Os caprinos, espécie Capra hircus, têm origem oriental na Ásia central, com os primeiros relatos de domesticação acontecendo no Oriente Médio para aproveitamento de lã, leite e carne e, foram se difundindo na Europa através de guerras e invasões asiáticas.
As primeiras cabras da América foram trazidas pelos colonizadores ibéricos no começo do século XVI e no Brasil, os caprinos chegaram com os colonizadores portugueses, ses e holandeses adaptando-se facilmente à região nordeste. Esta difusão da espécie se deu pela rusticidade dos animais e de sua boa adaptabilidade para a produção nos mais diversos ambientes e climas.
A rusticidade associada ao manejo empregado na criação fez com que a tuberculose fosse considerada rara nos caprinos, levando a acreditar que a espécie fosse naturalmente resistente à infecção, já que o maior número de casos de tuberculose em caprinos ocorria em animais que pastejavam junto com bovinos infectados, sendo o agente Mycobacterium bovis o principal microrganismo envolvido. Porém, a tuberculose nos caprinos pode ser causada também pelos M. tuberculosis e M. caprae, este relatado recentemente, mas em todos os casos, se apresenta como uma doença crônica e altamente debilitante para os rebanhos.
Podemos destacar a semelhança das lesões com a forma visceral da linfadenite caseosa, doença também conhecida como “mal do caroço”, causada pelo agente corynobacterium pseudotuberculosis.
Mesmo as cabras padecendo de tuberculose, estes animais não foram incluídos em nenhuma versão do Programa Nacional de Controle e Erradicação da Brucelose e Tuberculose Animal (PNCEBT), nem mesmo na atualização no ano de 2017.
Muitas vezes as cabritas são alimentadas com leite cru oriundo de vacas leiteiras como medida profilática para a Artrite Encefalite Caprina (CAE), mas as vacas podem ser portadoras de Mycobacterium bovis, M. tuberculosis e M. caprae, se tornando possíveis porta de entrada e de manutenção da tuberculose nos rebanhos de caprinos leiteiros.
Um outro fator que devemos levar em conta é a entrada de novos animais nos rebanhos, uma vez que sem a testagem correta, animais infectados podem ar despercebidos. Apesar de já existir testes que permitem o diagnóstico de tuberculose em bovinos e bubalinos, estes por sua vez não podem ser usados em caprinos sem os devidos cuidados, pois apresentam reações fora dos parâmetros preconizados para bovinos e bubalinos, evidenciando a necessidade de desenvolvimento de técnicas de diagnóstico precisas para a espécie.
Uma padronização dos testes de tuberculinização para caprinos foi proposta por Silva et al. (2006). Os autores elucidaram que os valores recomendados pelo PNCEBT (BRASIL, 2001) para a leitura e interpretação dos testes tuberculínicos em bovinos e bubalinos não deveriam ser aplicados para os caprinos, pois estes apresentaram respostas diferentes (Quadros 1 e 2).
Sobre os testes:
* Na tuberculinização simples demarca-se a região da escápula com tricotomia. Com o auxílio de cutímetro mensura a dobra de pele antes da inoculação e anota-se as medidas. Em seguida inocula-se a tuberculina PPD bovina por via intradérmica na dosagem de 0,1 mL. Após 72 ± 6 horas da inoculação, é realizada nova medida da dobra da pele no local de inoculação, sendo o resultado anotado. O aumento da espessura da dobra da pele (?B) é calculado subtraindo-se a medida da dobra da pele de 72 horas após a inoculação da medida da dobra da pele antes da inoculação.
** No teste cervical comparativo as tuberculinas, bovina e aviária, são inoculadas por via intradérmica também região da escápula, a uma distância mínima de 15 a 20 cm entre as duas inoculações, de um mesmo lado em todos os animais. Os locais são demarcados por tricotomia. A espessura da dobra de pele é determinada com o auxílio de cutímetro antes da inoculação onde será inoculada a tuberculina PPD aviária e onde estará a tuberculina PPD bovina. Após 72 ± 6 horas da inoculação, é realizada nova medida da dobra da pele em ambos os locais de inoculação das tuberculinas PPD aviária e da tuberculina PPD bovina. O aumento da espessura da dobra da pele é calculado subtraindo da medida de 72 horas após a inoculação da medida da dobra da pele tomada antes de serem inoculadas. A diferença de aumento da dobra da pele provocado pela inoculação da tuberculina PPD bovina (ΔB) e da tuberculina PPD aviária (ΔA) é calculada subtraindo-se ΔA de ΔB. A interpretação é pela diferença (ΔB – ΔA).
A valorização intensa do leite da espécie caprina, associada ao hábito cultural de consumir leite in natura no Brasil, sabendo-se que a tuberculose na espécie ainda é pouco diagnosticada, nos traz grande preocupação pelo alto potencial zoonótico do agente. A falta de dados e de diagnóstico preciso se torna uma justificativa para que se estude o problema, com proposições de medidas de controle eficazes para pequenos ruminantes.
O conhecimento de que esta enfermidade acomete também os caprinos faz pensar em um novo paradigma sanitário nacional para a caprinocultura. Temos um desafio a nível nacional buscando o fortalecimento da caprinocultura, o diagnóstico desta e outras doenças, indo muito além dos prejuízos econômicos, pois devemos pensar sempre nas prováveis implicações para a saúde pública.
Autores
Luis Felype Garcia de Sousa Caldas1
Raquel Rangel Teles Nunes2
Ana Paula Lopes Marques3
1 Graduando em Medicina Veterinária do IFAM, membro da LiBovis; 2 Graduanda em Medicina Veterinária da UFRRJ, membro da LiBovis e 3 Orientadora, Liga de Bovinos, LiBovis-UFRRJ
Referências consultadas
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