandesa é numericamente maior entre as raças européias.

A Associação Brasileira de Criadores de Bovinos da Raça Holandesa foi fundada em 1934 e atualmente congrega as associações estaduais de criadores afiliadas. Como atribuições estatutárias ou regimentais, elas executam os serviços de controle leiteiro, de genealogia e classificação linear, além de promover a raça, principalmente por meio da promoção de exposições e participação em feiras agropecuárias. A despeito da contínua importação de sêmen de diversos países, norte-americanos e europeus principalmente, não há um programa de seleção definitivamente em execução pela ABCBRH e suas afiliadas.

No período de 1981 a 2001, 1789 rebanhos participaram dos Serviços de Controle Leiteiro da ABCBRH e suas afiliadas. Neste período o número de criadores participantes aumentou até 1994, quando se atingiu 747 rebanhos e 36.544 vacas em controle, respectivamente. Após este ano observou-se uma redução contínua em 35,6% e 18,0% no número de rebanhos e de animais (Tabela 1). Um em cada três rebanhos se afastou do controle leiteiro, um decréscimo aproximado de 4,6% (36 rebanhos) por ano. Em 2001 havia 481 rebanhos da raça Holandesa participando do controle leiteiro.

Tabela 1. Número de rebanhos e lactações, desempenho médio das características produtivas, duração da lactação e idade das vacas da raça Holandesa em controle leiteiro no período 1981/2001 (Fonte: ABCBRH/SCL, Embrapa Gado de Leite).

Figura 1

Uma análise retrospectiva aponta que em 1985 o então Ministério da Agricultura (MA) decidira estimular o melhoramento genético dos rebanhos, com uma diretriz focada no controle leiteiro, inseminação artificial e organização de bancos de dados (foram criados os Arquivos Zootécnicos Nacionais para espécies e aptidões - bovinos de corte e de leite, caprinos e bubalinos, entre outras). Algumas associações de criadores se mobilizaram e obtiveram apoio financeiro para organizar a sua infra-estrutura computacional e implementaram os seus serviços de controle leiteiro. O Ministério da Agricultura reteve para si a incumbência de realizar as avaliações genéticas oficiais, com o apoio de Unidades da Embrapa. Estas, por sua vez, associaram-se às Universidades para desenvolver importantes projetos de pesquisa para implementar novos métodos nos processos das avaliações genéticas. Estava instalada a base para se desenvolver os programas de registro de desempenho e melhoria genética das raças criadas no País.

As mudanças estruturais da década de 90 resultaram, para as Associações de Criadores, na retirada do apoio financeiro do então Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento - Mapa, sob alegação de dificuldades ou limitações orçamentárias. A despeito disso, as Associações de Criadores mantiveram os seus Serviços de Controle Zootécnico (além do tradicional Registro Genealógico), certamente com aumento de seus custos, mas com raras exceções, sem as necessárias atualização e inovação nos processos computacionais e gerenciais. Neste cenário, os criadores, quando afetados pelo baixo preço do leite, reclamavam da qualidade dos serviços; de relatórios não informativos para suas decisões de manejo e controle dos custos da atividade, e se afastavam, com descontinuidade e perda de informações nos controles zootécnicos.
Continua depois da publicidade
Na Figura 1 observa-se a tendência do número de rebanhos, produção de leite/lactação de 305 dias e números de lactações controladas/rebanho (uma aproximação do tamanho dos rebanhos) na raça Holandesa no Brasil. Entre 1981 e 2001 a produção/lactação aumentou 46,7% alcançando 7.254 kg em 2001, uma tendência fenotípica anual de ~ 4,0%. Este aumento foi alcançado com um crescimento simultâneo de 154% do número de vacas/rebanho.

Figura 2

Figura 1 - Produção de leite por lactação, número e tamanho dos rebanhos em controle leiteiro no Brasil no período de 1981 a 2001 (Fonte: SCL / ABCBRH e filiadas).

Muito interessante (e conforme esperado), estas tendências coincidiram com as mudanças observadas nos anos recentes nas propriedades leiteiras associadas às maiores indústrias de laticínios do Brasil (Figura 2). Entre 1997 e 2001, observou-se a redução de 35,3% no número de propriedades, mas o aumento de 77% na produção/produtor/dia e de ~ 15% no volume total de leite captado. Esta tendência que segue os padrões internacionais, no sentido de maior especialização na atividade, aponta para a contínua redução no número de rebanhos e seu aumento de tamanho, na busca de maior produção ou escala. A permanência na atividade leiteira demanda eficiência gerencial, maior produtividade, qualidade e escala de produção.

Figura 3

Figura 2 - Evolução da recepção anual, do número de produtores e da produção diária de leite/produtor nas principais empresas de laticínios do Brasil no período 1997/2001.

Tendências Regionais

As características dos rebanhos e vacas da raça Holandesa em controle leiteiro no período 1981/2001, distribuídas por regiões geográficas, estão apresentadas na Tabela 2. Houve um declínio de 17 para 11 Estados participando do controle leiteiro no País. Observa-se ainda que a produção média decresce da região Nordeste para a região Sul, o que pode ser explicado por melhores condições climáticas e muito provavelmente por maior adoção de tecnologias (manejo, alimentação e qualidade das forragens) nos sistemas de produção.

A Tabela 2 ainda permite observar que apenas 27% dos rebanhos estavam ativos no controle leiteiro em 2001. De modo geral, quatro estados - Paraná (PR), Minas Gerais (MG), São Paulo (SP) e Goiás (GO) - concentraram 93,3% dos rebanhos e naquele ano representaram 58,4% do total da produção de leite nacional. Os estados do PR e MG são os dois primeiros com, 43,8% e 25,8% dos rebanhos em controle. Minas Gerais respondeu por 29,1% da produção nacional em 2001. Apesar do declínio observado após 1994, a participação das regiões sul-sudeste não alterou, significando 93,5% dos rebanhos em controle leiteiro e 67% da produção nacional em 2001.

Exceto para o estado de Goiás, onde se observou um aumento, e para MG uma estabilidade, em todos os outros estados houve redução do número de rebanhos em controle. Os estados do RS e SP apresentaram as maiores reduções no número de rebanhos em controle, com 73% e 53% respectivamente. Pode-se atribuir à queda no preço do leite e maior rentabilidade das lavouras de soja e cana-de-açúcar as razões para tais reduções (ou abandono da atividade) nestes estados.

Tabela 2. Número de rebanhos e lactações, desempenho médio das características produtivas, duração da lactação e idade das vacas da raça Holandesa em controle leiteiro, por regiões e estados do Brasil, no período 1981/2001 (Fonte: ABCBRH/SCL, Embrapa Gado de Leite).

Figura 4

O Cenário Recente

Durante o período 1981/2001 a produção de leite nacional foi insuficiente para atender à demanda doméstica (o consumo per capita aumentou para ~ 130 l/habitante/ano), o que resultou na importação de produtos lácteos ao redor de 8-10% da produção nacional, na segunda metade da década de 90. A partir do ano 2000 observa-se uma tendência de crescimento das exportações, que têm ainda se mostrado consistente.

O Mapa introduziu em 2002 a normatização dos processos de identificação e registro de animais, por exigência dos países importadores, particularmente da União Européia, implementando o SISBOV na pecuária de corte. Desafortunadamente foi ignorada as atividades inerentes às Associações de Criadores, experientes em registro e identificação animal, na implementação deste importante processo, caracterizado por inúmeros equívocos e muita polêmica. A pecuária leiteira ainda está à margem, com a vantagem de ter na aquisição de experiência e superação de equívocos, uma maior flexibilidade e ajustes para a possível participação das associações de criadores quando de sua extensão à cadeia produtiva do leite. A rastreabilidade é uma das condições necessárias para a competitividade de qualquer produto no mercado internacional, face às questões sanitárias e da segurança alimentar. É atributo fundamental para a certificação de origem e qualidade e rotulagem dos produtos ofertados ao consumo.

Talvez a decisão mais importante para a cadeia produtiva do leite, nos anos recentes, tenha sido o lançamento do Programa Nacional de Melhoria da Qualidade do Leite - PNQL. Neste contexto, foi fundamental o apoio do Mapa para a adequação da infra-estrutura dos laboratórios então existentes e a criação da Rede Brasileira de Laboratórios de Controle da Qualidade do Leite - RBQL. Neste ano mais dois foram instalados na região Sul e, atualmente, a RBQL caracteriza-se por nove laboratórios. Tal infra-estrutura é fundamental para se viabilizar a implementação da Instrução Normativa 51. Tal normativa deve ser vista como instrumento orientador e para referenciar oficialmente os padrões qualitativos do leite produzido no País e os mecanismos de pagamento ao produtor por critérios de qualidade (o que estrategicamente já vem sendo adotado por várias indústrias e cooperativas de leite).

Expectativas

As orientações oficiais sobre a rastreabilidade e a IN 51, associadas ao aumento do tamanho dos rebanhos e à necessidade de modernizar os processos de controle zootécnico e acompanhamento de custos da atividade, indicam que o produtor de leite, para gerenciar com eficiência o seu negócio, depende de informações para a tomada de decisões. Informações demandam que se registre os fatos, os dados!

É preciso que se busque uma forma de se fortalecer as ações do controle zootécnico e a prestação deste serviço aos produtores de leite. As associações de criadores têm vasta experiência nos registros de animais - genealogia e controle leiteiro - o que vêm de encontro às orientações para a rastreabilidade e IN 51. Há uma oportunidade para se fortalecer a sua tradicional atuação, estimulando a inserção dos produtores associados às cooperativas e indústrias de laticínios no universo de suas atribuições. O aumento da escala na prestação de seus serviços pode resultar na redução de seu custo unitário, o que estimularia a sua adoção por mais produtores, criando um circulo virtuoso. Além dos benefícios na gestão da atividade, no acompanhamento dos indicadores técnicos, pode-se lograr maior eficiência econômica ao se obter maior remuneração pelo pagamento por melhor qualidade do leite, cujo maior rendimento no processamento e atendimento aos padrões do mercado internacional de lácteos, é de interesse das indústrias.

Os benefícios dos registros zootécnicos são evidenciados pelas informações apresentadas na Tabela 3. Um comparativo entre rebanhos com contínua participação (dez ou mais anos) e pouca ou recente participação (cinco ou menos anos) no controle leiteiro, indica diferenças superiores a 10% nas características de desempenho dos animais. Tal superioridade resulta certamente da disponibilidade de informações para as decisões de manejo, descarte e seleção dos animais nos rebanhos. Tal superioridade deve resultar também em maior rentabilidade.

Tabela 3 - Número de lactações e respectivas médias e desvios-padrão, e diferenças (Δ) no desempenho produtivo e idade das vacas de rebanhos da raça Holandesa com até cinco ou com dez ou mais anos de participação em controle leiteiro, ativos no ano de 2002 (Fonte: ABCBRH).

Figura 5

Se indispensáveis para a gestão do negócio, os registros da produção dos animais são fundamentais para o programa de promoção e seleção das raças leiteiras, importante para o aumento da produtividade nas condições de produção e de mercado nacionais.
Ícone para ver comentários 2
Ícone para curtir artigo 0

Material escrito por:

Claudio Napolis Costa

Claudio Napolis Costa

Zootecnista, UFV 1977 MS Zootecnia, UFV 1980 Ph. D. Melhoramento Animal, Cornell University 1998 Pesquisador Embrapa Gado de Leite

ar todos os materiais

Deixe sua opinião!

Foto do usuário

Todos os comentários são moderados pela equipe MilkPoint, e as opiniões aqui expressas são de responsabilidade exclusiva dos leitores. Contamos com sua colaboração.

Roberto Jank Jr.
ROBERTO JANK JR.

DESCALVADO - SÃO PAULO - PRODUÇÃO DE LEITE

EM 03/10/2005

Parabenizo Cláudio Nápolis pelo artigo. Além de estarmos perdendo dados e famílias de vacas melhoradoras, cada vez ficamos mais distantes da avaliação nacional de progênies de touros em nosso ambiente de produção. Nossa escravidão aos testes de progênie estrangeiros para a utilização de touros melhoradores nos distanciam da potencial solução nacional para a genética da raça holandesa em nossas condições.



Concordo com a idéia de que precisamos registrar dados oficiais.



Medidas incentivadoras para a escrituração zootécnica deveriam ser estudadas pelo setor. Gostaria de incentivar a Embrapa a propor um estudo ao setor, através das associações de raça (que por sinal poderiam ser unificadas), para a recuperação dos trabalhos com o setor primário e que venha a estimular a escrituração zootécnica incluindo genealogia e registro oficial de produção.
Cleber Medeiros Barreto
CLEBER MEDEIROS BARRETO

SOBRAL - CEARÁ - PROFISSIONAIS DE CIÊNCIAS AGRÁRIAS

EM 30/09/2005

Para quem quer: Muitas lições!



Quando vemos uma atividade econômica, num país como o nosso em franca possibilidade de afirmação como um negócio atrativo (LEITE), ainda existem pesquisadores "profissionais" , talvez tentando justificar os seus salários que insistem em atribuir a atual conjuntura do setor a um tipo de animalzinho A ou B ou digamos preto, vermelho encarnado e suas várias combinações, seja lá o que for, fato muito parecido com o que ocorre aqui nas academias do Nordeste, que não sei porque raios elegeram os ovinos e caprinos como a redenção do semi-árido, relegando outros potenciais pecuários a um terceiro plano ou mais drasticamente a quase nenhum. O nosso desabafo é no sentido de comentar que de fato o grande Brasil rural necessita sim de profissionalismo, como outras atividades já demonstraram, e que com o leite penso que não poderia ser diferente. Precisamos sim, de produtores (investidores), com seus negócios bem planejados, metas a serem atingidas que culmina na remuneração sobre o capital investido, até mesmo para a sobrevivência dos técnicos e consultores da área que fazem parte do grupo de interessados no negócio.



Talvez num futuro próximo, algumas associações de criadores de raças leiteiras, incluindo até as representantes das mais estranhas "convictas combinações" de cruzamentos (havendo demanda, fica a sugestão para uma nova disciplina na grade curricular dos cursos de zootecnia - Bovinocultura Mista), possam assumir uma nova postura, dando o real valor a Gestão Zootécnica no negócio LEITE, o que culminará, como mostram as tendências mundiais, na redução global do número de produtores e o aumento significativo da produção, com ganhos em qualidade da matéria prima e organização do setor.



Temos convicção que os atuais modelos de produção, além dos insistentes exercícios e manobras trabalhados por alguns setores da pesquisa brasileira no sentido de validar uma pecuária leiteira horizontal, onde aqui no Nordeste vemos com muita propriedade a total inviabilização de negócios pecuários que realmente há alguns séculos foram a mola propulsora (nossos anteados vaqueiros e agricultores que muito nos orgulham) do desenvolvimento, mas que nos dias atuais estão quase que relegados a um vício, bancado quase que sempre por um emprego público, aposentadorias (o Deputado Severino poderia montar uma fazendinha de gado misto), empresários e profissionais liberais urbanos bem sucedidos que "amam" o sertão e brincam de fazendinha com toda infra-estrutura e com o gado e o capim da moda, e por fim, a triste cena nordestina brasileira dos miseráveis agricultores de subsistência (nunca ouvi falar no termo pecuarista de subsistência) que com a ajuda de programas sociais conseguem sobreviver às precárias condições de vida e extrair um leitinho daquela vaquinha ou cabrinha (mais rústica) verminótica e magricela.



Parabéns ao Zootecnista Cláudio Nápolis pelo alerta, que serve para as mais diversas reflexões, que teve como exemplo o quase perdido controle leiteiro oficial na raça Holandesa no Brasil (poderia ser de todas as outras e seus cruzamentos, pelo nível de desorganização institucional generalizado), vítima, coitadinha, da vaquinha de pelagem preta e branca das incertezas e pouco profissionalismo dos atuais participantes da atividade leiteira no país que ainda buscam milagres para a salvação da lavoura, melhor dizendo, uma tentativa da vaca (o negócio) não continuar indo para o brejo.

Qual a sua dúvida hoje?