O bezerro recém-nascido é dependente do colostro principalmente para a aquisição de imunidade, pois existe uma separação do sangue materno e do sangue fetal, evitando a transferência uterina de fatores imunes.
Consequentemente, o bezerro nasce sem adequada imunidade humoral e é inteiramente dependente da transferência iva de imunoglobulinas maternas presentes no colostro após o nascimento. Esta absorção de imunoglobulinas maternas através do intestino delgado durante as primeiras 24 horas é chamada transferência de imunidade iva, e ajuda a proteger o bezerro contra organismos patogênicos até seu próprio sistema imune estar funcional.
A ingestão adequada de colostro de alta qualidade o mais cedo possível é amplamente reconhecida como fator determinante na saúde e sobrevivência do bezerro neonato. Além de redução do risco de morbidade e mortalidade durante o aleitamento, os benefícios adicionais em longo prazo associados com a transferência iva de sucesso incluem redução da mortalidade no período pós-desaleitamento, melhores ganhos e eficiência alimentar, redução da idade ao primeiro parto e aumento da produção de leite durante a primeira e segunda lactação.
Sendo assim, a avaliação da qualidade do colostro a ser oferecido para os animais, bem como a avaliação da eficiência de absorção de imunoglobulinas pelo recém-nascido, através de amostra de sangue, são de extrema importância.
Avaliação da qualidade do colostro
A qualidade do colostro pode ser medida com o auxílio de um colostrômetro (hidrômetro), pois existe uma forte correlação entre a gravidade específica do colostro e a concentração de imunoglobulinas (Ig). Por ser rápida e fácil esta avaliação é ainda o teste mais utilizado em fazendas comerciais. No entanto, existe uma faixa de temperatura adequada para o teste ser realizado, (20 a 25ºC), que nem sempre é seguida. Se a temperatura do colostro a ser avaliado estiver abaixo desta faixa, a leitura superestimará a quantidade de Ig, indicando erroneamente ser um colostro de alta qualidade; quando a temperatura for maior que esta faixa, a leitura será subestimada, indicando erroneamente ser um colostro de baixa qualidade. O colostrômetro está calibrado em intervalos de 5 mg/mL e classifica o colostro como de baixa qualidade (vermelho) quando Ig < 20 mg/mL; moderado (amarelo) para o intervalo de 20 – 50 mg/ mL; e excelente (verde) para valores de Ig maiores que 50 mg/mL (Figura 1).
Figura 1. Classificação do colostro utilizando o colostrômetro.
Outra maneira de medir a qualidade do colostro, que independe da temperatura do mesmo, é através do refratômetro de brix. A porcentagem de brix é uma medida da concentração de sacarose em líquidos como suco de frutas, melaço e vinho. Quando utilizado em líquidos que não contém sacarose, há uma alta correlação entre a porcentagem de brix e o teor de sólidos totais do líquido. A porcentagem de brix pode ser correlacionada com a concentração de IgG do colostro e o valor limite que indica que o colostro é de alta qualidade (> 50 mg de Ig/mL) é 21% de brix.
Existem dois equipamentos que utilizam este princípio para avaliar a qualidade do colostro, o refratômetro de brix óptico (Figura 2) e o refratômetro de brix digital (Figura 3). Ambos devem ser colocados perpendicularmente à luz para a obtenção do resultado. No entanto, no refratômetro óptico o resultado é observado na lente do aparelho, onde o resultado em brix é obtido pela separação entre a área clara e a área escura formada após a colocação da amostra. Já no refratômetro digital, o resultado aparece em uma tela.
Figura 2. Refratômetro de brix óptico (esquerda). Escala interna do refratômetro, onde se avalia a qualidade do colostro (direita).
Figura 3. Avaliação da qualidade do colostro através do refratômetro de brix digital.
Como fazer a avaliação?
Após a ordenha da vaca recém-parida, retire uma amostra do colostro já homogeneizado utilizando um recipiente limpo. O refratômetro deve ser calibrado antes de cada uso com água destilada, conforme a recomendação do fabricante. Coloque uma gota do colostro sobre o prisma e realize a leitura. O valor a ser considerado como limite é de 21,0% de Brix. Assim, o colostro que apresentar leitura inferior a 21% de brix não deve ser fornecido aos bezerros com menos de 12h de vida. No exemplo demonstrado com o refratômetro digital (Figura 3), o colostro possui 25,7% de brix, sendo um colostro considerado de alta qualidade.
Após a avaliação, os prismas de ambos os equipamentos devem ser limpos cuidadosamente, com água destilada e papel macio, pois eventuais resíduos podem comprometer a próxima leitura.
Avaliação da transferência de imunidade iva
O o seguinte a colostragem é avaliação da transferência de imunidade iva no sangue dos animais, que pode ser feito utilizando o refratômetro de brix, embora o de proteínas séricas seja mais utilizado (Figura 4).
Figura 4. Refratômetro de proteínas séricas.
O funcionamento deste instrumento consiste na agem de um feixe de luz pela lente do equipamento e quanto desta luz é refratada. Quando utilizamos uma amostra de sangue, as proteínas do soro irão refratar a luz, de forma que quanto maior a concentração de proteína, mais luz é refratada.
É importante entender que o refratômetro não mede a quantidade de IgG no soro e sim a proteína total, de forma que a idade com que a avaliação é feita afeta o resultado. Em bezerros neonatos há uma estreita correlação entre a proteína total e a IgG sérica, uma vez que que a proteína consumida em maior parte no colostro é a IgG. A correlação entre proteína sérica total e IgG em bezerros de 24 horas de idade é de 0,71. Cerca de 50% da variação na quantidade de proteínas totais no sangue de bezerros nas primeiras 24 horas, pode ser atribuído a fração IgG. No entanto, conforme o animal termina o período de colostragem e a a receber a dieta líquida, esta correlação é diminuída. Assim, a recomendação é fazer avaliações até 48h após o primeiro consumo de colostro.
O refratômetro de proteínas séricas possui uma escala cujo valor obtido indica a proteína total no soro dos animais (Figura 5).
Figura 5. Avaliação de uma amostra de soro com o refratômetro de proteínas séricas.
Como fazer a avaliação?
No período entre 24 e 48 horas de vida do bezerro, uma amostra de sangue deve ser coletada com tubo sem anticoagulante, para que seja obtido o soro. A amostra pode ficar descansando para dessorar, ou pode ser centrifugada.
Antes da utilização do refratômetro, deve-se calibrar o equipamento com água destilada, conforme recomendação do fabricante.
Retira-se uma alíquota do soro, a qual é dispensada sobre a lente do equipamento.
O refratômetro e colocado contra a luz para a observação na escala dentro do equipamento do valor indicado na linha que divide a área clara e a escura.
A interpretação do resultado é descrita abaixo:
• > 5,5 g/dL: Sucesso na transferência de imunidade iva;
• 5,0 – 5,4 g/dL: Transferência de imunidade iva moderada;
• < 5,0 g/dL: Falha na transferência de imunidade iva.
Na Figura 5, o valor observado é de aproximadamente 6,2 g/dL, indicando sucesso na transferência de imunidade iva.
Alguns cuidados devem ser tomados na realização da análise da amostra:
É ideal que se faça a coleta do sangue com no mínimo 24 horas, para garantir a absorção total das imunoglobulinas, antes deste período pode ser que ainda haja absorção intestinal.
Não realizar a amostragem em animais acima de 3 dias de vida, pois a quantidade de proteína sérica pode ser confundida com a absorvida de outras proteínas da dieta que não as do colostro.
Valores de proteína sérica acima de 8,0 g/dL devem ser avaliados com cautela, pois podem não indicar sucesso na transferência e sim que o animal está desidratado ou que o equipamento possa estar descalibrado.
Valores abaixo de 5,5 g/dL também devem ser avaliados cuidadosamente pois podem indicar que o equipamento está descalibrado. Outro aspecto importante na leitura é a temperatura da amostra, avalie sempre a amostra em temperatura ambiente, pois os refratômetros de proteínas séricas são sensíveis a mudanças na temperatura da amostra.
Outro ponto a ser considerado é o tamanho do bezerro, geralmente animais maiores apresentam menores valores de proteína sérica quando comparados aos animais menores caso tenham recebido a mesma quantidade de colostro de mesma qualidade, isto porque o volume sanguíneo destes bezerros é maior, diluindo a proteína sérica.
Posso utilizar o refratômetro de Brix para avaliar o bezerro?
Pesquisas recentes demonstraram que o mesmo refratômetro utilizado para medir a qualidade do colostro, apresentado na Figura 3, pode ser utilizado para medir a proteína sérica no sangue dos animais. A calibração deve ser feita com água destilada, conforme a recomendação do fabricante. O procedimento com a amostra de sangue é o mesmo utilizado no refratômetro de proteínas séricas. Uma gota do soro deve ser colocada no prisma para a avaliação, porém o valor que indica adequada transferência de imunidade iva é 8,4% de brix. A maior vantagem na utilização deste método é que um único aparelho pode ser utilizado na propriedade tanto para avaliar a qualidade do colostro quanto para monitorar a transferência de imunidade iva.
A utilização de ferramentas que possibilitem a avaliação do colostro e da colostragem do animal, podem auxiliar na gestão da criação dos bezerros, bem como refletir na melhor produtividade futura do rebanho.
Referências
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