As proteínas do soro de queijo apresentam propriedades tecnofuncionais desejáveis para a indústria de alimentos, tais como solubilidade, viscosidade, estabilizante, emulsificante, espumante, geleificante e absorção de água.
O soro de queijo é um coproduto da fabricação de queijos nas indústrias de laticínios que corresponde entre 80 a 90% do volume de leite utilizado no processo de produção, e possui em torno de 55% dos nutrientes do leite (Gajo et al., 2016).
O teor destes nutrientes do soro deve-se principalmente à presença de carboidratos, como a lactose, e de proteínas, além dos sais minerais, como cálcio, sódio, fósforo e potássio. A produção brasileira de queijos é a quarta maior do mundo e a produção mundial de soro de queijo é de aproximadamente 40,7 x 106 toneladas/ano (ABIQ, 2014; Prazeres et al., 2012).
Por isso há uma preocupação quanto à aplicação do soro em novos alimentos, uma vez que no território brasileiro cerca de 50% do soro de queijo não é aproveitado (Gajo et al., 2016).
O soro, que já foi considerado um resíduo que dificultava a expansão das fábricas de queijo, apresenta importantes características tecnológicas e nutricionais, reconhecidas e comprovadas pela comunidade científica.
As proteínas do soro de queijo apresentam propriedades tecnofuncionais desejáveis para a indústria de alimentos, tais como solubilidade, viscosidade, estabilizante, emulsificante, espumante, geleificante e absorção de água.
É um ingrediente adequado para a elaboração de diversos produtos alimentícios, por exemplo, sorvetes, iogurtes, queijos processados, achocolatados, embutidos cárneos, surimi, molhos, sopas desidratadas, pães, bolos, biscoitos, chocolates, sobremesas, fórmulas infantis líquidas e bebidas e barras de proteínas para esportistas, além de ser usado nos suplementos alimentares (Gajo et al., 2016).
Além da importância tecnológica, a Organização Mundial da Saúde avaliou as proteínas do soro de queijo confirmando qualidade nutricional superior às proteínas encontradas em outras fontes proteicas alimentares, como ovos, carnes e soja.
Isto porque as proteínas do soro são fonte dos oito aminoácidos essenciais — que o corpo humano não é capaz de produzir — e dos três aminoácidos de cadeia ramificada (BCAA – sigla do inglês branched-chain amino acids), valina, leucina e isoleucina, que são importantes para o crescimento e reparação dos tecidos (Smithers, 2008; Smithers, 2015).
Considerando este fato, o aproveitamento do soro de queijo já acontece pela utilização desse coproduto na forma líquida na fabricação de outros produtos lácteos, como ricota e bebida láctea (Gajo et al., 2016).
Além disso, as proteínas do soro possuem propriedades relacionadas às suas funções fisiológicas. Por exemplo, elas podem agir contra microrganismos patogênicos ou auxiliar no sistema imunológico, e por isso podem apresentar aplicações farmacêuticas, beneficiando a nossa saúde (Gupta et al., 2012).
Estes efeitos ainda podem ser ampliados por meio do rompimento das cadeias proteicas do soro de queijo em frações menores, método conhecido como hidrólise. Os fragmentos resultantes, denominados peptídeos, podem ser promissores do ponto de vista da tecnologia de alimentos, pois esses peptídeos do soro de queijo possuem atividades antioxidantes e antimicrobianas, podendo atuar como biopreservantes naturais dos alimentos.
Este efeito se explica uma vez que peptídeos antioxidantes previnem a rancidez dos alimentos e peptídeos antimicrobianos possuem aplicações potenciais na qualidade e segurança alimentar, atuando contra a deterioração dos alimentos (Dullius et al., 2018).
Com isso, poderiam atender à crescente demanda dos consumidores por alimentos menos processados e mais naturais e/ou funcionais, que é particularmente relevante quando se considera os potenciais riscos para a saúde associados aos antioxidantes sintéticos (Brandelli et al., 2015).
Além da função de bioconservantes, peptídeos bioativos mostram um amplo espectro de ação relacionados a fisiologia do corpo humano. De fato, uma das bioatividades mais relevantes e estudadas dos peptídeos é a capacidade de reduzir a pressão arterial, uma vez que a hipertensão é um dos principais fatores de risco para doenças cardiovasculares.
Muitos peptídeos anti-hipertensivos são caracterizados pela sua capacidade em inibir a enzima conversora de angiotensina (ECA) (peptidil-dipéptido hidrolase; EC 3.4.15.1), que desempenha um papel fisiológico fundamental nos sistemas renina-angiotensina, calicreína-cinina e imunológico.
Demais benefícios fisiológicos dos peptídeos do soro de queijo são as atividades antidiabete e antiobesidade, que podem auxiliar na melhora da saúde pública, ao serem empregados como aditivos em alimentos funcionais (Brandelli et al., 2015).
Estes novos conhecimentos, que nos últimos anos estão sendo amplamente pesquisados, indicam o soro de queijo - anteriormente considerado um efluente sem valor — como uma promissora matéria-prima para as indústrias alimentícia e farmacêutica.
Desta forma, o soro de queijo vale ouro por dois aspectos: ao agregar valor a um subproduto da produção de queijo e outro a nossa saúde, pelo consumo de um alimento de valor nutricional e natural.
Referências bibliográficas
ABIQ - Associação Brasileira das Indústrias de Queijo. (2014). Disponível em: http://www.abiq. com.br. o em: 18 set. 2018.
Brandelli, A., Daroit, D. J., & Corrêa, A. P. F. (2015). Whey as a source of peptides with remarkable biological activities. Food Research International, 73, 149-161.
Dullius, A., Goettert, M. I., & de Souza, C. F. V. (2018). Whey protein hydrolysates as a source of bioactive peptides for functional foods–Biotechnological facilitation of industrial scale-up. Journal of Functional Foods, 42, 58-74.
Gajo, F. F. S., Gajo, A. A., Silva, R. B. V., & Ferreira, E. B. (2016). Diagnóstico da destinação do soro de leite na mesorregião do campo das vertentes - Minas Gerais. Revista do Instituto de Laticínios Cândido Tostes, 71(1), 26-37.
Gupta, C. (2012). Whey Proteins: A Novel Source of Bioceuticals. Middle-East Journal of Scientific Research, 12(3), 365-375.
Prazeres, A. R., Carvalho, F., & Rivas, J. (2012). Cheese whey management: A review. Journal of Environmental Management, 110, 48-68.
Smithers, G. W. (2008). Whey and whey proteins—from ‘gutter-to-gold’. International Dairy Journal, 18 (7), 695-704.
Smithers, G. W. (2015). Whey-ing up the options–Yesterday, today and tomorrow. International Dairy Journal, 48, 2-14.