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Dividir o fornecimento total de colostro em várias refeições aumenta a absorção de IgG?

Recentemente as recomendações de colostragem foram alteradas. Leia mais informações sobre o fracionamento do colostro e os impactos na absorção de IgG.

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Recentemente as recomendações de colostragem foram alteradas, elevando-se a concentração de IgG alvo para as bezerras.

A gestão da colostragem deixou de ter uma abordagem dicotômica de falha (<10 g IgG/L) ou sucesso (>10 g IgG/L) na colostragem para que as concentrações fossem categorizadas como excelente (> 25 g/L), bom (18 – 24,9 g/L), fraco (10 – 17,9 g/L) e ruim (<10g/L) (Lombard et al., 2020). 

Existem recomendações de porcentagem de distribuição dos recém nascidos dentro destas faixas, mas o ideal é que a maior parte dos animais esteja na faixa excelente. Essa nova visão da colostragem tem como resultado não só a redução da taxa de mortalidade, mas também de morbidade nos bezerreiros.

Para que isso ocorra, o consumo mínimo de IgG está ao redor de 150-200 g nas 2 primeiras horas de vida, uma vez que este é o período de maior eficiência de absorção. No entanto, fornecimento de maiores quantidades na primeira refeição, assim como uma refeição adicional dentro de 6 a 8h após o nascimento também têm sido recomendadas.

No entanto, o número e o volume de refeições não estão bem estabelecidos e não se sabe como afetam a transferência de imunidade iva e a absorção de IgG.

O último levantamento dos dados do Programa Alta Cria (Azevedo et al., 2021) mostrou que 93% dos produtores fornecem colostro para a recém nascida dentro de 2h de vida, quando o nascimento ocorre durante o dia. No entanto, para nascimentos durante a noite este valor cai para 41%. A maior parte dos produtores fornece colostro fresco ou fresco enriquecido com colostro em pó, na proporção de 10% do peso ao nascer da bezerra. Poucos produtores não fornecem uma segunda refeição (28%), o que sugere que já existe um entendimento no campo de que fornecimentos adicionais são importantes para a transferência de imunidade iva e, consequentemente, para a sobrevivência e saúde da bezerra.

Alguns trabalhos mostram que a eficiência aparente de absorção (EAA) é reduzida com o aumento no fornecimento. Por exemplo, o fornecimento de 2 L de colostro de alta qualidade (84 g IgG/L) em 2 refeições (0 h e 12 h) ao invés de 1 refeição (4 L a 0 h) resultou em maior EAA e concentrações séricas de IgG às 24h (Jaster, 2005). Por outro lado, bezerros alimentados com 1 refeição de 4 L (60,1 g IgG/L), seguido de uma mais uma refeição de 2 L às 12 h, apresentaram maior concentração sérica de IgG do que aqueles alimentados com 2 refeições de 2 L (Morin et al., 1997).

Abuelo et al. (2021) comparou os efeitos de 1 ou 2 refeições de colostro e relatou que bezerros que receberam uma segunda refeição de colostro em 5 a 6 h tinham menores chances de falha na transferência de imunidade iva do que bezerros alimentados com apenas 1 refeição ao nascer. Assim, acredita-se que um maior número de refeições de colostro pode ajudar a melhorar a transferência de imunidade iva. No entanto, o efeitos de várias refeições na absorção de IgG não são bem entendido.

A concentração sérica de IgG é diretamente relacionada com o consumo de maiores volumes de colostro. No entanto, a EAA é reduzida a medida que maiores massas de IgG são fornecidas. Dados de nosso laboratório na ESALQ mostram essa correlação negativa da massa de IgG consumida e a EAA, com alteração na eficiência de 40,8% para animais que receberam 193 g de IgG para apenas 21,3% para aqueles alimentados com 388 g de IgG, ambos em uma única refeição (Silva et al., 2020). 

Aparentemente isso ocorre por uma limitação fisiológica para absorção no intestino, a qual pode ser chamada de saturação intestinal. Este efeito pode correr devido a saturação dos mecanismos de transporte de macromoléculas e IgG, ou porque o recém-nascido regula suas concentrações séricas de IgG quando uma determinada concentração é atingida.

Para entender melhor este processo, Lopez et al (2022) avaliaram os efeitos de 2 frequências de fornecimento de substituto de colostro (SC), baixa e alta, fornecendo um determinado volume de acordo com o peso ao nascimento em 2 ou 3 refeições. Também foi objetivo do trabalho avaliar se existe um limite superior de absorção de IgG ou se a EAA é diminuída quando uma maior refeição é fornecida ao nascimento.

Para isso, os pesquisadores avaliaram 40 bezerros recém nascidos (20 por tratamento), os quais foram imediatamente separados de suas mães para garantir que não houvesse consumo direto de colostro. Os animais foram divididos em dois grupos:

  1. Baixa frequência: SC dentro de 1h após o nascimento na proporção de 8% do PN e mais 4% 12h após a primeira alimentação
     
  2. Alta frequência: SC dentro de 1h após o nascimento na proporção de 4% do PN e mais duas refeições de 4%, às 6h e 12h após a primeira

Assim, todos os animais foram colostrados com o equivalente a 12% do PN através de sonda esofágica para garantir o tempo e volume de consumo. O SC foi reconstituído com água potável para uma concentração de 70,5 g/L de IgG. Após o fornecimento de colostro de acordo com cada programa, os animais foram alimentados com leite descarte pasteurizado.

Amostras de sangue foram colhidas dos recém nascidos, antes do fornecimento de colostro e a cada 2h até as 18h de vida, a cada 3h de 18 à 30h de vida e a cada 6h de 30 a 48h de vida, para análise de IgG e proteína total. A partir dos resultados de concentração de IgG foi possível calcular a EAA, tempo para alcançar a máxima concentração e a máxima concentração atingida.

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Tabela 1. Parâmetros avaliados em recém-nascidos alimentados com substituto de colostro segundo protocolo de alta ou baixa frequência nas primeiras 12h de vida.

colostragem


Não houve diferença para peso ao nascer, assim como para o peso às 48h. Bezerros colostrados no protocolo de baixa frequência receberam massa total de IgG de 257,9 e 128,9 g na primeira (0 h) e segunda (12 h) refeições de SC, respectivamente, enquanto os bezerros colostrados na alta frequência receberam massa de 126,7, 126,7 e 126,7 g na primeira (0 h), segunda (6 h) e terceira (12 h) refeições de SC, respectivamente.

Assim, a massa total de IgG para baixa e alta frequência de colostragem foi de 386,9 e 380,1 ± 8,1 g (P = 0,53), respectivamente. De maneira geral e independente do protocolo de colostragem, os bezerros beberam mais leite na segunda (36 h) e terceira (48 h) mamadas do que na primeira (24h). O fato de bezerros no protocolo de baixa frequência terem recebido 8% do PN na primeira refeição não afetou o consumo de leite nas mamadas seguintes.

Os dados mostram que os dois grupos de animais apresentaram concentrações baixíssimas de IgG ao nascer, o que é esperado uma vez que devido ao tipo de placenta dos ruminantes não ocorre transferência de IgG durante a gestação. Fornecer colostro duas ou três vezes não afetou a concentração de sérica de IgG às 24h (Tabela 1; Figura 1).

Figura 1. Concentração sérica de IgG de acordo com o tempo após o nascimento de bezerros colostrados de acordo com protocolo de baixa ou alta frequência.

igg colostro fracionado

Considerando as categorias propostas para gestão da transferência de imunidade iva, 55,56 e 44,44% dos bezerros colostrados no protocolo de baixa frequência foram classificados nas categorias bom (18,00 a 24,90 g/L) e excelente (≥25,00 g/L), respectivamente. Já o grupo de alta frequência apresentou 38,10% e 61,90% dos bezerros nestas mesmas categorias.

Essas porcentagens não foram diferentes entre os dois grupos (P>0,05), sugerindo que aumentar a frequência de colostragem não beneficiou a transferência de imunidade iva. As concentrações de proteína sérica total também não foram afetadas pela frequência de alimentação. Houve um efeito da interação do protocolo de colostragem com o tempo, no entanto revelando diferença na concentração sérica de IgG apenas às 8h de vida (P < 0,01; Figura 1).

Diferentemente do esperado, a eficiência aparente de absorção em 24 h não foi afetada pela frequência de colostragem, o que também não resultou em diferenças na concentração máxima de IgG ou no tempo para atingir a concentração máxima (Tabela 1).

As hipóteses do estudo eram de que o fornecimento de uma mesma massa total de IgG em refeições menores e mais frequentes poderiam aumentar a EAA. A ideia era a de evitar o efeito de saturação dos mecanismos de transportes, fornecendo volumes menores, mas ainda dentro da janela de tempo de maior eficiência de absorção de IgG. No entanto, pode ser que mesmo o protocolo de baixa frequência de fornecimento utilizado no estudo (2 refeições) não tenha resultado em saturação do sistema, diferente de protocolos com fornecimento de 12% do PN em uma única refeição adotados por diversas fazendas. Protocolos com fornecimento de maiores volumes ou massa de IgG em uma única refeição também estão associados a menor EAA. No entanto, este efeito também não foi observado neste estudo, provavelmente devido ao fornecimento de 8% do PN na primeira refeição no protocolo de baixa frequência.

Por outro lado, mesmo que todos os bezerros no presente estudo tenham sido alimentados com colostro a um total de 12% do PN nas primeiras 12 horas de vida, conforme recomendação de literatura, os resultados indicam que bezerros alimentados com menor massa total de IgG na primeira refeição (4% do peso corporal em vez de 8% do PC) não tiveram aumento da EAA.

Embora a massa total de IgG seja um fator limitante, o volume total fornecido também é uma consideração importante. Stott e Fellah (1983) relataram que os bezerros absorvem IgG de forma mais eficiente quando uma determinada massa total de IgG é fornecida em 1 L em vez de de 2 L de colostro. Esses autores sugerem que 1 L de colostro com concentração de IgG de 100 g/L é melhor absorvido do que 2 L de colostro com concentração de IgG de 50 g/L. Isso mostra que buscar sempre o fornecimento de colostro com altas concentrações de IgG é uma estratégia eficiente para a colostragem.

Também importante nesta discussão é o fato de que o estudo foi realizado com SC. A EAA varia bastante entre produtos (15 a 40%), uma vez que utilizam diferentes técnicas para sua produção. Dados de literatura reportam também grandes variações na EAA quando bezerros recebem colostro materno, com valores desde 7,7 a 59,9%. As razões para esta variação ainda não são bem entendidas, mas um fator importante é sua composição. Por exemplo, a remoção de caseína e gordura de SC resulta em EAA em torno de 40% (Lopez et al., 2020), enquanto altas doses de caseína adicionadas ao SC afetam negativamente a absorção de IgG (Davenport et al., 2000). Outros fatores como a pasteurização, a carga microbiana, a presença de compostos bioativos, entre outros, também afetam a EAA.

Embora neste estudo não tenham sido encontrado benefício em dividir o fornecimento total de colostro em três refeições, nenhum bezerro dos 2 protocolos de colostragem apresentou falha na transferência de imunidade iva ou foram categorizados como tendo ruim (<10 g/L) ou razoável (10,0 a 17,9 g/gL) níveis de IgG. Isso demonstra que nenhuma dessas frequências de alimentação afetou negativamente os níveis séricos de IgG ou comprometeu a transferência de imunidade iva.

Portanto, aumentar a frequência de fornecimento de colostro nas primeiras 12 h de vida, seguindo as recomendações de fornecimento de colostro de alta qualidade em volumes que representam entre 10 e 12% do PN, não resulta em benefícios adicionais, como aumento concentrações séricas de IgG em 24 h. Dessa forma, não se justifica o fornecimento do volume total em 3 refeições de colostro nas primeiras 12 h de vida.

 

Comentários

Vários estudos mostram que à medida que aumentamos o fornecimento de IgG, seja de colostro materno ou SC, a EAA é reduzida. Conforme discutido no artigo, deve existir um ponto de saturação dos mecanismos de absorção ou uma regulação do animal neste processo. Assim, a ideia de se dividir o volume total recomendado na literatura em maior número de refeições poderia ser uma alternativa para aumentar a absorção de IgG. Esta estratégia poderia aumentar a porcentagem de bezerras classificadas como excelente na gestão da colostragem e, consequentemente, reduzir as taxas de morbidade, além da mortalidade.

No entanto, o estudo não mostrou efeitos positivos quando o total de 12% do PN em colostro foi dividido em 3 refeições (4% às 1, 6 e 12h após o nascimento) em comparação com 2 refeições (8% à 1h e 4% às 12h).

Interessante que os protocolos de colostragem poderiam ser mais desafiadores do ponto de vista de volume total de fornecimento uma vez que as recomendações mais atuais resultam em 15% do PN, com uma refeição dentro de 2h de nascimento de 10% e mais uma de 5% por volta de 6h depois.

Também é importante considerar que o fornecimento de maior número de refeições tem impacto importante na gestão de mão de obra da propriedade. O maior tempo com esta atividade pode aumentar o custo total com mão de obra, ou impactar negativamente na eficiência de colostragem à medida que existem mais processos associados ao protocolo. O bezerreiro já é um local onde temos muitos protocolos e processos então facilitar e simplificar os manejos pode trazer inúmeros benefícios.

De qualquer modo é sempre bom lembrar que para boa colostragem precisamos de colostro de alta qualidade imunológica e sanitária, fornecer em volume e tempo adequados para máxima EAA.

 

Referências

Abuelo, A., F. Cullens, A. Hanes, and J. L. Brester. 2021. Impact of 2 versus 1 colostrum meals on failure of transfer of ive immunity, pre-weaning morbidity and mortality, and performance of dairy calves in a large dairy herd. Animals (Basel) 11:782. https://doi.org/10.3390/ani11030782.

Azevedo et al. Alta Cria 2021. Uberaba, Minas Gerais, 2021. 1ª Edição. 140 p.

Davenport, D. F., J. D. Quigley III, J. E. Martin, J. A. Holt, and J. D. Arthington. 2000. Addition of casein or whey protein tocolostrum or a colostrum supplement product on absorption of IgG in neonatal calves. J. Dairy Sci. 83:2813–2819. https://doi.org/10.3168/jds .S0022-0302(00)75180-0.

Jaster, E. H. 2005. Evaluation of quality, quantity, and timing of colostrum feeding on immunoglobulin G1 absorption in Jersey calves. J. Dairy Sci. 88:296–302. https://doi.org/10.3168/jds.S0022 -0302(05)72687-4.

Lombard, J., N. Urie, F. Garry, S. Godden, J. Quigley, T. Earleywine, S. McGuirk, D. Moore, M. Branan, M. Chamorro, G. Smith, C. Shivley, D. Catherman, D. Haines, A. J. Heinrichs, R. James, J. Maas, and K. Sterner. 2020. Consensus recommendations on calf- and herd-level ive immunity in dairy calves in the United States. J. Dairy Sci. 103:7611–7624. https://doi.org/10.3168/jds .2019-17955.

Lopez, A. J., C. M. Jones, A. J. Geiger, and A. J. Heinrichs. 2020. Comparison of immunoglobulin G absorption in calves fed maternal colostrum, a commercial whey-based colostrum replacer, or supplemented maternal colostrum. J. Dairy Sci. 103:4838–4845. https://doi.org/10.3168/jds.2019-17949.

Lopez, A. J., Yohe, T. T., Echeverry-Munera, J., Nagorske, M., Renaud, D. L., Steele, M. A. 2022. Effects of a low- or high-frequency colostrum feeding protocol on immunoglobulin G absorption in newborn calves. J. Dairy Sci 105:6318–6326. https://doi.org/10.3168/jds.2021-21284.

Morin, D. E., G. C. McCoy, and W. L. Hurley. 1997. Effects of quality, quantity, and timing of colostrum feeding and addition of a dried colostrum supplement on immunoglobulin G1 absorption in dairy calves. J. Dairy Sci. 80:747–753. https://doi.org/10.3168/jds.S0022-0302(97)75994 -0.

Silva, A. P. ; Toledo, Ariany F. ; Cesar, A. M. ; Coelho, Marina G. ; Virginio Junior, G. F. ; Poczynek, M. ; Silva, M. D. ; Haines, D. M. ; Campos, M. ; Bittar, C. M. M. . ive transfer and neonatal health in dairy calves receiving maternal colostrum and/or a colostrum replacer. Livestock Science, v. 240, p. 104158, 2020.

Stott, G. H., and A. Fellah. 1983. Colostral immunoglobulin absorption linearly related to concentration for calves. J. Dairy Sci. 66:1319– 1328. https://doi.org/10.3168/jds.S0022-0302(83)81941-9.

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Material escrito por:

Carla Maris Machado Bittar

Carla Maris Machado Bittar

Prof. Do Depto. de Zootecnia, ESALQ/USP

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Recentemente as recomendações de colostragem foram alteradas, elevando-se a concentração de IgG alvo para as bezerras.

A gestão da colostragem deixou de ter uma abordagem dicotômica de falha (<10 g IgG/L) ou sucesso (>10 g IgG/L) na colostragem para que as concentrações fossem categorizadas como excelente (> 25 g/L), bom (18 – 24,9 g/L), fraco (10 – 17,9 g/L) e ruim (<10g/L) (Lombard et al., 2020). 

Existem recomendações de porcentagem de distribuição dos recém nascidos dentro destas faixas, mas o ideal é que a maior parte dos animais esteja na faixa excelente. Essa nova visão da colostragem tem como resultado não só a redução da taxa de mortalidade, mas também de morbidade nos bezerreiros.

Para que isso ocorra, o consumo mínimo de IgG está ao redor de 150-200 g nas 2 primeiras horas de vida, uma vez que este é o período de maior eficiência de absorção. No entanto, fornecimento de maiores quantidades na primeira refeição, assim como uma refeição adicional dentro de 6 a 8h após o nascimento também têm sido recomendadas.

No entanto, o número e o volume de refeições não estão bem estabelecidos e não se sabe como afetam a transferência de imunidade iva e a absorção de IgG.

O último levantamento dos dados do Programa Alta Cria (Azevedo et al., 2021) mostrou que 93% dos produtores fornecem colostro para a recém nascida dentro de 2h de vida, quando o nascimento ocorre durante o dia. No entanto, para nascimentos durante a noite este valor cai para 41%. A maior parte dos produtores fornece colostro fresco ou fresco enriquecido com colostro em pó, na proporção de 10% do peso ao nascer da bezerra. Poucos produtores não fornecem uma segunda refeição (28%), o que sugere que já existe um entendimento no campo de que fornecimentos adicionais são importantes para a transferência de imunidade iva e, consequentemente, para a sobrevivência e saúde da bezerra.

Alguns trabalhos mostram que a eficiência aparente de absorção (EAA) é reduzida com o aumento no fornecimento. Por exemplo, o fornecimento de 2 L de colostro de alta qualidade (84 g IgG/L) em 2 refeições (0 h e 12 h) ao invés de 1 refeição (4 L a 0 h) resultou em maior EAA e concentrações séricas de IgG às 24h (Jaster, 2005). Por outro lado, bezerros alimentados com 1 refeição de 4 L (60,1 g IgG/L), seguido de uma mais uma refeição de 2 L às 12 h, apresentaram maior concentração sérica de IgG do que aqueles alimentados com 2 refeições de 2 L (Morin et al., 1997).

Abuelo et al. (2021) comparou os efeitos de 1 ou 2 refeições de colostro e relatou que bezerros que receberam uma segunda refeição de colostro em 5 a 6 h tinham menores chances de falha na transferência de imunidade iva do que bezerros alimentados com apenas 1 refeição ao nascer. Assim, acredita-se que um maior número de refeições de colostro pode ajudar a melhorar a transferência de imunidade iva. No entanto, o efeitos de várias refeições na absorção de IgG não são bem entendido.

A concentração sérica de IgG é diretamente relacionada com o consumo de maiores volumes de colostro. No entanto, a EAA é reduzida a medida que maiores massas de IgG são fornecidas. Dados de nosso laboratório na ESALQ mostram essa correlação negativa da massa de IgG consumida e a EAA, com alteração na eficiência de 40,8% para animais que receberam 193 g de IgG para apenas 21,3% para aqueles alimentados com 388 g de IgG, ambos em uma única refeição (Silva et al., 2020). 

Aparentemente isso ocorre por uma limitação fisiológica para absorção no intestino, a qual pode ser chamada de saturação intestinal. Este efeito pode correr devido a saturação dos mecanismos de transporte de macromoléculas e IgG, ou porque o recém-nascido regula suas concentrações séricas de IgG quando uma determinada concentração é atingida.

Para entender melhor este processo, Lopez et al (2022) avaliaram os efeitos de 2 frequências de fornecimento de substituto de colostro (SC), baixa e alta, fornecendo um determinado volume de acordo com o peso ao nascimento em 2 ou 3 refeições. Também foi objetivo do trabalho avaliar se existe um limite superior de absorção de IgG ou se a EAA é diminuída quando uma maior refeição é fornecida ao nascimento.

Para isso, os pesquisadores avaliaram 40 bezerros recém nascidos (20 por tratamento), os quais foram imediatamente separados de suas mães para garantir que não houvesse consumo direto de colostro. Os animais foram divididos em dois grupos:

  1. Baixa frequência: SC dentro de 1h após o nascimento na proporção de 8% do PN e mais 4% 12h após a primeira alimentação
     
  2. Alta frequência: SC dentro de 1h após o nascimento na proporção de 4% do PN e mais duas refeições de 4%, às 6h e 12h após a primeira

Assim, todos os animais foram colostrados com o equivalente a 12% do PN através de sonda esofágica para garantir o tempo e volume de consumo. O SC foi reconstituído com água potável para uma concentração de 70,5 g/L de IgG. Após o fornecimento de colostro de acordo com cada programa, os animais foram alimentados com leite descarte pasteurizado.

Amostras de sangue foram colhidas dos recém nascidos, antes do fornecimento de colostro e a cada 2h até as 18h de vida, a cada 3h de 18 à 30h de vida e a cada 6h de 30 a 48h de vida, para análise de IgG e proteína total. A partir dos resultados de concentração de IgG foi possível calcular a EAA, tempo para alcançar a máxima concentração e a máxima concentração atingida.

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Tabela 1. Parâmetros avaliados em recém-nascidos alimentados com substituto de colostro segundo protocolo de alta ou baixa frequência nas primeiras 12h de vida.

colostragem


Não houve diferença para peso ao nascer, assim como para o peso às 48h. Bezerros colostrados no protocolo de baixa frequência receberam massa total de IgG de 257,9 e 128,9 g na primeira (0 h) e segunda (12 h) refeições de SC, respectivamente, enquanto os bezerros colostrados na alta frequência receberam massa de 126,7, 126,7 e 126,7 g na primeira (0 h), segunda (6 h) e terceira (12 h) refeições de SC, respectivamente.

Assim, a massa total de IgG para baixa e alta frequência de colostragem foi de 386,9 e 380,1 ± 8,1 g (P = 0,53), respectivamente. De maneira geral e independente do protocolo de colostragem, os bezerros beberam mais leite na segunda (36 h) e terceira (48 h) mamadas do que na primeira (24h). O fato de bezerros no protocolo de baixa frequência terem recebido 8% do PN na primeira refeição não afetou o consumo de leite nas mamadas seguintes.

Os dados mostram que os dois grupos de animais apresentaram concentrações baixíssimas de IgG ao nascer, o que é esperado uma vez que devido ao tipo de placenta dos ruminantes não ocorre transferência de IgG durante a gestação. Fornecer colostro duas ou três vezes não afetou a concentração de sérica de IgG às 24h (Tabela 1; Figura 1).

Figura 1. Concentração sérica de IgG de acordo com o tempo após o nascimento de bezerros colostrados de acordo com protocolo de baixa ou alta frequência.

igg colostro fracionado

Considerando as categorias propostas para gestão da transferência de imunidade iva, 55,56 e 44,44% dos bezerros colostrados no protocolo de baixa frequência foram classificados nas categorias bom (18,00 a 24,90 g/L) e excelente (≥25,00 g/L), respectivamente. Já o grupo de alta frequência apresentou 38,10% e 61,90% dos bezerros nestas mesmas categorias.

Essas porcentagens não foram diferentes entre os dois grupos (P>0,05), sugerindo que aumentar a frequência de colostragem não beneficiou a transferência de imunidade iva. As concentrações de proteína sérica total também não foram afetadas pela frequência de alimentação. Houve um efeito da interação do protocolo de colostragem com o tempo, no entanto revelando diferença na concentração sérica de IgG apenas às 8h de vida (P < 0,01; Figura 1).

Diferentemente do esperado, a eficiência aparente de absorção em 24 h não foi afetada pela frequência de colostragem, o que também não resultou em diferenças na concentração máxima de IgG ou no tempo para atingir a concentração máxima (Tabela 1).

As hipóteses do estudo eram de que o fornecimento de uma mesma massa total de IgG em refeições menores e mais frequentes poderiam aumentar a EAA. A ideia era a de evitar o efeito de saturação dos mecanismos de transportes, fornecendo volumes menores, mas ainda dentro da janela de tempo de maior eficiência de absorção de IgG. No entanto, pode ser que mesmo o protocolo de baixa frequência de fornecimento utilizado no estudo (2 refeições) não tenha resultado em saturação do sistema, diferente de protocolos com fornecimento de 12% do PN em uma única refeição adotados por diversas fazendas. Protocolos com fornecimento de maiores volumes ou massa de IgG em uma única refeição também estão associados a menor EAA. No entanto, este efeito também não foi observado neste estudo, provavelmente devido ao fornecimento de 8% do PN na primeira refeição no protocolo de baixa frequência.

Por outro lado, mesmo que todos os bezerros no presente estudo tenham sido alimentados com colostro a um total de 12% do PN nas primeiras 12 horas de vida, conforme recomendação de literatura, os resultados indicam que bezerros alimentados com menor massa total de IgG na primeira refeição (4% do peso corporal em vez de 8% do PC) não tiveram aumento da EAA.

Embora a massa total de IgG seja um fator limitante, o volume total fornecido também é uma consideração importante. Stott e Fellah (1983) relataram que os bezerros absorvem IgG de forma mais eficiente quando uma determinada massa total de IgG é fornecida em 1 L em vez de de 2 L de colostro. Esses autores sugerem que 1 L de colostro com concentração de IgG de 100 g/L é melhor absorvido do que 2 L de colostro com concentração de IgG de 50 g/L. Isso mostra que buscar sempre o fornecimento de colostro com altas concentrações de IgG é uma estratégia eficiente para a colostragem.

Também importante nesta discussão é o fato de que o estudo foi realizado com SC. A EAA varia bastante entre produtos (15 a 40%), uma vez que utilizam diferentes técnicas para sua produção. Dados de literatura reportam também grandes variações na EAA quando bezerros recebem colostro materno, com valores desde 7,7 a 59,9%. As razões para esta variação ainda não são bem entendidas, mas um fator importante é sua composição. Por exemplo, a remoção de caseína e gordura de SC resulta em EAA em torno de 40% (Lopez et al., 2020), enquanto altas doses de caseína adicionadas ao SC afetam negativamente a absorção de IgG (Davenport et al., 2000). Outros fatores como a pasteurização, a carga microbiana, a presença de compostos bioativos, entre outros, também afetam a EAA.

Embora neste estudo não tenham sido encontrado benefício em dividir o fornecimento total de colostro em três refeições, nenhum bezerro dos 2 protocolos de colostragem apresentou falha na transferência de imunidade iva ou foram categorizados como tendo ruim (<10 g/L) ou razoável (10,0 a 17,9 g/gL) níveis de IgG. Isso demonstra que nenhuma dessas frequências de alimentação afetou negativamente os níveis séricos de IgG ou comprometeu a transferência de imunidade iva.

Portanto, aumentar a frequência de fornecimento de colostro nas primeiras 12 h de vida, seguindo as recomendações de fornecimento de colostro de alta qualidade em volumes que representam entre 10 e 12% do PN, não resulta em benefícios adicionais, como aumento concentrações séricas de IgG em 24 h. Dessa forma, não se justifica o fornecimento do volume total em 3 refeições de colostro nas primeiras 12 h de vida.

 

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Vários estudos mostram que à medida que aumentamos o fornecimento de IgG, seja de colostro materno ou SC, a EAA é reduzida. Conforme discutido no artigo, deve existir um ponto de saturação dos mecanismos de absorção ou uma regulação do animal neste processo. Assim, a ideia de se dividir o volume total recomendado na literatura em maior número de refeições poderia ser uma alternativa para aumentar a absorção de IgG. Esta estratégia poderia aumentar a porcentagem de bezerras classificadas como excelente na gestão da colostragem e, consequentemente, reduzir as taxas de morbidade, além da mortalidade.

No entanto, o estudo não mostrou efeitos positivos quando o total de 12% do PN em colostro foi dividido em 3 refeições (4% às 1, 6 e 12h após o nascimento) em comparação com 2 refeições (8% à 1h e 4% às 12h).

Interessante que os protocolos de colostragem poderiam ser mais desafiadores do ponto de vista de volume total de fornecimento uma vez que as recomendações mais atuais resultam em 15% do PN, com uma refeição dentro de 2h de nascimento de 10% e mais uma de 5% por volta de 6h depois.

Também é importante considerar que o fornecimento de maior número de refeições tem impacto importante na gestão de mão de obra da propriedade. O maior tempo com esta atividade pode aumentar o custo total com mão de obra, ou impactar negativamente na eficiência de colostragem à medida que existem mais processos associados ao protocolo. O bezerreiro já é um local onde temos muitos protocolos e processos então facilitar e simplificar os manejos pode trazer inúmeros benefícios.

De qualquer modo é sempre bom lembrar que para boa colostragem precisamos de colostro de alta qualidade imunológica e sanitária, fornecer em volume e tempo adequados para máxima EAA.

 

Referências

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Material escrito por:

Carla Maris Machado Bittar

Carla Maris Machado Bittar

Prof. Do Depto. de Zootecnia, ESALQ/USP

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