Quem já ou dos 40 anos de idade vai lembrar da transição vivida no Brasil do consumo massivo de leite pasteurizado e não homogeneizado (vendido nas padarias e mercados em embalagem "barriga mole") para o leite longa vida (ou UHT, vendido na embalagem “tetra brik”).
Naquela época, causava estranheza o fato do leite longa vida não precisar de refrigeração até ser aberto e isso fazia muitas pessoas acreditarem que esse produto era adicionado de formol, quando na verdade sua conservação maior se deve à combinação de ultrapasteurização e envase asséptico. Ou seja, não tem formol!
Quando a novidade surgiu não emplacou de vez nas vendas porque era mais caro e o sabor lembrava leite cozido. Porém, com o tempo, inovações no processamento do leite UHT chegaram, como a injeção direta de vapor (UHT direto) e resfriamento instantâneo em uma câmara de vácuo, elevando muito a qualidade sensorial do produto.
Outro ponto de destaque é a praticidade já que vivemos em um país tropical e com dimensões continentais. Não depender da cadeia do frio para escoamento e armazenamento, são altamente convenientes. Para os consumidores esse ponto também é vantajoso, porque a compra do leite ou a ser possível em fardos de 10 unidades, sendo que o produto não falta nem azeda durante a semana.
Desta forma, o leite UHT ganhou o mercado brasileiro e se tornou o mais consumido. Mas essa tendência não foi seguida em todos os países. Na França, por exemplo, o produto na versão pasteurizada é mais apreciado.
Uma questão importante é saber se o processamento torna o leite mais ou menos saudável. Do ponto de vista nutricional sabemos que leite pasteurizado ou longa vida são muito semelhantes e representam boas fontes de proteínas e cálcio, entre outros nutrientes.
Artigo publicado recentemente por pesquisadores da Faculdade de Engenharia de Alimentos da UNICAMP levantou uma questão interessante na comparação entre esses produtos. Neste trabalho foi feita uma comparação entre leite cru, pasteurizado e UHT. As amostras aram por processo de digestão (em condições de laboratório) e foram submetidas a células intestinais e de defesa. Sabem qual foi o resultado? Observou-se que o UHT aumentou a expressão de citocinas pró-inflamatórias e o leite pasteurizado, teve efeito oposto, apresentando efeito anti-inflamatório. O leite cru? A produção de citocinas pró-inflamatórias para o leite cru foi maior do que para o leite UHT, e isso se deve, possivelmente, à sua elevada carga microbiana.
Esses resultados em conjunto nos indicam que leite cru não deve ser consumido (o que já sabíamos) e que entre o UHT e o pasteurizado, possivelmente o pasteurizado seja o mais indicado para pessoas com questões de saúde para as quais seja relevante não favorecer condições inflamatórias intestinais.
Vejam: neste estudo o leite pasteurizado reduziu os teores basais de citocinas inflamatórias das células, indicando potencial efeito anti-inflamatório. Isso quer dizer que leite pasteurizado pode favorecer pessoas acometidas por doenças inflamatórias intestinais? Muito cedo para afirmar, mas o tema merece estudos específicos.
Conforme descrito no próprio artigo, é importante destacar que a inflamação é uma resposta inata do sistema imunitário, promovendo a defesa do organismo contra infecções e, como tal, é um processo natural que faz parte de um organismo saudável. Também é importante dizer que esse estudo foi feito em condições de laboratório e por isso apresenta algumas limitações, devendo ser seguido de outros estudos com voluntários humanos para confirmar os achados.
Referência
Evelyn Ildefonso Press Perceguetti, Gabriela de Matuoka e Chiocchetti, Débora Parra Baptista, Mirna Lúcia Gigante, Juliana Alves Macedo. Does milk prevent or promote inflammation? Insights from in vitro assays, Food Bioscience, 2024, 103572,
ISSN 2212-4292, https://doi.org/10.1016/j.fbio.2024.103572.