Grande parte do volume dos resíduos gerados pela indústria de laticínios corresponde ao soro de queijo (YADAV et al., 2015). Segundo Tsermoula et al. (2021), o soro é o principal coproduto líquido obtido durante a fabricação dos diferentes tipos de queijo.
De acordo com PM Food & Dairy Consulting (2016), estima-se que em 2023, a produção mundial de queijo será de 26 milhões de toneladas. Considerando que a cada 1 kg de queijo produzido são gerados 9 L de soro de queijo, a produção desse coproduto corresponderá a aproximadamente 230 milhões de toneladas (RAMA et al., 2019).
O soro de queijo é composto por água e cerca de 50% dos sólidos totais do leite: lactose, proteínas e sais minerais (TSERMOULA et al., 2021). Devido à sua composição, o soro é considerado um poluente ambiental, uma vez que apresenta elevados valores de Demanda Bioquímica de Oxigênio (DBO) e Demanda Química de Oxigênio (DQO), de forma que seu descarte inadequado, sem tratamento prévio, pode representar um dano ambiental (SMITHERS, 2015).
Em contrapartida, o soro de queijo possui grande potencial biotecnológico, principalmente devido à qualidade nutricional e ao valor biológico da sua composição proteica. As proteínas presentes no soro de queijo apresentam aminoácidos essenciais para humanos, em concentrações superiores à carne e ao ovo; aminoácidos de cadeia ramificada, relevantes para a formação do tecido muscular; e aminoácidos que contém enxofre, importantes para o metabolismo (SMITHERS, 2015; DULLIUS et al., 2018).
Nesse contexto, a geração de peptídeos é uma das possibilidades de aproveitamento do soro de queijo (YADAV et al., 2015). Peptídeos são fragmentos proteicos formados por 2 a 22 aminoácidos (DULLIUS et al., 2018), que se ligam entre si por meio de ligações peptídicas. Os peptídeos são liberados de uma proteína por meio de hidrólise enzimática ou química.
Dessa forma, esse processo pode ser realizado com o uso de enzimas comerciais, durante o processo natural de digestão com enzimas gastrintestinais ou por meio de processos fermentativos com microrganismos proteolíticos. A produção de peptídeos com enzimas comerciais é realizada industrialmente para o desenvolvimento de produtos de valor agregado.
Nesse sentido, esses fragmentos proteicos podem apresentar atividades biológicas que conferem benefícios à saúde humana; quando apresentam essas características são classificados como peptídeos bioativos (MANN et al., 2019).
Os biopeptídeos do soro de queijo podem ter diversas atividades biológicas que beneficiam diferentes sistemas do corpo humano, como o imunológico, o cardiovascular, o nervoso e o gastrointestinal (FITZGERALD et al., 2020). Essas atividades são, principalmente, antioxidante, anti-hipertensiva e antimicrobiana, além de outras, como antidiabética, imunomoduladoras, antitumoral e opióides.
A atividade antioxidante possibilita a conservação natural dos alimentos e diminui o envelhecimento celular do corpo humano causado por processos oxidativos; esses efeitos positivos ocorrem por meio da redução da oxidação lipídica, da eliminação de radicais livres e da inibição de espécies reativas de oxigênio.
A bioatividade anti-hipertensiva, por sua vez, tem a função de inibir a atividade da enzima conversora de angiotensina I, uma enzima que aumenta a pressão arterial e se localiza em diversos tecidos. Os peptídeos antimicrobianos garantem a segurança alimentar e auxiliam na saúde humana, uma vez que inibem a atividade e a multiplicação de microrganismos prejudiciais (BRANDELLI et al., 2015).
Portanto, é possível perceber que os peptídeos bioativos derivados do soro de queijo possuem diversas bioatividades promissoras para a saúde humana e a garantia da qualidade dos alimentos. O planejamento adequado e ecologicamente correto dos processos, além da redução dos custos, torna-se fundamental para viabilizar a produção em larga escala desses peptídeos (YADAV et al., 2015; DULLIUS et al., 2018).
Apesar de os processos tecnológicos terem possibilitado um aumento expressivo da utilização do soro de queijo na elaboração de produtos de valor agregado; em uma perspectiva global, cerca de 50% do volume produzido permanece inutilizado (LEÓN-LÓPEZ et al., 2022), sendo que, no Rio Grande do Sul, esse volume aumenta para 90% (APIL, 2017). Nesse contexto, é relevante o desenvolvimento de tecnologias inovadoras para o adequado aproveitamento do soro de queijo in natura.
Referências:
APIL – Associação das Pequenas Indústrias de Laticínios do Rio Grande do Sul. Soro - A riqueza desperdiçada: de descarte na fabricação de queijos à produto de alto valor industrial. Revista Leite & Queijos, ano VI, edição 33, p. 8-11, 2017.
BRANDELLI, A. et al. Whey as a source of peptides with remarkable biological activities. Food Research International, v. 73, p. 149-161, 2015. Disponível em: https://doi.org/10.1016/j.foodres.2015.01.016.
DULLIUS, A. et al. Whey protein hydrolysates as a source of bioactive peptides for functional foods – Biotechnological facilitation of industrial scale-up. Journal of Functional Foods, v. 42, p. 58-74, 2018. Disponível em: https://doi.org/10.1016/j.jff.2017.12.063
FITZGERALD, R. J. et al. Application of in silico approaches for the generation of milk protein-derived bioactive peptides. Journal of Functional Foods, v. 64, 2020. Disponível em: https://doi.org/10.1016/j.jff.2019.103636.
LEÓN-LÓPEZ, A. et al. Milk Whey Hydrolysates as High Value-Added Natural Polymers: Functional Properties and Applications. Polymers, v. 14 (6), 2022. Disponível em: https://doi.org/10.3390/polym14061258.
MANN, B. et al. Chapter 14 - Bioactive Peptides from Whey Proteins. Whey Proteins, p. 519-547, 2019. Disponível em: https://doi.org/10.1016/B978-0-12-812124-5.00015-1.
PM Food & Dairy Consulting. World cheese market 2000–2023, 2016. Disponível em: http://pmfood.dk/upl/9766/Cheese.pdf.
RAMA, G. R. et al. Potential applications of dairy whey for the production of lactic acid bacteria cultures. International Dairy Journal, v. 98, p. 25–37, 2019. Disponível em: https://doi.org/10.1016/j.idairyj.2019.06.012
SMITHERS, G. W. Whey-ing up the options – Yesterday, today and tomorrow. International Dairy Journals, v. 48, p. 2-14, 2015. Disponível em: https://doi.org/10.1016/j.idairyj.2015.01.011.
TSERMOULA, P. et al. WHEY - The waste-stream that became more valuable than the food product. Trends in Food Science & Technology, v. 118, p. 230-241, 2021. Disponível em: https://doi.org/10.1016/j.tifs.2021.08.025.
YADAV, J. S. S. et al. Cheese whey: A potential resource to transform into bioprotein, functional/nutritional proteins and bioactive peptides. Biotechnology Advances, v. 33 (6), p. 756-774, 2015. Disponível em: https://doi.org/10.1016/j.biotechadv.2015.07.002.