A β-galactosidase, ou lactase, é a enzima responsável pela hidrólise da lactose presente no leite e seus derivados, resultando nos monossacarídeos glicose e galactose. Essa enzima é comumente utilizada na indústria de laticínios como alternativa para melhorar a digestibilidade, a solubilidade e o dulçor dos produtos (KATROLIA et al., 2011).
Os dois açúcares gerados possuem um índice de dulçor superior ao da lactose e proporcionam produtos mais doces em comparação ao original. Dessa forma, sua incorporação na produção de iogurtes, leites fermentados e aromatizados possibilita a redução da quantidade adicionada de sacarose, sem afetar o dulçor do produto (MCCAIN; KALIAPPAN; DRAKE, 2018). Todavia, a principal aplicação da β-galactosidase é a fabricação de produtos lácteos isentos ou com baixos teores de lactose. Esses produtos são destinados à população intolerante a esse açúcar, correspondendo a 40% da população brasileira e 65% da população mundial (ANAD, 2020; WAHAB et al., 2024).
Além disso, a β-galactosidase realiza transgalactosilação das moléculas de galactose produzindo os galacto-oligossacarídeos (GOS), prebióticos que estimulam a multiplicação de microrganismos essenciais para a microbiota intestinal, aumentando o interesse industrial em relação a esta enzima (SUN et al., 2017). Os GOS são componentes ideais para o desenvolvimento de produtos saudáveis voltados a públicos específicos, como bebês, crianças e idosos (OTIENO, 2010; SANGWAN et al., 2011).
As β-galactosidases utilizadas na indústria de laticínios devem ser provenientes de microrganismos Generally Recognized as Safe (GRAS). As enzimas obtidas de fungos filamentosos (Aspergillus oryzae e Aspergillus niger) e de leveduras (Kluyveromyces lactis e Kluyveromyces fragilis) são as mais utilizadas, devido ao seu grande potencial comercial (MOVAHEDPOUR et al., 2021). As enzimas provenientes desses microrganismos apresentam características essenciais para aplicações industriais, como termoestabilidade e alta atividade enzimática em baixas temperaturas, permitindo seu uso em diferentes condições operacionais sem alterar as características sensoriais e nutricionais dos produtos (ANSARI; HUSAIN, 2010).
Somado a isso, modificações na sequência genética dessas enzimas têm sido exploradas para aumentar sua estabilidade e sua eficiência catalítica, tornando-as ainda mais adequadas para aplicações industriais (GROSOVÁ; ROSENBERG; REBROŠ, 2008). No campo da engenharia de proteínas, técnicas como mutagênese dirigida e a tecnologia do DNA recombinante vêm sendo utilizadas para otimizar sua resistência a variações de temperatura e pH. A utilização da β-galactosidase recombinante permite a obtenção de enzimas mais eficientes e estáveis, reduzindo o custo de produção e aumentando a eficácia da conversão da lactose em glicose e galactose, fator essencial para a fabricação de produtos lácteos com baixo teor de lactose e enriquecidos com prebióticos (HUSAIN, 2010; PUETZ; WURM, 2019).
Além disso, as técnicas de imobilização enzimática têm sido utilizadas, exclusivamente ou em conjunto às técnicas de engenharia de proteínas, para otimizar as características operacionais das β-galactosidases. A imobilização de enzimas, além de aumentar a estabilidade térmica e em diferentes pHs, permite sua reutilização em múltiplas bateladas, reduzindo os custos operacionais. Isso viabiliza a aplicação em biorreatores contínuos, melhorando a eficiência da conversão da lactose em glicose e galactose ou a produção de GOS (ALBUQUERQUE et al., 2018; RICARDI et al., 2018). Na indústria de laticínios, a imobilização da β-galactosidase pode ser aplicada na produção de leite e derivados com baixos teores ou isento de lactose, garantindo maior estabilidade do processo e redução de perdas enzimáticas.
Nesse contexto, a utilização da β-galactosidase na produção de laticínios não só reflete os avanços tecnológicos, mas também coloca em evidência como a biotecnologia pode responder às demandas de uma sociedade cada vez mais voltada para a saúde e sustentabilidade. Além disso, a busca por otimizar a eficiência e a estabilidade dessa enzima por meio da engenharia genética e imobilização enzimática revela um compromisso com a inovação, com a melhoria contínua de processos industriais e com a redução de custos, sem comprometer a qualidade dos produtos.
Gostou do conteúdo? Deixe seu like e seu comentário, isso nos ajuda a saber que conteúdos são mais interessantes para você.
Referências bibliográficas
ALBUQUERQUE, T.; GOMES, S.; D’ALMEIDA, A.; FERNANDEZ-LAFUENTE, R.; GONÇALVES, L.; ROCHA, M. Immobilization of β-galactosidase in glutaraldehyde-chitosan and its application to the synthesis of lactulose using cheese whey as feedstock. Process Biochemistry. v. 73, p. 65-73, 2018.
ANAD. Intolerância à lactose. 2020. Disponível em: https://www.anad.org.br/ intolerancia-a-lactose/. o em: 5 mar. 2025.
ANSARI, S. A.; HUSAIN, Q. Lactose hydrolysis by β-galactosidase immobilized on concanavalin A-cellulose in batch and continuous mode. Journal of Molecular Catalysis B: Enzymatic, v. 63, p. 68-74, 2010.
GROSOVÁ, Z.; ROSENBERG, M.; REBROŠ, M. Perspectives and applications of immobilised β-galactosidase in food industry-a review. Czech Journal of Food Sciences, 2008.
HUSAIN, Q. Beta galactosidases and their potential applications: a review. Critical Reviews in Biotechnology, v. 30, p. 41-62, 2010.
KATROLIA, P.; YAN, Q.; JIA, H.; LI, Y.; JIANG, Z.; SONG, C. Molecular cloning and high-level expression of a β-galactosidase gene from Paecilomyces aerugineus in Pichia pastoris. Journal of Molecular Catalysis B: Enzymatic. v. 69, p. 112-119, 2011.
MCCAIN, H. R.; KALIAPPAN, S.; DRAKE, M. A. Invited review: Sugar reduction in dairy products. Journal Dairy Science, v. 101, p. 8619-8640, 2018.
MOVAHEDPOUR, A.; AHMADI, N.; GHALAMFARSA, F.; GHESMATI, Z.; KHALIFEH, M.; MALEKSABET, A.; SHABANINEJAD, Z.; TAHERI-ANGANEH, M.; SAVARDASHTAKI, A. β-Galactosidase: From its source and applications to its recombinant form. Biotechnology and Applied Biochemistry. p. 1-17, 2021.
OTIENO, D. O. Synthesis of β-Galactooligosaccharides from Lactose Using Microbial β-Galactosidases. Comprehensive Reviews in Food Science and Food Safety, v. 9, n. 5, p. 471–482, 2010.
PUETZ, J.; WURM, F. Recombinant proteins for industrial versus pharmaceutical purposes: a review of process and pricing. Processes, v. 7, n. 8, p. 476, 2019.
RICARDI, N.; MENEZES, E.; BENVENUTTI, E.; SCHÖFFER, J.; HACKENHAAR, C.; HERTZ, P.; COSTA, T. Highly stable novel silica/chitosan for β-galactosidase immobilization for application in dairy technology. Food Chemistry. v. 246, p. 343-350, 2018.
SANGWAN, V. et al. Galactooligosaccharides: Novel Components of Designer Foods. Journal of Food Science, v. 76, n. 4, 2011.
SUN, H.; BANKEFA, O.; IJEOMA, I.; MIAO, L.; ZHU, T.; LI, Y. Systematic assessment of Pichia pastoris system for optimized b-galactosidase production. Synthetic and Systems Biotechnology. v. 2, p. 113-120, 2017.
WAHAB, W.; AHMED, S.; KHOLIF, A.; EL GHANDI, S.; WEHAIDY, H. Low-lactose yoghurt production using b-galactosidase: An integrated study for the enzyme and its application. International Dairy Journal. v. 151, 2024.