Em um país de dimensões continentais como o Brasil, onde há significativas variações de relevo, edafoclimáticas e mercado, o debate entre sistemas de produção de leite a pasto ou confinado é recorrente. Contudo, a pergunta que se impõe não é qual o melhor sistema, mas sim: “Por que escolher entre um e outro, se é possível compatibilizar os dois?”
A resposta para essa questão depende de fatores regionais, como os acima comentados, além das potencialidades de cada propriedade e das condições específicas de produção. Em algumas localidades, a combinação de estratégias pode oferecer vantagens competitivas para ambos. Em outras, é necessária uma abordagem mais exclusiva.
Em regiões como o leste de Minas Gerais e o centro-norte do Espírito Santo, aspectos como baixa altitude, relevo inclinado, entre outros, proporcionam limitações na produção de silagem de milho, que aliado a um elevado preço de aquisição dos alimentos concentrados, tornam o sistema a pasto uma alternativa mais competitiva, segundo o engenheiro agrônomo e consultor autônomo Lúcio Cunha.
Produtor há 35 anos e consultor há 29, Lúcio destaca que, com pastagens irrigadas, é possível garantir uma produção estável ao longo do ano, com lotações médias de 6 a 8 vacas por hectare e picos de 10 a 12 vacas por hectare no verão. Além disso, o custo da matéria seca da pastagem é bem menor (cerca de R$ 0,60/kg) em comparação à silagem de milho (entre R$ 1,50 e R$ 1,70/kg), assim como suas dietas corrigidas.
Imagem 1. Vacas no sistema a pasto.
Foto: Lúcio Cunha.
Um exemplo prático é uma propriedade atendida por Lúcio, que, utilizando somente pastagem irrigada como volumoso e concentrado apenas durante a ordenha, alcançou 110 litros de leite por hectare por dia nos últimos 10 meses, com custo operacional de R$ 1,47/litro e preço de venda de R$ 2,97/litro, propiciando uma margem bruta de 50% ou R$1,50/litro.
“Com produção e manejo adequados do pasto, é possível montar uma dieta rica, eficiente e de custo reduzido, o que nos torna mais competitivos e rentáveis, em nossa realidade”, afirma Lúcio.
Estratégias de manejo e gestão
O sucesso do sistema a pasto depende da identificação das potencialidades e gargalos da propriedade, seguido de um planejamento detalhado e de uma gestão eficiente. Segundo Lúcio, é essencial fugir da “teoria do puxadinho” e adotar a “teoria da casa planejada”, estruturando o sistema desde o início para atender às demandas específicas da produção de cada propriedade. “O sistema tem que ser olhado e trabalhado como um todo e não de forma segmentada”, afirma.
“Eu sempre explico aos produtores que o leite não é rápido, fácil nem barato. Produzir leite exige entender e atender suas demandas para, então, definir as ações necessárias para se tornar competitivo. Não há espaço para o ‘eu acho, eu quero, eu gosto’ no setor. O que importa é o que o sistema exige, para ser competitivo e rentável”, enfatiza.
Após entender as condições da propriedade e traçar um planejamento com metas de curto, médio e longo prazo, o acompanhamento continuado é fundamental, pois evita o ciclo de “constrói e desmancha” do “puxadinho” e minimiza desvios de foco e rota, durante sua implantação.
Entre as estratégias apontadas por Lúcio para o manejo bem-sucedido da pastagem, destacam-se:
1. Fertilidade do solo: investir na construção da fertilidade do solo por meio de adubação e correção adequadas, maximizando a produção de pastagem.
2. Irrigação: uso de sistemas eficientes para garantir a oferta de pastagem durante todo o ano, mesmo em períodos de estiagem.
3. Manejo de pastejo: divisão em piquetes, pastejo de ponta e ree, pastejo em faixas, com cercas fixas ou móveis, além do fundamental: período de descanso do pasto variável, conforme a época do ano!
“No verão, elevadas temperaturas e fotoperíodo, aceleram o crescimento vegetativo e o ponto de pastejo do capim, tornando o período de descanso mais curto. No inverno, esse período precisa ser mais longo. O que fazemos é: ajustar ao máximo o ponto de pastejo, para conciliar elevada quantidade e a qualidade da pastagem ao longo do ano, minimizando perdas de pastejo e dependência de intervenções como a roçagem”, explica.
A combinação desses fatores possibilita a oferta de uma dieta otimizada e mais ível para os animais, reduzindo custos e aumentando a eficiência do sistema.
4. Conforto e ambiência animal: estruturar sombras amplas corretamente direcionadas, aterrar e abaular corredores para minimizar a lama, além de proporcionar resfriamento eficiente na sala de espera.
5. Monitoramento contínuo: uso de planilhas zootécnicas e econômicas, para monitorar os índices de eficiência e rentabilidade do sistema, ajustando as estratégias sempre que necessário.
Imagem 2. Pastagem irrigada.
Foto: Lúcio Cunha.
Benefícios nutricionais
Segundo Lúcio, alguns capins tropicais irrigados podem alcançar elevados índices bromatológicos, com proteína bruta entre 18% e 20% e digestibilidade acima de 65%. Isso reduz a necessidade de concentrados proteicos sem comprometer a produtividade animal.
“Buscamos manejos que melhorem a qualidade da pastagem e tornem a dieta menos dependente de concentrados, especialmente proteicos. Isso aumenta nossa competitividade”, explica.
Em algumas propriedades atendidas pelo consultor, com médias de produção entre 18 e 22 litros por vaca, somente os melhores lotes consomem pouca ou nenhuma soja, alimentando-se basicamente de fontes energéticas e minerais complementares.
Além disso, o conforto animal também desempenha papel fundamental. “Mitigar lama e calor, melhorar os corredores e ampliar áreas de descanso com sombra contribuem diretamente para a produtividade,” ressalta Lúcio.
Imagem 3. Área de sombra.
Foto: Lúcio Cunha.
O sucesso do sistema a pasto também está relacionado à escolha de um rebanho adaptado. “O uso de raças especializadas para leite, puras ou cruzadas entre si, como por exemplo o Jersolando, preferencialmente oriundas de regiões que há séculos as selecionam para esse fim, como a Nova Zelândia, têm se mostrado eficientes”, pontua.
“Investir em um rebanho especializado para o sistema leite a pasto, que consigam maior eficiência alimentar (litro de leite por kg de peso vivo), adequando as instalações e equipamentos auxiliam a aumentar a produtividade.”, afirma Lúcio.
Rentabilidade e sustentabilidade
Para Lúcio, o sucesso no sistema a pasto está em se implantar e seguir um rigoroso, mas funcional, esquema de rotina, onde é crucial que, todos os processos, sejam realizados todos os dias, nas mesmas horas, da mesma forma e com a mesma vontade e disposição. E uma de suas principais características são os “5 dades”: simplicidade, funcionalidade, produtividade, rentabilidade e sustentabilidade.
“Simplicidade, pois o sistema se resume em pasto irrigado, com um curral centralizado, áreas de sombra e corredores bem planejadas, que demandam uma rotina funcional, com reduzida demanda por equipamentos e instalações complexas. Além disso, a elevada produtividade da pastagem tropical permite lotações expressivas, inclusive durante o inverno, minimizando ou eliminando a necessidade de volumosos no cocho. A qualidade bromatológica da pastagem e sua elevada taxa de lotação ao longo do ano, propicia produtividade por área cultivada, que aliada a uma gestão profissional, garante rentabilidade constante, mesmo em períodos de crise na atividade. Quando está bom, ganha-se muito, quando está ruim, ganha-se menos, mas ganha-se sempre. Isso é o que assegura a sustentabilidade do negócio.”, conclui Lúcio.
A pastagem irrigada, aliada a uma estrutura planejada e à escolha de uma genética especializada e adaptada, podem ser uma opção eficiente e rentável para a produção de leite no Brasil. Com simplicidade, estratégia e foco em resultados e, principalmente bem acompanhado de um bom consultor técnico, é possível alcançar alta produtividade e competitividade no mercado leiteiro.