Que a diarreia é um dos principais vilões quando se pensa em criação de bezerros leiteiros, todo mundo já sabe. Ela é responsável por aproximadamente 56% dos registros de doença e por 32% das mortes relatadas em bezerros leiteiros durante o período de aleitamento (Urie et al., 2018).
Alguns problemas de saúde e bem-estar (Figura 1) ocorrem de maneira imediata em função de quadros de desidratação, redução das funções imunológicas, aumento no risco de desenvolver doenças respiratórias, comprometimento do crescimento e muitas vezes até a morte (Schinwald et al., 2022).
Mas além disso, a ocorrência diarreia no período de aleitamento pode gerar consequências econômicas e produtivas de longo prazo, como por exemplo comprometimento dos índices reprodutivos e menor produção de leite na primeira lactação (Bartels et al., 2010; Abuelo et al., 2021).
Figura 1. Bezerro acometido por diarreia, manifestando desconforto e baixo bem-estar.
Somada às consequências sobre a produtividade, existe outra preocupação que é o uso excessivo e não controlado de antimicrobianos nos tratamentos dessas diarreias.
A exposição a antimicrobianos no início da vida pode levar a efeitos negativos duradouros no sistema imunológico dos bezerros devido a alterações na microbiota intestinal, além da possibilidade de desenvolvimento de patógenos resistentes. Por isso, essa prática torna-se também uma preocupação para a saúde humana, considerando a similaridade entre alguns princípios ativos utilizados em ambas as espécies.
Por conta disso, a investigação de alternativas que reduzam o uso de antimicrobianos no tratamento destes distúrbios vem se tornando cada dia mais necessárias. Dentre essas alternativas, o colostro surge como uma potencial terapia para diarreia em bezerros, uma vez que apresenta altas concentrações de compostos bioativos e nutrientes que podem favorecer a saúde e imunidade destes animais.
Tentando entender melhor quais seriam os efeitos do uso de colostro como tratamento para diarreia, Carter e colaboradores (2022), realizaram um estudo com bezerros durante a fase de aleitamento.
Para tal pesquisa, o escore fecal dos bezerros foi monitorado duas vezes ao dia em uma escala que variava de 0 a 3, onde, quanto maior a nota mais fluidas eram as fezes. Quando o bezerro recebia 2 escores fecais consecutivos com nota 2, ou um escore fecal com nota 3, o que caracterizava um quadro de diarreia, era então distribuído em um dos três tratamentos testados:
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CON - controle: animal recebia 8 alimentações (durante 4 dias) de 2,5 L de sucedâneo lácteo com diluição de 130 g/L – 30 animais;
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STC - suplementação de colostro a curto prazo: animal recebia 4 alimentações (durante os primeiros 2 dias) de 2,5 L de uma mistura de sucedâneo lácteo (65 g/L) e substituto de colostro bovino (65 g/L) e mais 4 alimentações (durante os últimos 2 dias) de 2,5 L de sucedâneo lácteo na concentração de 130 g/L – 32 animais;
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LTC - chamado de suplementação de colostro a longo prazo: animal recebia 8 alimentações (durante 4 dias) de 2,5 L de uma mistura de sucedâneo lácteo (65 g/L) e substituto de colostro bovino (65 g/L) – 36 animais.
Nesse estudo, os autores observaram efeitos positivos da alimentação com colostro durante os episódios de diarreia, tais como, menor taxa de mortalidade (Figura 2), maior ganho médio diário e consequentemente maior peso corporal aos 42 e 56 dias de vida (Figura 3).
Nos dias 42 e 56 os bezerros no grupo LTC foram 4.21 kg (P = 0,002) e 6,03 kg (P < 0,001) mais pesados que animais do grupo controle, respectivamente. Também foi observado menor número de dias para resolução do quadro de diarreia (diminuição do escore fecal) com a diferença média 1,36 dias (Figura 4).
Figura 2. Curva de sobrevivência de Kaplan-Meier investigando a mortalidade de bezerros holandeses machos alojados individualmente e alocados aleatoriamente em 1 dos 3 grupos de tratamento: Controle (CON); suplementação de colostro a curto prazo (STC); ou suplementação de colostro a longo prazo (LTC).
Figura 3. Peso predito de bezerros holandeses machos alojados individualmente e alocados aleatoriamente em 1 dos 3 grupos de tratamento: Controle (CON); suplementação de colostro a curto prazo (STC); ou suplementação de colostro a longo prazo (LTC).
Figura 4. Curva de sobrevivência de Kaplan-Meier investigando os dias até a resolução do quadro de diarreia em bezerros holandeses machos alojados individualmente e alocados aleatoriamente em 1 dos 3 grupos de tratamento: Controle (CON); suplementação de colostro a curto prazo (STC); ou suplementação de colostro a longo prazo (LTC). Os escores fecais foram registrados duas vezes ao dia, sendo considerada resolução da diarreia quando os bezerros apresentassem 2 escores fecais consecutivos de 0 ou 1.
Resultados como estes podem gerar benefícios expressivos quando consideramos a elevada prevalência de diarreia nos rebanhos e as consequências econômicas substanciais causadas devido aos custos terapêuticos associados e aos efeitos a longo prazo (Abuelo et al., 2021), como citado anteriormente.
A importância do fornecimento precoce de colostro (antes do fechamento do intestino) para bezerros visando a transferência de imunidade iva e seus efeitos sobre saúde e desempenho já estão bastante esclarecida.
No entanto, por mais que a absorção das imunoglobulinas para atuação de maneira direta no sistema imune seja possível apenas nas primeiras horas de vida, seu consumo além do primeiro dia de vida pode ainda resultar em benefícios para o trato gastrintestinal. Seus nutrientes e componentes bioativos atuam na proteção local e se ligam a patógenos na mucosa intestinal, reduzindo assim a capacidade de invasão destes microrganismos no organismo.
O uso de colostro bovino como terapêutico para diarreias já foi avaliado e apresentou efeitos positivos em diferentes espécies, como suínos e humanos. Em bezerros, estudos anteriores demonstraram que o fornecimento via oral de imunoglobulinas especificas pode reduzir as taxas de diarreia e mortalidade, bem como melhorar o ganho de peso dos animais.
Esses achados mostram que as imunoglobulinas podem desempenhar um papel importante na redução do tempo de duração da diarreia em bezerros durante o período de aleitamento. Esse efeito, além de reduzir custos com tratamentos veterinários e mão de obra, permite que o animal não tenha grandes reduções no seu desempenho em função de um episódio de diarreia, além de promover bem-estar.
Além das imunoglobulinas, o colostro é rico em diversos outros componentes com propriedades antimicrobianas, hormônios e fatores de crescimento como a insulina e IGF, que estão envolvidos no crescimento e reparo de células epiteliais; peptídeos que favorecem a reparação tecidual e a integridade da mucosa do trato gastrintestinal, bem como a redução da inflamação intestinal; além de oligossacarídeos e ácidos graxos específicos que possuem capacidades profiláticas e de regulação imunológica (Pyo et al., 2020, Playford e Weiser, 2021, Fischer-Tlustos et al., 2020; Opgenorth et al. , 2020).
A combinação destes fatores pode ter efeitos positivos sobre a integridade e saúde intestinal dos bezerros, favorecendo assim, a digestão e absorção da dieta ingerida e por consequência o desempenho dos animais, até mesmo durante episódios de diarreia.
Além dos efeitos relacionados com a imunidade e saúde intestinal, o fornecimento de colostro garante maior aporte de nutrientes e energia via dieta líquida devido a sua composição, o que também pode favorecer o crescimento e ganho dos animais. Assim, o fornecimento de colostro associado a dieta líquida como terapêutico em episódios de diarreia atua no restabelecimento das funções intestinas, assim como no fornecimento de energia necessário para atendimento do sistema imune nestas situações.
O trabalho de Carter et al. (2022) apresenta algumas limitações, o que é normal e esperado quando se trata de um estudo pioneiro nessa linha de pesquisa. Os autores reforçam que a dose, a duração e o momento ideias para uso de colostro como tratamento de diarreias ainda são desconhecidos e precisam de mais estudos. Outra limitação é que, em comparação com os tratamentos utilizando antimicrobianos, o uso dessa estratégia pode ser inicialmente caro e pouco prática para os produtores.
Considerando os dados já disponíveis na literatura, o fornecimento de colostro no início de quadros de diarreia tem potencial de reduzir a lacuna de produção resultante de um bezerro doente. A capacidade do colostro de reduzir o tempo de duração da diarreia, aliada às suas características regenerativas intestinais e de crescimento, apresenta uma atraente combinação de atributos para estimular o aumento do crescimento quando usado como tratamento em bezerros jovens.
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Referências
ABUELO, A.; CULLENS, F.; BRESTER, J. L. Effect of preweaning disease on the reproductive performance and first-lactation milk production of heifers in a large dairy herd. Journal of Dairy Science, v. 104, n. 6, p. 7008-7017, 2021.
BARTELS, C. J. M. et al. Prevalence, prediction and risk factors of enteropathogens in normal and non-normal faeces of young Dutch dairy calves. Preventive Veterinary Medicine, v. 93, n. 2-3, p. 162-169, 2010.
CARTER, H. S. M. et al. Evaluating the effectiveness of colostrum as a therapy for diarrhea in preweaned calves. Journal of Dairy Science, v. 105, n. 12, p. 9982-9994, 2022.
FISCHER-TLUSTOS, A. J. et al. Oligosaccharide concentrations in colostrum, transition milk, and mature milk of primi-and multiparous Holstein cows during the first week of lactation. Journal of Dairy Science, v. 103, n. 4, p. 3683-3695, 2020.
OPGENORTH, J. et al. Colostrum supplementation with n-3 fatty acids alters plasma polyunsaturated fatty acids and inflammatory mediators in newborn calves. Journal of Dairy Science, v. 103, n. 12, p. 11676-11688, 2020.
PLAYFORD, R. J.; WEISER, M. J. Bovine Colostrum: Its Constituents and Uses. Nutrients. 2021; 13: 265. 2021.
PYO, J. et al. Feeding colostrum or a 1: 1 colostrum: milk mixture for 3 days postnatal increases small intestinal development and minimally influences plasma glucagon-like peptide-2 and serum insulin-like growth factor-1 concentrations in Holstein bull calves. Journal of Dairy Science, v. 103, n. 5, p. 4236-4251, 2020.
SCHINWALD, M. et al. Predictors of diarrhea, mortality, and weight gain in male dairy calves. Journal of Dairy Science, v. 105, n. 6, p. 5296-5309, 2022.
URIE, N. J. et al. Preweaned heifer management on US dairy operations: Part V. Factors associated with morbidity and mortality in preweaned dairy heifer calves. Journal of Dairy Science, v. 101, n. 10, p. 9229-9244, 2018.