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Relação entre manejo alimentar e microbioma de bezerras

Relação entre manejo alimentar e microbioma de bezerras. Saiba como o as técnicas alimentares podem influenciar o desenvolvimento da microbiota dos bezerros.

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Publicado em: - Atualizado em: - 11 minutos de leitura

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A microbiota inicial do trato gastrointestinal (TGI) desempenha papel essencial na maturação do sistema endócrino, imunológico da mucosa e do sistema nervoso central, com fortes influencias na saúde e o bem-estar de animais jovens.

A importância da alimentação com colostro, volume e qualidade da dieta líquida, níveis de fibra no concentrado, ou fornecimento de feno para bezerros leiteiros tem sido amplamente discutida na literatura.

Além disso, a introdução de diferentes técnicas moleculares, como as ômicas, tem se mostrado essencial nos estudos de microbiologia, bem como a introdução de conceitos como diversidade e riqueza, o que aumentou o entendimento dos efeitos de diferentes práticas alimentares na microbiota do TGI de bezerros.

A nutrição oferecida a bezerros jovens afeta a estrutura da microbiota gastrointestinal uma vez que fornece diferentes substratos para as comunidades microbianas. Assim, o tipo de substrato disponível para o crescimento afeta a colonização, e consequentemente o estabelecimento de diferentes microrganismos.

Portanto, conhecer o processo de colonização microbiana no TGI é importante para a compreensão das interações hospedeiro-microbiota durante o período de aleitamento e seu impacto na saúde e produção na vida produtiva do animal. Além disso, o entendimento dessas interações é essencial para a manipulação da microbiota gastrointestinal, seja por meio da substituição de dietas ou pela suplementação com probióticos ou prebióticos.

Nos últimos anos, vários estudos mostraram como a microbiota gastrointestinal está intimamente relacionada à saúde e ao desempenho do hospedeiro, seja por meio da função metabólica ou da proteção contra patógenos.

A microbiota gastrointestinal é geneticamente complexa, representada por várias espécies de bactérias, protozoários, fungos, metanogênicas e bacteriófagos, com muitas diferenças funcionais e filogenéticas. O ecossistema microbiano ruminal é o mais diverso, sendo responsável por vários nichos funcionais, incluindo funções proteolíticas, fibrolíticas e lipolíticas. As contagens são da ordem de 1010 UFC ml−1 de fluido ruminal para bactérias, 108 para protozoários, 107 para metanogênicas e 103 para esporos de fungos.

 

Colonização microbiana

A colonização microbiana é influenciada por uma série de fatores associados ao animal, à microbiota e a fatores externos. Os fatores externos são os mais diversos, como a microbiota materna, tipo de nascimento, ambiente, fonte de colostro e tempo de alimentação, composição das dietas líquidas e sólidas e tratamento com antibióticos no início da vida.

Fatores relacionados ao hospedeiro têm sido citados como pH luminal, tempo de retenção de alimentação e mecanismos de defesa imunológica, bem como fatores relacionados à microbiota, como adesão, mecanismos de sobrevivência sob um gradiente de oxigênio e mecanismos para obter nutrientes do hospedeiro. Alguns autores sugeriram que os eventos pré-parto podem influenciar a colonização do TGI no recém-nascido.

Ao nascimento, a colonização por uma abundante e diversa comunidade microbiana ocorre rapidamente. Este é um processo dinâmico e tem flutuação considerável no início da vida do animal. A colonização pode continuar até o desaleitamento porque a diversidade microbiana, riqueza, estrutura e composição estão em constante mudança ao longo do período de aleitamento. Após esse período, a microbiota se estabiliza e se torna resiliente às mudanças, sendo alterada apenas por mudanças temporárias na dieta, mas retornando à condição anterior.

A dieta e a frequência de seu fornecimento são fatores críticos para o estabelecimento e manutenção da população microbiana, como vias de inoculação de microrganismos e também servindo como substratos para o crescimento.

Um estudo interessante mostrou que em cordeiros mamando na mãe, a microbiota intestinal era mais próxima à presente nas tetas (43%) e no ambiente (28%), enquanto que em cordeiros alimentados por mamadeira, a microbiota era mais próxima à da vagina (46%), do ar ambiente (31%) e do piso do curral (12%) (Bi et al., 2019).

Interessante notar que o ambiente pode representar até 43% dos microrganismos presentes no intestino dos animais, indicando um fator importante na colonização do TGI.

Dessa forma, todos os componentes ambientais representam uma importante fonte de variação do microbioma dos animais, como o tipo de cama, o tipo de instalação e o local de parição. Apesar de ainda não haverem pesquisas avaliando esses pontos, é importante lembrar que o ambiente tem que ser mantido limpo, para minimizar o contato com microrganismos patogênicos.

Figura 1


Efeitos do colostro na microbiota intestinal

Embora os estudos não indiquem o colostro como a principal fonte de colonização da microbiota intestinal, é importante lembrar que o colostro representa um substrato importante para o crescimento de bactérias comensais.

Além disso, o fornecimento de colostro pode promover uma maior prevalência de Bifidobacterium (bactérias benéficas) no intestino delgado durante as primeiras 12 horas de vida. E a maior abundância desse gênero pode ser encontrado com fornecimento de colostro imediatamente após o nascimento.

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A abundância dessa bactéria pode explicar a redução da incidência de infecções entéricas, indicando que o colostro desempenha também um papel crucial na formação de um TGI saudável.

Figura 2

 

Importância da dieta líquida

A dieta líquida desempenha um papel muito importante durante o período de aleitamento, com implicações consideráveis no desenvolvimento da microbiota intestinal. Vários de seus constituintes, como os oligossacarídeos, selecionam uma microbiota intestinal altamente adaptada dominada por espécies de Bifidobacterium.

No entanto, o tipo e a disponibilidade de nutrientes nos sucedâneos são diferentes daqueles observados no leite integral e podem impactar significativamente a colonização do intestino do animal.

O leite integral é a melhor opção de alimentação para bezerros, tanto nutricionalmente quanto para estimular a microbiota benéfica. Além disso, bactérias dos gêneros Bifidobacterium, Faecalibacterium e Megamonas foram associados a bezerros saudáveis e maior ganho de peso, enquanto bezerros diarreicos foram associados a Escherichia, Shigella e Fusobacterium e apresentaram menor diversidade microbiana.

Muitos rebanhos leiteiros oferecem leite de descarte para seus bezerros. A literatura já demonstrou, no entanto, que, além de alterar a microbiota intestinal, animais alimentados com leite de descarte tem maior abundância de microrganismos patogênicos como o Odoribacter e Fusobacterium, além de apresentarem resíduos de antibióticos nas fezes.

A pasteurização e acidificação podem ser uma alternativa na redução da carga bacteriana, mas não há maneiras de reduzir os resíduos de antibióticos.

Além da composição da dieta líquida, é possível que outros fatores como o método (balde aberto, balde com bico ou mamadeira), a frequência e o volume de fornecimento também possam afetar a microbiota de bezerros leiteiros.

Figura 3

 

Importância da dieta sólida

A dieta sólida também afeta o microbioma de bezerros. O simples fornecimento de concentrado durante o aleitamento aumenta a abundância de Methanosphaera spp., uma arquea metanogênicas eficiente na produção de metano entérico.

Além disso, o fornecimento de concentrado não apenas fornece substrato para crescimento bacteriano, mas também altera a microbiota cecal, aumentando a abundância de Allistipes, Parabacteroides, Parassutterella e Butyricimonas, microrganismos associados à digestão de fibras e outros carboidratos, produção de butirato e diminuição da expressão gênica de fatores relacionados a processos inflamatórios.

À medida que os bezerros consomem mais dieta sólida, a composição microbiana e a função gastrointestinal se tornam cada vez mais semelhantes às observadas em animais adultos. No entanto, os efeitos de diferentes composições de concentrado e do fornecimento de feno ou silagem sobre a microbiota do TGI de bezerros leiteiros ainda permanecem inconclusivos.

 

Dieta como fator de manipulação da microbiota gastrointestinal

A composição da comunidade microbiana do TGI é influenciada tanto pela dieta quanto pela idade do animal. A idade é um fator de aumento da diversidade e uniformidade. Por outro lado, a dieta desempenha um papel significativo na definição da estrutura da microbiota dos ruminantes e da saúde geral do TGI, e pode servir como uma ferramenta para modular a microbiota no início da vida.

A manipulação da microbiota do TGI no período de aleitamento pode resultar no estabelecimento efetivo da microbiota desejada, a qual permaneceria estável até a maturidade. Dessa forma, a manipulação da microbiota ruminal no período de aleitamento pode ser possível com intervenções dietéticas, além de ser útil para delinear estratégias para promover a colonização de microrganismos específicos associados ao melhor desenvolvimento da bezerra.

Isso permite a seleção de microrganismos benéficos, auxiliando no aumento do seu desempenho e reduzindo microrganismos patogênicos que causam várias doenças em bezerros, como a diarreia.

O rúmen de animais adultos é bem conhecido por ser resistente a alterações dietéticas. Quaisquer alterações na composição da microbiota podem ser temporárias, ocorrendo apenas no período de alteração da dieta. Esse fato sugere que as manipulações da microbiota podem ser desafiadoras, pois a mesma é resilientes. Em contraste, a microbiota neonatal é mais sensível a pressões externas, como antibióticos e mudanças na composição da dieta líquida ou sólida, o que tornaria mais fácil obter resultados durante esse período.

Assim, ao avaliar a microbiota do TGI em um mesmo indivíduo durante todo o seu desenvolvimento, será possível para determinar o melhor momento para que a manipulação da microbiota seja mais eficiente no desempenho e melhoria da produção leite.

Além disso, poderemos no futuro obter animais com menor produção metano, maior eficiência na produção de leite, ou taxas de ganho de peso, apenas manipulando a dieta no período de aleitamento.

Recentes estudos têm mostrado como diferentes dietas podem ser eficazes na microbiota. No entanto, o efeito da nutrição inicial, como o colostro em pó, enriquecimento de colostro e fornecimento de leite de transição que são usados rotineiramente nas fazendas, sobre a microbiota ainda não é bem compreendido.

A adição de prebióticos, probióticos e outros aditivos a dieta líquida são uma alternativa benéfica na modulação do microbioma do TGI, diminuindo a incidência de diarreias, modulando a resposta imune, promovendo melhor desempenho e saúde intestinal.

A adição de butirato de sódio ao leite integral, resultou em maior concentração de AGCC no cólon, bem como uma maior abundância de Phascolarctobacterium, considerada uma bactéria probiótica (O’hara et al., 2018). Outros estudos, mesmo não avaliando o microbioma, têm grandes expectativas de terem modulado a microbiota intestinal, pois mostraram redução da incidência de diarreias, como os trabalhos de Slanzon et al. (2019) utilizando a própolis vermelha e o de Reis et al. (2021) utilizando lisolecitina, ambos na dieta líquida.

Mudanças na dieta sólida, como a relação forragem/concentrado, podem causar alterações na comunidade bacteriana ruminal no início da vida e persistir por até 4 meses, conforme as dietas provavelmente apresentam maiores teores de FDN ou mesmo a suplementação de feno ou milho integral.

Em um estudo recente de Dill-McFarland et al. (2019), a microbiota fecal foi avaliada com 2, 4 e 8 semanas, e 1 e 2 anos, e rúmen na semana 8 (de machos abatidos) e fêmeas canuladas com 1 e 2 anos.

Uma ração inicial, silagem de milho e uma dieta contendo 25/75 concentrado e silagem de milho foram fornecidas aos bezerros no período de aleitamento. Este estudo mostrou que a intervenção precoce não tem efeitos garantidos de longo prazo na microbiota ou na produção de leite.

No entanto, alguns autores relataram que há uma grande variabilidade interindividual mesmo em grupos que recebem a mesma dieta, portanto as diferenças no microbioma ruminal podem não ser tão precisas. Até o momento, o estudo Dill-Mcfarland é o único que avaliou os animais até os 2 anos de idade, mas seus resultados merecem ser discutidos com mais cuidado e atenção.

Outro estudo que encontrou resultados semelhantes. Virgínio Júnior et al. (2021) avaliaram a microbiota fecal de bezerros recebendo diferentes dietas líquidas (sucedâneo, leite integral e leite integral acidificado), observaram ao desaleitamento (semana 8) que a estrutura da comunidade bacteriana apresenta semelhanças entre os tratamentos, e após os animais serem alojados em grupo  na semana 10, essa semelhança foi mais evidente, com poucas diferenças na composição após o desaleitamento.

Estes resultados indicam que talvez o meio ambiente seja um fator de maior importância a ser considerado como modulador ou nivelador do microbioma gastrointestinal. No entanto, não podemos negar o fato de que a modulação dietética associadas com práticas de manejo podem afetar a composição microbiana do TGI em bezerros jovens, melhorando o estado de saúde, prevenindo a colonização por microrganismos patogênicos e reduzindo as reações inflamatórias.

Ainda não está claro se os efeitos da modulação podem persistir na microbiota de animais adultos e como isso pode afetar a eficiência de produção. A ciência mostrará em breve como estes aspectos de relacionam e como o produtor pode tirar proveito através da manipulação do microbioma de animais jovens para obtenção de animais adultos mais produtivos.

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Referências

Dill-McFarland KA, Weimer PJ, Breaker JD and Suen G (2019) Diet influ- ences early Microbiota development in dairy calves without long-term impacts on milk production. Applied and Environmental Microbiology 85, 1–12.

Malmuthuge N, Chen Y, Liang G, Goonewardene LA and Guan LL (2015) Heat-treated colostrum feeding promotes beneficial bacteria colonization in the small intestine of neonatal calves. Journal of Dairy Science 98, 8044– 8053.

O’Hara E, Kelly A, McCabe MS, Kenny DA, Guan LL and Waters SM (2018) Effect of a butyrate-fortified milk replacer on gastrointestinal micro- biota and products of fermentation in artificially reared dairy calves at weaning. Scientific Reports 8, 14901.

Reis ME, Toledo AF, da Silva AP, Poczynek M, Fioruci EA, Cantor MC, Greco L and Bittar CMM (2021) Supplementation of lysolecithin in milk replacer for Holstein dairy calves: effects on growth performance, health, and metabolites. Journal of Dairy Science 104, 5457–5466.

Slanzon GS, de Toledo AF, da Silva AP, Coelho MG, da Silva MD, Cezar AM and Bittar CMM (2019) Red propolis as an additive for preweaned dairy calves: effect on growth performance, health, and selected blood para- meters. Journal of Dairy Science 102, 8952–8962.

Virgínio Júnior GF, Coelho MG, de Toledo AF, Montenegro H, Coutinho LL and Bittar CMM (2021) The liquid diet composition affects the fecal bacterial community in pre-weaning dairy calves. Frontiers in Animal Science 2, 12.

VIRGINIO JUNIOR, G. F. ; Bittar, C. M. M. . Microbial colonization of the gastrointestinal tract of dairy calves - a review of its importance and relationship with health and performance. Animal Health Research Reviews, v. 22, p. 1-12, 2021.

 
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Gercino Ferreira Virginio Junior

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Carla Maris Machado Bittar

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A microbiota inicial do trato gastrointestinal (TGI) desempenha papel essencial na maturação do sistema endócrino, imunológico da mucosa e do sistema nervoso central, com fortes influencias na saúde e o bem-estar de animais jovens.

A importância da alimentação com colostro, volume e qualidade da dieta líquida, níveis de fibra no concentrado, ou fornecimento de feno para bezerros leiteiros tem sido amplamente discutida na literatura.

Além disso, a introdução de diferentes técnicas moleculares, como as ômicas, tem se mostrado essencial nos estudos de microbiologia, bem como a introdução de conceitos como diversidade e riqueza, o que aumentou o entendimento dos efeitos de diferentes práticas alimentares na microbiota do TGI de bezerros.

A nutrição oferecida a bezerros jovens afeta a estrutura da microbiota gastrointestinal uma vez que fornece diferentes substratos para as comunidades microbianas. Assim, o tipo de substrato disponível para o crescimento afeta a colonização, e consequentemente o estabelecimento de diferentes microrganismos.

Portanto, conhecer o processo de colonização microbiana no TGI é importante para a compreensão das interações hospedeiro-microbiota durante o período de aleitamento e seu impacto na saúde e produção na vida produtiva do animal. Além disso, o entendimento dessas interações é essencial para a manipulação da microbiota gastrointestinal, seja por meio da substituição de dietas ou pela suplementação com probióticos ou prebióticos.

Nos últimos anos, vários estudos mostraram como a microbiota gastrointestinal está intimamente relacionada à saúde e ao desempenho do hospedeiro, seja por meio da função metabólica ou da proteção contra patógenos.

A microbiota gastrointestinal é geneticamente complexa, representada por várias espécies de bactérias, protozoários, fungos, metanogênicas e bacteriófagos, com muitas diferenças funcionais e filogenéticas. O ecossistema microbiano ruminal é o mais diverso, sendo responsável por vários nichos funcionais, incluindo funções proteolíticas, fibrolíticas e lipolíticas. As contagens são da ordem de 1010 UFC ml−1 de fluido ruminal para bactérias, 108 para protozoários, 107 para metanogênicas e 103 para esporos de fungos.

 

Colonização microbiana

A colonização microbiana é influenciada por uma série de fatores associados ao animal, à microbiota e a fatores externos. Os fatores externos são os mais diversos, como a microbiota materna, tipo de nascimento, ambiente, fonte de colostro e tempo de alimentação, composição das dietas líquidas e sólidas e tratamento com antibióticos no início da vida.

Fatores relacionados ao hospedeiro têm sido citados como pH luminal, tempo de retenção de alimentação e mecanismos de defesa imunológica, bem como fatores relacionados à microbiota, como adesão, mecanismos de sobrevivência sob um gradiente de oxigênio e mecanismos para obter nutrientes do hospedeiro. Alguns autores sugeriram que os eventos pré-parto podem influenciar a colonização do TGI no recém-nascido.

Ao nascimento, a colonização por uma abundante e diversa comunidade microbiana ocorre rapidamente. Este é um processo dinâmico e tem flutuação considerável no início da vida do animal. A colonização pode continuar até o desaleitamento porque a diversidade microbiana, riqueza, estrutura e composição estão em constante mudança ao longo do período de aleitamento. Após esse período, a microbiota se estabiliza e se torna resiliente às mudanças, sendo alterada apenas por mudanças temporárias na dieta, mas retornando à condição anterior.

A dieta e a frequência de seu fornecimento são fatores críticos para o estabelecimento e manutenção da população microbiana, como vias de inoculação de microrganismos e também servindo como substratos para o crescimento.

Um estudo interessante mostrou que em cordeiros mamando na mãe, a microbiota intestinal era mais próxima à presente nas tetas (43%) e no ambiente (28%), enquanto que em cordeiros alimentados por mamadeira, a microbiota era mais próxima à da vagina (46%), do ar ambiente (31%) e do piso do curral (12%) (Bi et al., 2019).

Interessante notar que o ambiente pode representar até 43% dos microrganismos presentes no intestino dos animais, indicando um fator importante na colonização do TGI.

Dessa forma, todos os componentes ambientais representam uma importante fonte de variação do microbioma dos animais, como o tipo de cama, o tipo de instalação e o local de parição. Apesar de ainda não haverem pesquisas avaliando esses pontos, é importante lembrar que o ambiente tem que ser mantido limpo, para minimizar o contato com microrganismos patogênicos.

Figura 1


Efeitos do colostro na microbiota intestinal

Embora os estudos não indiquem o colostro como a principal fonte de colonização da microbiota intestinal, é importante lembrar que o colostro representa um substrato importante para o crescimento de bactérias comensais.

Além disso, o fornecimento de colostro pode promover uma maior prevalência de Bifidobacterium (bactérias benéficas) no intestino delgado durante as primeiras 12 horas de vida. E a maior abundância desse gênero pode ser encontrado com fornecimento de colostro imediatamente após o nascimento.

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A abundância dessa bactéria pode explicar a redução da incidência de infecções entéricas, indicando que o colostro desempenha também um papel crucial na formação de um TGI saudável.

Figura 2

 

Importância da dieta líquida

A dieta líquida desempenha um papel muito importante durante o período de aleitamento, com implicações consideráveis no desenvolvimento da microbiota intestinal. Vários de seus constituintes, como os oligossacarídeos, selecionam uma microbiota intestinal altamente adaptada dominada por espécies de Bifidobacterium.

No entanto, o tipo e a disponibilidade de nutrientes nos sucedâneos são diferentes daqueles observados no leite integral e podem impactar significativamente a colonização do intestino do animal.

O leite integral é a melhor opção de alimentação para bezerros, tanto nutricionalmente quanto para estimular a microbiota benéfica. Além disso, bactérias dos gêneros Bifidobacterium, Faecalibacterium e Megamonas foram associados a bezerros saudáveis e maior ganho de peso, enquanto bezerros diarreicos foram associados a Escherichia, Shigella e Fusobacterium e apresentaram menor diversidade microbiana.

Muitos rebanhos leiteiros oferecem leite de descarte para seus bezerros. A literatura já demonstrou, no entanto, que, além de alterar a microbiota intestinal, animais alimentados com leite de descarte tem maior abundância de microrganismos patogênicos como o Odoribacter e Fusobacterium, além de apresentarem resíduos de antibióticos nas fezes.

A pasteurização e acidificação podem ser uma alternativa na redução da carga bacteriana, mas não há maneiras de reduzir os resíduos de antibióticos.

Além da composição da dieta líquida, é possível que outros fatores como o método (balde aberto, balde com bico ou mamadeira), a frequência e o volume de fornecimento também possam afetar a microbiota de bezerros leiteiros.

Figura 3

 

Importância da dieta sólida

A dieta sólida também afeta o microbioma de bezerros. O simples fornecimento de concentrado durante o aleitamento aumenta a abundância de Methanosphaera spp., uma arquea metanogênicas eficiente na produção de metano entérico.

Além disso, o fornecimento de concentrado não apenas fornece substrato para crescimento bacteriano, mas também altera a microbiota cecal, aumentando a abundância de Allistipes, Parabacteroides, Parassutterella e Butyricimonas, microrganismos associados à digestão de fibras e outros carboidratos, produção de butirato e diminuição da expressão gênica de fatores relacionados a processos inflamatórios.

À medida que os bezerros consomem mais dieta sólida, a composição microbiana e a função gastrointestinal se tornam cada vez mais semelhantes às observadas em animais adultos. No entanto, os efeitos de diferentes composições de concentrado e do fornecimento de feno ou silagem sobre a microbiota do TGI de bezerros leiteiros ainda permanecem inconclusivos.

 

Dieta como fator de manipulação da microbiota gastrointestinal

A composição da comunidade microbiana do TGI é influenciada tanto pela dieta quanto pela idade do animal. A idade é um fator de aumento da diversidade e uniformidade. Por outro lado, a dieta desempenha um papel significativo na definição da estrutura da microbiota dos ruminantes e da saúde geral do TGI, e pode servir como uma ferramenta para modular a microbiota no início da vida.

A manipulação da microbiota do TGI no período de aleitamento pode resultar no estabelecimento efetivo da microbiota desejada, a qual permaneceria estável até a maturidade. Dessa forma, a manipulação da microbiota ruminal no período de aleitamento pode ser possível com intervenções dietéticas, além de ser útil para delinear estratégias para promover a colonização de microrganismos específicos associados ao melhor desenvolvimento da bezerra.

Isso permite a seleção de microrganismos benéficos, auxiliando no aumento do seu desempenho e reduzindo microrganismos patogênicos que causam várias doenças em bezerros, como a diarreia.

O rúmen de animais adultos é bem conhecido por ser resistente a alterações dietéticas. Quaisquer alterações na composição da microbiota podem ser temporárias, ocorrendo apenas no período de alteração da dieta. Esse fato sugere que as manipulações da microbiota podem ser desafiadoras, pois a mesma é resilientes. Em contraste, a microbiota neonatal é mais sensível a pressões externas, como antibióticos e mudanças na composição da dieta líquida ou sólida, o que tornaria mais fácil obter resultados durante esse período.

Assim, ao avaliar a microbiota do TGI em um mesmo indivíduo durante todo o seu desenvolvimento, será possível para determinar o melhor momento para que a manipulação da microbiota seja mais eficiente no desempenho e melhoria da produção leite.

Além disso, poderemos no futuro obter animais com menor produção metano, maior eficiência na produção de leite, ou taxas de ganho de peso, apenas manipulando a dieta no período de aleitamento.

Recentes estudos têm mostrado como diferentes dietas podem ser eficazes na microbiota. No entanto, o efeito da nutrição inicial, como o colostro em pó, enriquecimento de colostro e fornecimento de leite de transição que são usados rotineiramente nas fazendas, sobre a microbiota ainda não é bem compreendido.

A adição de prebióticos, probióticos e outros aditivos a dieta líquida são uma alternativa benéfica na modulação do microbioma do TGI, diminuindo a incidência de diarreias, modulando a resposta imune, promovendo melhor desempenho e saúde intestinal.

A adição de butirato de sódio ao leite integral, resultou em maior concentração de AGCC no cólon, bem como uma maior abundância de Phascolarctobacterium, considerada uma bactéria probiótica (O’hara et al., 2018). Outros estudos, mesmo não avaliando o microbioma, têm grandes expectativas de terem modulado a microbiota intestinal, pois mostraram redução da incidência de diarreias, como os trabalhos de Slanzon et al. (2019) utilizando a própolis vermelha e o de Reis et al. (2021) utilizando lisolecitina, ambos na dieta líquida.

Mudanças na dieta sólida, como a relação forragem/concentrado, podem causar alterações na comunidade bacteriana ruminal no início da vida e persistir por até 4 meses, conforme as dietas provavelmente apresentam maiores teores de FDN ou mesmo a suplementação de feno ou milho integral.

Em um estudo recente de Dill-McFarland et al. (2019), a microbiota fecal foi avaliada com 2, 4 e 8 semanas, e 1 e 2 anos, e rúmen na semana 8 (de machos abatidos) e fêmeas canuladas com 1 e 2 anos.

Uma ração inicial, silagem de milho e uma dieta contendo 25/75 concentrado e silagem de milho foram fornecidas aos bezerros no período de aleitamento. Este estudo mostrou que a intervenção precoce não tem efeitos garantidos de longo prazo na microbiota ou na produção de leite.

No entanto, alguns autores relataram que há uma grande variabilidade interindividual mesmo em grupos que recebem a mesma dieta, portanto as diferenças no microbioma ruminal podem não ser tão precisas. Até o momento, o estudo Dill-Mcfarland é o único que avaliou os animais até os 2 anos de idade, mas seus resultados merecem ser discutidos com mais cuidado e atenção.

Outro estudo que encontrou resultados semelhantes. Virgínio Júnior et al. (2021) avaliaram a microbiota fecal de bezerros recebendo diferentes dietas líquidas (sucedâneo, leite integral e leite integral acidificado), observaram ao desaleitamento (semana 8) que a estrutura da comunidade bacteriana apresenta semelhanças entre os tratamentos, e após os animais serem alojados em grupo  na semana 10, essa semelhança foi mais evidente, com poucas diferenças na composição após o desaleitamento.

Estes resultados indicam que talvez o meio ambiente seja um fator de maior importância a ser considerado como modulador ou nivelador do microbioma gastrointestinal. No entanto, não podemos negar o fato de que a modulação dietética associadas com práticas de manejo podem afetar a composição microbiana do TGI em bezerros jovens, melhorando o estado de saúde, prevenindo a colonização por microrganismos patogênicos e reduzindo as reações inflamatórias.

Ainda não está claro se os efeitos da modulação podem persistir na microbiota de animais adultos e como isso pode afetar a eficiência de produção. A ciência mostrará em breve como estes aspectos de relacionam e como o produtor pode tirar proveito através da manipulação do microbioma de animais jovens para obtenção de animais adultos mais produtivos.

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Referências

Dill-McFarland KA, Weimer PJ, Breaker JD and Suen G (2019) Diet influ- ences early Microbiota development in dairy calves without long-term impacts on milk production. Applied and Environmental Microbiology 85, 1–12.

Malmuthuge N, Chen Y, Liang G, Goonewardene LA and Guan LL (2015) Heat-treated colostrum feeding promotes beneficial bacteria colonization in the small intestine of neonatal calves. Journal of Dairy Science 98, 8044– 8053.

O’Hara E, Kelly A, McCabe MS, Kenny DA, Guan LL and Waters SM (2018) Effect of a butyrate-fortified milk replacer on gastrointestinal micro- biota and products of fermentation in artificially reared dairy calves at weaning. Scientific Reports 8, 14901.

Reis ME, Toledo AF, da Silva AP, Poczynek M, Fioruci EA, Cantor MC, Greco L and Bittar CMM (2021) Supplementation of lysolecithin in milk replacer for Holstein dairy calves: effects on growth performance, health, and metabolites. Journal of Dairy Science 104, 5457–5466.

Slanzon GS, de Toledo AF, da Silva AP, Coelho MG, da Silva MD, Cezar AM and Bittar CMM (2019) Red propolis as an additive for preweaned dairy calves: effect on growth performance, health, and selected blood para- meters. Journal of Dairy Science 102, 8952–8962.

Virgínio Júnior GF, Coelho MG, de Toledo AF, Montenegro H, Coutinho LL and Bittar CMM (2021) The liquid diet composition affects the fecal bacterial community in pre-weaning dairy calves. Frontiers in Animal Science 2, 12.

VIRGINIO JUNIOR, G. F. ; Bittar, C. M. M. . Microbial colonization of the gastrointestinal tract of dairy calves - a review of its importance and relationship with health and performance. Animal Health Research Reviews, v. 22, p. 1-12, 2021.

 
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