O estresse pode ocorrer por motivo físico, como fome, fadiga, lesão e temperatura ambiental extrema, ou por fatores psicológicos, como contenção, manejo ou novidade. A maioria destes fatores pode ocorrer durante a fase de desaleitamento de bezerros. Comportamentos como mamada não nutritiva, vocalização e agitação motora, tem sido identificados quando estes animais são submetidos a situações estressantes. A vocalização e outros sinais utilizados pelos animais para comunicação podem fornecer informações sobre experiências subjetivas. No entanto, poucos experimentos têm focado nestas experiências negativas e o quanto elas afetam o bem-estar e a fisiologia destes animais, especialmente nos sistemas de produção e nas condições de produção no Brasil.
No estudo realizado por Santos e Bittar (2015), caracterizando a criação de bezerras leiteiras no Brasil, é possível observar que o sistema de criação brasileiro sofre com problemas semelhantes aos observados em países como o Canadá e os Estados Unidos, quando se pensa em práticas de manejo que afetam o bem estar. Práticas que deveriam ser simples de serem executadas, como a cura do umbigo, ainda são negligenciadas, levando ao aparecimento de hérnias, onfalites e infecções ascendentes. Em ocasiões onde os nascimentos de bezerras acontecem à noite, apenas 12% das propriedades fornecem o colostro até as 4 primeiras horas de vida do recém nascido e 35% dos animais recebem o colostro direto das mães, sem haver o controle da quantidade ingerida ou da qualidade desse colostro, de forma a garantir a transferência de imunidade iva às bezerras. A soma desses fatores além de prejudicar o bem-estar, contribuem para desempenho inadequado dos animais e muitas vezes aumentam o custo de produção devido ao gasto com tratamentos veterinários.
Por outro lado, o consumidor começa a manifestar uma preocupação cada vez maior com o estado emocional dos animais, além de questões de bem-estar associadas a produção de leite ou de carne. Essa preocupação não se refere somente as situações em que os animais sofrem de dor, injúrias, medos e estresse, mas também com situações associadas ao prazer do animal, como atividades lúdica ou de brincadeiras, tão comuns em filhotes de qualquer espécie.
Tendo em vista esta crescente preocupação em assegurar o bem-estar dos animais, estudos de métodos de desaleitamento que minimizem os impactos deste período são importantes para auxiliar no entendimento das mudanças que o animal a durante este processo e de suas reações comportamentais. O estresse do bezerro ao desaleitamento não está associado somente à dor, doenças, desconforto ou experiências negativas, mas também envolve a habilidade dos mesmos em experimentar emoções positivas. O comportamento lúdico só é manifestado quando as necessidades básicas de alimento, abrigo e segurança são atingidas.
Estudos associados ao comportamento lúdico em bezerros indicam que o comportamento de fome, ganho de peso reduzido, aumento de frequência de visitas à mamadeira e posições fixas por longos períodos, estão associados a uma menor quantidade de leite que normalmente devam ingerir (Vieira et al., 2008; Borderas et al., 2009). Esta série de comportamentos tem como consequência uma redução no comportamento lúdico, principalmente pelo decréscimo de energia na dieta. Além de promover o bem-estar dos animais, o comportamento lúdico cria benefícios sociais e físicos, que podem se sobressair até mesmo do estresse ao desaleitamento.
O estresse relacionado ao período de desaleitamento se dá por uma série de mudanças às quais os animais são forçados no momento em que se interrompe o fornecimento da dieta líquida. A principal é a própria forma de nutrição do animal, que muda de líquida para sólida, também a redução da quantidade de matéria seca recebida com o não fornecimento do leite e ainda, a adaptação a digestão e fermentação de alimentos própria de ruminantes. Todos estes aspectos podem ser fator de estresse caso o animal ainda não esteja preparado para esta mudança. Além disso, neste período também ocorrem alterações no manejo e nas instalações dos animais, que am muitas vezes de abrigos individuais para uma situação de agrupamento, devendo adaptar-se ao novo ambiente.
Um dos problemas de grande parte dos produtores é superestimar a maturidade dos animais para viver este período de transição pós desaleitamento, já que este é o período de maior estresse na vida dos animais. Desta forma, medidas que minimizem o impacto deste período, e reduzam o estresse ao que o animal é imposto, devem fazer parte do manejo destes animais, de forma a manter o bom desempenho obtido na fase de aleitamento. Além dos programas de desaleitamento gradual, os quais devem ser mais longos, quanto maior o fornecimento de dieta líquida, o enriquecimento ambiental pode ser utilizado para reduzir o estresse dos animais, muitas vezes reduzindo o problema de mamadas cruzadas.
Em experimento na ESALQ/USP avaliou-se o enriquecimento ambiental para bezerros recém desaleitados e inseridos em um grupo pré-formado de forma individual ou em duplas. Para o enriquecimento ambiental foram utilizados uma bola grande, um espantalho, um cone e um pneu pendurado (Figura 1). O fator mais importante neste processo tenha sido a inserção de animais aos pares no piquete, de forma que não sofressem tanto com a realocação social (hierarquia dentro do lote). No entanto, os objetos incluídos como forma de enriquecimento auxiliaram na socialização dos animais, sendo o espantalho o elemento com o qual os animais mais interagiram. A bola e o pneu também foram bastante utilizados, sendo objetos mais simples para inclusão nos piquetes de animais desaleitados.
Figura 1. Objetos de enriquecimento ambiental para bezerros leiteiros
O bem-estar de bezerros deve ser avaliado como um todo dentro do processo de crescimento e não somente avaliado através de taxas de crescimento e de morbidade. Crianças gostam de ganhar brinquedos no Natal, será que seus bezerros também não gostariam?
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BITTAR, C.M.M.; FERREIRA, C.M.M.; GALLO, M.P.C.; PAULA, M.R. Manejo alimentar de bezerras em aleitamento. In:SIMPÓSIO SOBRE NUTRIÇÃO DE BOVINOS, 9., Fealq:Piracicaba. Anais… Fealq:Piracicaba, 2011. p. 9-92.
BORDERAS, T.F., de ille´ , A.M.B., Rushen, J., 2009. Feeding behavior of calves fed small or large amounts of milk. J. Dairy Sci. 92, 2843– 2852.
VIEIRA, A., GUESDON, V., DE ILLE´ , A.M., VON KEYSERLINGK, M.A.G., WEARY, D.M., 2008. Behavioural indicators of hunger in dairy calves. Appl. Anim. Behav. Sci. 109, 180–189.
SANTOS, G.; BITTAR, C.M.M. A survey of dairy calf management practices in some producing regions in Brazil. R. Bras. Zootec., 44(10):361-370, 2015.