Quando ouvimos falar de vitaminas, imediatamente pensamos em saúde, equilíbrio fisiológico e alimentos frescos e de qualidade para o ser humano. De fato, elas trazem benefícios para a vida das pessoas e demais animais, mas também afetam as plantas, com potencial de utilização na produção agropecuária.
Para valorizar sua importância, entretanto, precisamos responder algumas questões básicas:
- o que são vitaminas e quais suas funções nas plantas?
- como elas podem ser utilizadas na produção vegetal?
- que culturas podem ser beneficiadas pelo seu uso?
Função das vitaminas nas plantas
Vitaminas são compostos que estão presentes nos seres vivos, participando de atividades importantes para a manutenção corporal. Elas constituem um conjunto de moléculas orgânicas que os animais devem obter, em quantidades adequadas, principalmente pelo consumo de alimentos.
Nas plantas, as vitaminas são sintetizadas como cofatores de diferentes vias metabólicas (Fig. 1). Devido à incapacidade de locomoção ativa dos vegetais na busca de situações mais favoráveis, esses elementos são imprescindíveis no enfrentamento de condições inadequadas de disponibilidade de água e nutrientes, temperatura, luminosidade, entre outros, (Fig. 2A), contribuindo para a adaptação a diferentes ambientes e tipos de estresse.
Figura 1. Vias metabólicas e locais de atuação de diferentes vitaminas nas células vegetais.
Fonte: Asensi-Fabado & Munné-Bosch, (2010).
Em função disso, as vitaminas são classificadas como bioestimulantes, podendo ser efetivas para determinadas funções mesmo em pequenas quantidades. Destacam-se o potencial de regulação do metabolismo e o papel coadjuvante em diversas atividades vitais, propiciando, dessa forma, incrementos de produtividade dos cultivos.
Por não produzir efeitos tóxicos ou mutagênicos, o uso de vitaminas tem aumentado entre os bioestimulantes nos últimos anos, com a oferta crescente de produtos e valores de comercialização em constante evolução (Fig. 2B). Entre os produtos mais utilizados, destacam-se os que contêm vitaminas como nicotinamida, tiamina, ácido ascórbico, entre outros.
Figura 2. Enfrentamento de condições inadequadas às plantas e o mercado de bioestimulantes no mundo.
Fonte: Adaptado de Franchi (2020) e Global Market Insights (2022).
Formas de ação e utilização das vitaminas na produção vegetal
Produzidas naturalmente nos tecidos vegetais, as vitaminas podem ser aplicadas diretamente sobre as folhas ou na forma de tratamento de sementes. Como resultado, observa-se uma resposta de defesa das plantas, de forma similar ao que ocorreria em um ataque de patógenos ou na ocorrência de limitações ambientais, tais como a falta de água ou o excesso de calor.
A simulação de estresses causa respostas de autodefesa, com ativação de mecanismos de proteção, mesmo que não ocorram danos, propriamente ditos, a folhas, flores, frutos ou raízes. Com a ativação dos aparatos de defesa, as plantas ficam menos susceptíveis à ocorrência de estresses reais, aumentando sua capacidade adaptativa (Fig. 3).
Figura 3. Efeito protetivo da aplicação de vitaminas em plantas: melhoria de sua capacidade adaptativa.
Fonte: elaborada pelos autores.
Esta ação pode ser comparada à das vacinas aplicadas em animais que, ao simular ataques de patógenos, ativam a capacidade do organismo de prevenir ou reagir a seus efeitos.
Assim como nas vacinas, as vantagens da aplicação de vitaminas podem não ser percebidas visualmente, porém, quando realizada a comparação entre plantas com e sem aplicação em ambiente de estresse, os efeitos de proteção ficam evidentes.
Efeitos do uso de vitaminas nas plantas
O potencial para a utilização de vitaminas em espécies de interesse agrícola é evidenciado por diversos autores, tanto em termos de proteção, dada a ocorrência constante de fatores estressantes, como de bioestimulação.
Após a semeadura, as plantas encontram-se expostas a altas temperaturas, falta ou excesso de água, falta de nutrientes, excesso de luz, etc. Estes fatores desencadeiam processos oxidativos nos vegetais, com diminuição potencial de sua capacidade de crescimento e produção.
Neste contexto de riscos produtivos, a aplicação de vitaminas pode representar fonte de oportunidades, diminuindo perdas e custos ou viabilizando incrementos de produção, de acordo com peculiaridades edafoclimáticas e características dos sistemas, espécies e variedades típicas de cada região.
Incremento de pigmentos fotossintéticos e produção de braquiárias
A aplicação de vitaminas em áreas de capim braquiária pode resultar em incrementos dos teores de pigmentos relacionados à fotossíntese e de parâmetros de crescimento da espécie. Estes efeitos têm um caráter protetivo e bioestimulante, uma vez que as vitaminas auxiliam na produção desses pigmentos e atuam como um “escudo” contra sua degradação em condições desfavoráveis.
Tal utilização de forma isolada ou associada a outro bioestimulante (Azospirillum brasilense, por exemplo) resulta seguidamente em ganhos de produção (Tab. 1), com potencial melhoria do desempenho do sistema como um todo.
Tabela 1. Teores de clorofilas a (CLA), b (CLB) e total (CLT), produção de massa verde (MV) e seca (MS) em plantas de braquiária tratadas com A. brasilense e tiamina aos 50 dias de rebrote.
Fonte: Vendruscolo et al. (2021).
Melhoria do desempenho fisiológico de cana-de-açúcar
Em cana-de-açúcar, a aplicação de vitaminas tende a melhorar o desempenho fisiológico das plantas, por meio do incremento de sua capacidade de realizar fotossíntese, o que lhes confere melhor adaptabilidade a estresses hídricos. Ao melhorarem as condições de troca gasosa e a funcionalidade estomática (Fig. 4), vitaminas como nicotinamida e tiamina beneficiam, simultaneamente, o funcionamento do aparato fotossintético e a morfologia estomática das plantas.
Figura 4. Fotossíntese líquida (A), eficiência das trocas gasosas (B) e do uso da água (C) e funcionalidade estomática (D) de plantas de cana-de-açúcar tratadas com vitaminas sob déficit hídrico.
Fonte: Ramos et al. (2022).
Incremento da produção de silagem e grãos de milho
Na cultura do milho, o uso de vitaminas tem resultado em incrementos no desenvolvimento vegetativo das plantas e no rendimento final de silagens e grãos. Tais resultados refletem o aumento da capacidade de acúmulo de reservas energéticas e nutrientes das plantas tratadas, devido a diferenças de elongação, ramificação e peso de raízes, bem como, de indicadores de desenvolvimento da parte aérea (Tab. 2).
Tabela 2: Efeitos interativos da salinidade e da aplicação de nicotinamida e ácido ascórbico em plantas de milho aos 40 dias da semeadura.
Fonte: Hassanein et al. (2009).
Estes efeitos são potencializados quando se aplica combinações de vitaminas com diferentes mecanismos de ação, permitindo, por exemplo, no caso de milho doce reduções importantes das perdas produtivas (Fig. 5).
Figura 5: Perdas totais de matéria seca de plântulas de milho doce submetidas a estresse salino e ao tratamento das sementes em diferentes soluções vitamínicas.
Fonte: Vendruscolo & Seleguini (2020).
Incremento de produtividade de trigo
Mesmo sob restrição nutricional, a aplicação de vitaminas pode permitir incrementos importantes de produtividade em áreas de cultivo de trigo, indicando a possibilidade desses compostos contribuírem para a otimização da absorção de nutrientes (Tab. 3).
Tabela 3. Efeitos da aplicação de nicotinamida em plantas de trigo com fertilização na dose recomendada (R) e metade da recomendação (1/2 R).
Fonte: El-Bassiouny et al. (2014).
Redução de efeitos do déficit hídrico em arroz
Na cultura do arroz em condições de déficit hídrico, plantas tratadas com vitaminas tendem a apresentar maior capacidade de manutenção do desenvolvimento dos órgãos aéreos, da fertilidade das espiguetas e do peso dos grãos (Fig. 6), resultando em um melhor desempenho geral da lavoura.
Figura 6. Comprimento das panículas, fertilidade das espiguetas e massa de mil grãos de plantas de arroz pulverizadas com tiamina na emergência (EME) e após 30 dias (30D).
Fonte: Vendruscolo et al. (2020).
Aumento da taxa de emergência e produtividade de plantas de feijão
Incrementos da emergência, desenvolvimento e produtividade também podem ser observados em plantas de feijão com a aplicação de vitaminas via tratamento de sementes. Aumentos da produção de plantas tratadas de mais de 100% evidenciam o potencial de utilização dessas substâncias na cultura (Fig. 7).
Figura 7. Produtividade de feijão em função de doses crescentes de tiamina aplicada via semente.
Fonte: Vendruscolo et al. (2018).
Possibilidades de uso atual e perspectivas futuras
Apesar dos efeitos positivos aqui apresentados do uso de vitaminas na produção de forragens e grãos, o conhecimento atual representa, provavelmente, somente o que se poderia por analogia chamar de “a ponta do iceberg” dos usos potenciais do complexo das vitaminas.
Tendo em vista as características dos compostos, seus mecanismos de ação, variações entre espécies e cultivares, formas e épocas de aplicação, entre outros fatores, existe todo um mundo de oportunidades a ser “desbravado”, sobretudo na produção agropecuária diferenciada (Fig. 8), baseada na mimetização de processos naturais ao invés do uso de insumos.
Figura 8. Efeitos da produção agropecuária diferenciada sobre o ambiente, os produtores e os alimentos.
Fonte: Adaptada de Banerjee & van der Heijden, 2022.
Especificar padrões de dosagem, formas de aplicação, interações com outros compostos e efeitos produtivos específicos são os importantes. Mas, situar seu uso num contexto de “construção” de novas relações produtivas, baseadas na valorização do meio ambiente, dos produtores, como guardiões da terra, e dos alimentos, como promotores de saúde, fará toda a diferença.
Na nova agricultura, restauradora de ambientes, promotora de biodiversidade e de bem-estar social que a humanidade tem buscado nos últimos anos, as vitaminas têm lugar de destaque. Não se trata somente da proteção de pastagens e lavouras, de aumentos de produtividade ou da redução do uso de compostos químicos.
Trata-se de pensar a produção de alimentos de forma holística, de valorizar a diversidade dos recursos disponíveis, organismos e condições ambientais, e de utilizar práticas e produtos que estimulem a expressão dos processos naturais ... na busca de alimentos saudáveis que promovam ambientes e vidas saudáveis.
Venha conosco, construir a agropecuária do futuro! Pense grande, pense de forma regenerativa!
Colaboraram para esta publicação:
Sebastião Ferreira de Lima - Engenheiro Agrônomo, Mestre em Agronomia e Doutor em Fitotecnia.
Eduardo Pradi Vendruscolo - Engenheiro Agrônomo, Mestre e Doutor em Agronomia
Marcelo Abreu da Silva - Engenheiro Agrônomo, Mestre e Doutor em Ecoetologia.
Milene Dick - Médica Veterinária, Mestre em Agronegócios e Doutora em Zootecnia.
Cícero Célio de Figueiredo - Engenheiro Agrônomo, Mestre e Doutor em Agronomia.
Ana Paula Ott - Bióloga, Mestre em Biociências (Zoologia) e Doutora em Fitotecnia.
João Carlos Gonzales - Médico Veterinário, Mestre e Doutor em Ciências Veterinárias.
Homero Dewes - Farmacêutico, Mestre e Doutor em Biologia.
Referências Bibliográficas
Asensi-Fabado, M.A., & Munné-Bosch, S. (2010). Vitamins in plants: occurrence, biosynthesis and antioxidant function. Trends in plant science, 15(10), 582-592.
Banerjee, S., & van der Heijden, M.G. (2022). Soil microbiomes and one health. Nature Reviews Microbiology, 1-15.
El-Bassiouny, H.S.M., et al. (2014). Physiological role of humic acid and nicotinamide on improving plant growth, yield, and mineral nutrient of wheat (Triticum durum) grown under newly reclaimed sandy soil. Agricultural Sciences. 5, 687-700.
Franchi, F. (2020). Como os bioestimulantes contribuem para o ganho de produtividade? AgroInovadores. In. https://agro.genica.com.br/2020/08/24/bioestimulantes/.
Global Market Insights (2022). Biostimulants Market. In. https://www.gminsights.com/industry-analysis/biostimulants-market.
Hassanein, R.A., et al. (2009). Physiological effects of nicotinamide and ascorbic acid on Zea mays plant grown under salinity stress. Research Journal of Agriculture and Biological Sciences, 5(1), 72-81.
Ramos, E.B., et al. (2022). Does Exogenous Vitamins Improve the Morphophysiological Condition of Sugarcane Subjected to Water Deficit?. Sugar Tech, 1-6.
Vendruscolo, E.P., et al. (2018). Tratamento de sementes com niacina ou tiamina promove o desenvolvimento e a produtividade do feijoeiro. Revista de Ciências Agroveterinárias, 17(1), 83-90.
Vendruscolo, E.P., et al. (2020). Exogenous application of thiamine on upland rice summited to water deficit. Revista de Ciências Agroveterinárias, 19(1), 48-53.
Vendruscolo, E.P., & Seleguini, A. (2020). Effects of vitamin pre-sowing treatment on sweet maize seedlings irrigated with saline water. Acta Agronómica, 69(1), 20-25.
Vendruscolo, E.P., et al. (2021). Chlorophyll concentration and production of Urochloa decumbens treated with diazotrophic bacteria and thiamine in the Brazilian Cerrado. Tropical Grasslands-Forrajes Tropicales, 9(1), 134-137.
Sobre o Instituto de Agricultura Regenerativa
O Instituto de Agricultura Regenerativa é uma associação privada, sem fins lucrativos, engajada na consolidação de um novo paradigma: a produção de alimentos saudáveis, ricos em nutrientes e sem resíduos de substâncias tóxicas pode promover a restauração de processos e relações naturais, gerando benefícios socioeconômicos e ambientais. Como tal, seus efeitos se assemelham ao que ocorre em ambientes naturais, onde os diferentes indivíduos interagem, de forma sinérgica e complementar.
Sem deixar de reconhecer a contribuição de práticas como o preparo mínimo do solo e o uso de culturas de cobertura em substituição aos agrotóxicos como contribuições efetivas da agricultura orgânica, a agricultura regenerativa dá um o à frente: incorpora uma abordagem holística da produção agrícola, embasada em princípios de hierarquia ecológica e práticas conservacionistas. Com isso, regeneração, manutenção e aumento da resiliência da produção de alimentos se aliam à melhoria da qualidade de vida de produtores e consumidores de alimentos, tanto do meio rural como de grandes aglomerações urbanas.
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