Você já ouviu o termo “ultraprocessados”? Sabia que esse conceito foi desenvolvido por pesquisadores brasileiros?
Embora o termo tenha agradado a alguns e desagradado a muitos outros, acabou por ser incorporado no nosso dia a dia e inclusive em artigos científicos internacionais, nos quais o nível de processamento dos alimentos ou a ser relacionado com risco de desenvolvimento de algumas doenças.
Em linhas gerais para evitar a obesidade e suas comorbidades a recomendação seria reduzir o consumo de alimentos “ultraprocessados” e aumentar o consumo de alimentos in natura ou minimamente processados. Essa classificação recebeu o nome de NOVA, e está detalhada no Guia Alimentar para a População Brasileira publicado em sua 1.ª edição em 2006 e revisado em sua 2.ª edição em 2014, pelo Ministério da Saúde.
Este documento reúne um conjunto de orientações e recomendações para uma alimentação equilibrada e saudável, sendo utilizado principalmente para promover educação alimentar e nutricional e para dar e às ações do SUS neste âmbito. Interessante dizer que versão anterior do Guia Alimentar traziam uma abordagem dos alimentos totalmente diferente, baseada nos seus nutrientes proporcionados em maiores quantidades.
Assim, tínhamos, por exemplo, o grupo dos pães, cereais, massas e biscoitos (fontes principalmente de carboidrato) e o grupo dos alimentos que eram fontes de proteínas (carnes, ovos, leite, leguminosas, etc.) com suas recomendações de consumo diário.
Porém, obedecer às diretrizes da primeira versão do Guia Alimentar não foi eficiente para prevenir a obesidade na população brasileira como um todo. Essa observação fez pesquisadores da área refletirem se o grau de processamento dos alimentos não poderia estar relacionado com alterações metabólicas responsáveis pelo surgimento de doenças crônicas não transmissíveis, como diabetes, hipertensão e outras. Essa nova visão revolucionou nossa forma de avaliarmos a alimentação humana. Vamos entender melhor:
Conforme a classificação NOVA os alimentos foram agrupados em 4 categorias: alimentos in natura e minimamente processados, ingredientes culinários processados, alimentos processados e alimentos ultraprocessados.
E o que muda para o setor de leite e derivados?
Vamos começar com uma comparação simples: leite (de vaca, cabra, búfala, ovelha) versus bebida vegetal (de soja, amêndoa, aveia etc.). As bebidas vegetais são desenvolvidas visando serem substitutos para o leite. Porém, o grão de soja, por exemplo, até ser transformado em um extrato hidrossolúvel, precisa ar por muitos processos e receber diversas adições. Por isso se encaixa como uma luva na classificação de “ultraprocessado”.
Já o leite cru, é um alimento naturalmente líquido, proteico e rico em minerais e vitaminas, sem que seja necessário qualquer processamento ou adição. Mas, atenção, não devemos consumir leite cru porque existem riscos biológicos relevantes e não queremos que os malefícios sejam maiores que os benefícios! Então, precisa ser cozido (domesticamente) ou pasteurizado. Assim sendo, a a ser classificado como minimamente processado, porque o leite pasteurizado não é adicionado de ingredientes.
Nessa categoria, também entram a coalhada e o iogurte natural, que sofreram processos mínimos e não receberam a adição de sal, açúcar e gordura. Já a manteiga, enquadra-se como ingrediente culinário, assim como o sal e o açúcar. Estes alimentos derivam daqueles do primeiro grupo (in natura) e sofrem processos físicos, como centrifugação, aquecimento, concentração e são grandes aliados nas preparações, tendo como recomendação de uso moderado.
O queijo artesanal encontra-se no grupo dos alimentos processados, que são alimentos in natura que sofrem pequenos processos industriais reprodutíveis em ambiente doméstico, recebendo a adição de um ou mais ingredientes culinários.
Porém, bebidas lácteas e iogurtes com adição de sabores são incluídas no grupo dos alimentos “ultraprocessados” por receberem adições de ingredientes, geralmente artificiais, além de açúcar e conservante. Importante ressaltarmos que não são todos produtos dessas categorias que contêm aditivos artificiais. Existem produtos com adição de ingredientes naturais ou até mesmo sem nenhuma adição. O iogurte natural, portanto, escapa dessa classificação e é considerado minimamente processados.
Embora considerada caótica, a classificação NOVA parece que chegou para ficar. Reforçando alguns pontos: limpeza, remoção de partes não comestíveis, secagem, embalagem, pasteurização, resfriamento, congelamento, moagem e fermentação são exemplos de processos mínimos que transformam alimentos in natura em minimamente processados. Observe que, como em todo processamento mínimo, não há agregação de sal, açúcar, óleos, gorduras ou outras substâncias ao alimento.
Desta forma são considerados minimamente processados: leite pasteurizado, ultrapasteurizado (‘longa vida’) ou em pó, iogurte (sem adição de açúcar). Curioso observar que o leite longa vida e pasteurizados ficam lado a lado nesta classificação mesmo que o primeiro e por processos industriais mais complexos que o segundo.
A classificação NOVA tem recebido críticas por apresentar alguns problemas conceituais e considerar que o número de ingredientes adicionados é um fator determinante para tornar o produto menos saudável.
Possivelmente, o tempo vai ajudar a lapidar a classificação e corrigir algumas distorções. Porém, é notório que acende uma luz sobre o resgate do interesse do consumidor sobre a importância de se valorizar alimentos tal como estão presentes na natureza, assim como o leite, os ovos e a própria carne. Ou seja, "comida de verdade” e não imitação desses alimentos tradicionais. Abre-se uma janela de oportunidades para o campo, bem como para a indústria de laticínios.
Referências
BRASIL. Ministério da Saúde. Guia alimentar para a população brasileira: promovendo a alimentação saudável. Brasília: Ministério da Saúde, 2006. 210p.
IWASAWA N. Conflito de interesses distorce discussão sobre ultraprocessados à base de soja. O joio e o trigo, 2022. Disponível em:
SADLER C. R., GRASSBY., HART K., RAATS M., SOKOLOVIC M., TIMOTIJEVIC L. Processed food classification: Conceptualisation and challenges. Trends in Food Science & Technology, Volume 112, 2021, p. 149-162, ISSN 0924-2244.
A CLASSIFICAÇÃO NOVA. Nupens USP, 2020. Disponível em:
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