Em minhas andanças por fazendas leiteiras, em vários estados brasileiros, ainda vejo incidência muito grande de problemas de casco, mesmo sendo este um tema amplamente reconhecido por causar grande sofrimento aos animais e perdas significativas na produtividade e eficiência das fazendas. Mas me surpreende ainda mais encontrar muitos desses problemas em fazendas que adotaram o sistema de ordenha voluntária, com robôs.
Nesse contexto os problemas de casco são muito mais impactantes, pois vacas mancando, experimentando dor ao se movimentar, procuram muito menos os robôs, o que resulta em menor número de ordenhas desses animais. E isso “derrete” a eficiência desses sistemas.
Infelizmente não temos dados do custo real dos problemas de casco no Brasil, então precisamos nos basear em informações de outros locais. Wilshire & Bell (2009) fizeram um levantamento bastante detalhado, e usando valores da literatura científica e conceitos praticados à época no Reino Unido, estimaram o custo de alguns problemas de casco:
- Úlcera de sola – R$ 3.850,00;
- Doença da Linha Branca – R$ 2.200,00;
- Dermatite interdigital – R$ 560,25
(valores atualizados, considerando câmbio do Real em relação à Libra Esterlina de março de 2025).
Cerca de 82% desses custos foram devidos à redução da fertilidade e da produção de leite, com os custos veterinários contribuindo com apenas 1% do total. Em média, o custo de cada caso clínico de claudicação custava R$ 2.400,00.
Como evitar problemas nos cascos de vacas leiteiras
Problemas relacionados à saúde dos cascos são multifatoriais, e uma vez que uma vaca é acometida com uma úlcera de sola, broca, doença da linha branca, dermatite interdigital, ou qualquer que seja a ocorrência, a chance de que se recupere completamente é relativamente baixa, principalmente porquê não é tão fácil identificar animais nos estágios iniciais do processo de claudicação. E essa identificação pode ser ainda mais difícil em fazendas com robôs. A única forma de minimizar o impacto negativo desses problemas é atuar preventivamente.
Obviamente a observação atenta dos animais é fundamental. Identificar as vacas que começam a dar sinais de algum desconforto ao se movimentar é muito importante, mas o ideal é não permitir que os problemas se instalem. Um artigo publicado no MilkPoint em 2020 mostra como avaliar o Escore de Locomoção. O objetivo deve ser identificar as vacas com Escore 2, nas quais o problema, seja ele qual for, ainda está no estágio inicial e a chance de recuperação total é muito grande. Se a vaca evolui para o Escore 3, as chances de recuperação diminuem muito.
Outra prática preventiva muito importante é o uso rotineiro de pedilúvios, mas isso é um desafio em sistemas de ordenha voluntária, por não haver movimentação das vacas em grupos, como nas fazendas com ordenha convencional. Nas salas de ordenha é relativamente fácil montar estruturas para que as vacas em nos pedilúvios, já nas instalações com robôs é preciso ter uma alternativa para que essa prática seja possível. Para sanar dúvidas sobre o melhor uso do pedilúvio, recomendo a leitura do artigo: Reduzindo a claudicação em vacas: um o de cada vez.
Fatores que favorecem problemas de casco
O pedilúvio será tão mais necessário, quanto mais propícias forem as condições ambientais para o surgimento dos problemas de casco. Dentre esses, os que mais desafiam a saúde dos cascos são a higiene das instalações onde ficam as vacas e os fatores que contribuem para os animais ficarem tempo demasiado em pé.
A questão da higiene é óbvia, quanto mais úmidos e sujos estiverem o piso e as camas das vacas, maior será a chance de desenvolverem algum problema, seja por patógenos, seja pela menor dureza dos cascos que am a maior parte do tempo em condições de alta umidade. Ou seja, limpeza adequada e frequente dos pisos, evitando o acúmulo de dejetos, e manejo adequado das áreas de cama, são fundamentais para ajudar na prevenção dos problemas de casco.
Quanto mais tempo as vacas am em pé, maior o desafio para a saúde e integridade dos cascos. E o que contribui para que isso aconteça? Dentre os vários fatores que resultam em mais tempo em pé para as vacas, destacamos:
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Superlotação dos barracões – quanto menor a área disponível para deitarem, maior será a competição por espaço, e normalmente quem “perde essa briga” são as vacas mais jovens e menores (primíparas). em Compost Barns, o mínimo para que não haja competição significativa pelo espaço é 10m2 por vaca, já em Free-Stalls o ideal é garantir 1 baia por vaca.
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Má qualidade das camas – vacas arão menos tempo deitadas se as camas estiverem sujas e/ou úmidas, e também se forem duras e abrasivas. Para maximizar o tempo de descanso e minimizar as ocorrências de casco, as camas devem estar sempre macias, secas e limpas. Em Compost Barns é imprescindível revolver a área das camas pelo menos 2 vezes ao dia. Em Free-Stalls o tamanho das baias também é muito importante, camas estreitas e/ou curtas comprometem o tempo que as vacas am deitadas. O tamanho adequado da cama nesses sistemas depende do tamanho das vacas, mas como referência recomenda-se que para vacas grandes tenham 1,27 – 1,30m de largura e 1,80m de comprimento útil (mureta ao parapeito), com pelo menos mais 90cm de espaço frontal para movimentação da cabeça.
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Stress por calor – já está muito bem estabelecido que o aumento da temperatura corporal faz com que as vacas em mais tempo em pé. Vacas nessa condição ficam em pé por 30-40% mais tempo do que vacas em condições de termoneutralidade. Dessa forma garantir boa ventilação nos barracões é imprescindível para ajudar as vacas a deitarem por mais tempo, e terem menos problemas de saúde dos cascos. Nos sistemas com robôs não há sala de espera da ordenha onde normalmente as vacas são banhadas para aliviar o calor, mas é possível instalar sistemas de resfriamento nas linhas de cocho e/ou corredores de alimentação. Baixar a temperatura corporal das vacas é condição indispensável para que em mais tempo deitadas!
Influência do manejo nutricional nos problemas de casco
Outro ponto muito importante para manter boa saúde dos cascos é o manejo nutricional. Dietas bem formuladas, que promovam saúde ruminal, também são fundamentais para que as vacas sejam eficientes e produtivas, e para que a ocorrência de problemas de casco seja pequena.
O básico é evitar níveis elevados de amido, especialmente se este for de alta degradabilidade ruminal. Como regra geral teores máximos de amido de 28-30% da matéria seca total da dieta, com no máximo 65-70% desse amido na forma degradável no rúmen (ADR). Além do amido, é preciso observar o teor de fibra fisicamente efetiva (FDNfe), que deve sempre ficar acima dos 20% da MS total, idealmente acima de 22%. ADR elevado e FDNfe baixos é a combinação ideal para a ocorrência de acidose ruminal, compromete significativamente a saúde do rúmen e a eficiência produtiva. E se essa condição permanece por tempo prolongado, pode gerar a produção de compostos no rúmen que podem gerar processos inflamatórios nos tecidos dos cascos.
Outra questão nutricional importante para manter a saúde dos cascos é o fornecimento adequado de biotina, e microminerais na forma orgânica. A biotina está associada à formação das paredes do casco, sendo muito importante para a sua dureza. A recomendação tradicional é suplementar 20 mg por dia de biotina durante a lactação e 10 mg por dia para vacas secas e em pré-parto.
Sobre os microminerais, esses micronutrientes são essenciais para a formação da queratina, sendo cofatores de enzimas muito importantes neste processo.
- Manganês: participa da formação dos osso e cartilagens,
- Zinco: auxilia na produção de proteínas estruturais das unhas e tem papel fundamental na manutenção do sistema imune, ajudando na cicatrização de feridas, reparo do tecido epitelial e manutenção da integridade celular.
- Cobre: tem relação direta com a resistência estrutural da queratina, o que é fundamental para a dureza dos cascos. Na literatura científica há muitos resultados consistentes mostrando o benefício do fornecimento desses minerais na forma orgânica sobre a saúde dos cascos de vacas leiteiras, de forma que essa é uma prática altamente recomendável, principalmente para animais em sistemas com ordenha voluntária.
Sempre que defendo o uso de biotina e minerais orgânicos - em doses corretas - para reduzir o desafio á saúde dos cascos, muitas vezes surge a questão do custo. Em particular nas fazendas que já investiram ou estão pensando em investir nos robôs, não faz sentido pensar em baratear as dietas colocando em risco a eficiência geral do sistema. O mesmo vale para os outros temas abordados nesse artigo, como os relacionados ao conforto das vacas. O impacto negativo dos problemas de casco nas fazendas com ordenha voluntária é brutal, ainda maior do que nos sistemas com ordenha convencional. Para que o retorno sobre o investimento feito nessa tecnologia seja adequado, é fundamental empreender todos os esforços para minimizar ou eliminar os problemas de casco. Vacas mancando são um prejuízo gigante nas fazendas. Pensem nisso!!