A composição lipídica do leite compreende em torno de 4% de gordura total, sendo essa fração constituída majoritariamente de gorduras saturadas que se apresentam no leite como gotículas em forma de emulsão de óleo em água.
O teor médio de lipídios nessas gotas é de 30%, sendo que os triacilgliceróis (TAGs) representam 98% desta fração, e os 2% restantes distribuídos entre colesterol (menos de 0,5%), fosfolipídios (cerca de 1%) e ácidos graxos livres (cerca de 0,1%) (MANSSON, 2008). Os TAGs— constituintes majoritários da gordura do leite — são formados por um glicerol e três moléculas de ácidos graxos.
Existem 400 tipos diferentes de ácidos graxos na gordura do leite, e por esse motivo é considerada uma das gorduras mais complexas (PARODI, 2004). Apesar da variedade de ácidos graxos constituintes no leite, apenas 15 são de interesse tecnológico devido às baixas concentrações dos demais. O ácido graxo majoritário é o ácido palmítico, representando 30% do teor total de ácidos graxos, seguido do ácido esteárico (12%) e do ácido mirístico (11%).
Os ácidos graxos são ainda divididos em moléculas saturadas e insaturadas dependendo das suas ligações atômicas. Comumente, o leite é constituído por 70% de gorduras saturadas, 25% de mono-insaturadas e 3% de poli-insaturadas (CABIDDU et al., 2019).
Não há uma recomendação em relação à ingestão de lipídios pela Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO/WHO). No entanto, a recomendação em relação à ingestão diária de ácidos graxos é de que não ultrae 10% do valor energético total, pois esses metabólitos são associados a doenças coronárias (FAO/WHO, 2018).
Porém, a ingestão de ácidos graxos insaturados é altamente recomendável pela ação antioxidante e potencial redutor de doenças cardiovasculares (VON SCHACKY et al., 2023). Nesse sentido, é desejável que o perfil lipídico do leite, um alimento culturalmente ingerido diariamente, seja melhorado em relação à concentração de ácidos graxos benéficos à saúde.
O teor de gordura e a sua composição lipídica interferem diretamente nas propriedades tecnológicas do leite, influenciadas, principalmente, por aspectos relacionados à origem do animal, genética, estágio de lactação, mastite, fermentação ruminal e alimentação.
A nutrição animal influencia na composição dos ácidos graxos essenciais presentes no leite produzido por ruminantes. O leite apresenta teores apreciáveis de ácidos graxos insaturados, de interesse nutracêutico, além do aumento na concentração de vitaminas A e E, carotenoides e fenóis, quando o animal é alimentado com silagem de milho convencional e/ou outras dietas a base de grãos, em comparação ao leite produzido pelo animal que se alimenta apenas de capim.
O ácido graxo insaturado de maior proporção na gordura do leite é o ácido linoleico conjugado. Estudos indicam um aumento de 300% desse lipídio quando o pastejo foi realizado em pasto nativo com maior biodiversidade botânica (CABIDDU et al., 2019).
No entanto, o aumento da concentração de ácidos graxos insaturados, que possuem uma menor estabilidade, pode ocasionar algumas características não desejáveis caso ocorra a sua oxidação, interferindo em características sensoriais do leite e de seus derivados (HANUS et al., 2018). Sendo assim, é importante que essa modificação seja realizada com cautela e planejamento, buscando reduzir processos que poderiam alterar o sabor ou aroma do produto.
A produção de leite com melhores perfis lipídicos é visada quando melhores propriedades tecnológicas são almejadas, com o intuito de obter-se um alimento mais nutritivo em relação ao seu perfil de ácidos graxos. Além disso, a composição lipídica também deve ser considerada na elaboração de derivados do leite, tais como manteiga e queijos.
A fabricação desses produtos lácteos compreende modificações estruturais da matéria-prima que são beneficiadas quando a concentração de ácidos graxos insaturados é aumentada, auxiliando a fluidez do primeiro produto e reduzindo o aspecto quebradiço do segundo (PADURET, 2021). Sendo assim, o perfil de ácidos graxos é um parâmetro importante na produção de leite e seus derivados, considerando o seu impacto nas características nutricionais, sensoriais e tecnológicas desses produtos.
Referências
CABIDDU, A. et al. Extensive ruminant production systems and milk quality with emphasis on unsaturated fatty acids, volatile compounds, antioxidant protection degree and phenol content. Animals, v. 9, n. 10, p. 771, 2019.
FAO/WHO - WORLD HEALTH ORGANIZATION. FAO/WHO framework for the provision of scientific advice on food safety and nutrition. Food & Agriculture Org., 2018.
HANUŠ, Oto et al. Role of fatty acids in milk fat and the influence of selected factors on their variability - a review. Molecules, v. 23, n. 7, p. 1636, 2018.
MÅNSSON, H. L. Fatty acids in bovine milk fat. Food & Nutrition Research, v. 52, n. 1, p. 1821, 2008.
PADURET, S. The effect of fat content and fatty acids composition on color and textural properties of butter. Molecules, v. 26, n. 15, p. 4565, 2021.
PARODI, P. W. Milk fat in human nutrition. Australian Journal of Dairy Technology, v. 59, n. 1, p. 3, 2004.
VON SCHACKY, C. et al. Omega-3 fatty acids in heart disease—why accurately measured levels matter. Netherlands Heart Journal, p. 1-7, 2023.