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Contagem bacteriana total (CBT): entendendo as análises

Existem diferentes métodos e como realizar as análises da contagem bacteriana total (CBT) do leite. Saiba tudo lendo este artigo super completo!

Publicado em: - Atualizado em: - 7 minutos de leitura

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Quando realizamos treinamentos dos transportadores das indústrias sobre os procedimentos de coleta de amostras, reforçamos a importância de uma boa coleta para se obter resultados confiáveis.

Invariavelmente algum deles se manifesta com perguntas do tipo: “Mas e vocês do laboratório, nunca erram?”, “Outro dia o produtor coletou uma diferente, mandou para outro laboratório e o resultado foi totalmente diferente, como pode?”.

A seguir iremos esclarecer algumas dúvidas quanto a análise de CBT do leite e fatores ligados ao processo que podem afetar os resultados. Dentre todas as análises feitas atualmente, talvez a CBT seja a mais crítica, não somente aqui no Brasil como também em outros países como veremos a seguir.

Análise de CBT por equipamentos automatizados

Existem  dois fabricantes no mundo que desenvolvem equipamentos específicos para determinação da CBT em leite cru, e que adotam a metodologia conhecida como citometria de fluxo.

Essa técnica consiste na adição de brometo de etídio ao leite, para que o DNA e RNA das bactérias sejam corados. O leite com o corante é injetado num capilar acoplado a um sistema óptico que recebe, constantemente, um feixe de laser.

Ao ar pelo feixe, cada bactéria emite fluorescência, a qual é captada pelo sistema óptico e, com isso, o número de bactérias é determinado (Figura 1). A contagem bacteriana realizada pelo equipamento é expressa em contagem individual de bactérias (CIB), ou seja, número de bactérias em cada mL de leite (CIB/mL de leite).

Figura 1. Citometria de fluxo.

 

Análise de CBT pelo método tradicional
Um dos métodos mais utilizados para caracterizar a qualidade microbiológica do leite é a contagem bacteriana em placas, também conhecida como contagem padrão em placas (P). Por ser um dos métodos mais utilizados e antigo, é reconhecido como o método de “referência”.

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Na P, uma alíquota de leite é distribuída em placa com meio de cultura e incubada a 36°C por 48 horas  — método analítico oficial do Ministério da Agricultura (Mapa). As bactérias presentes no leite, e que se encontram viáveis, crescem a tal ponto de serem visíveis a olho nu., chamadas “colônias”.

Com isso é possível contarmos quantas cresceram e em função do volume da amostra, determina-se a P expressa em unidades formadoras de colônias por mL de leite (UFC/mL).

No método de P, portanto, conta-se colônias e não bactérias. Sabe-se que, na maioria das vezes, uma colônia é formada por várias bactérias como mostra o esquema de uma placa abaixo (Figura 2). Nesta placa, por exemplo, existem 15 colônias (números em cinza) formadas a partir de 82 bactérias (números em preto).

Figura 2. Ilustração da relação entre bactérias e unidades formadoras de colônia.

Figura 2

Com base no exemplo acima, esta amostra analisada pelo equipamento teria uma contagem bacteriana individual (CBI) de 82 bactérias/mL, enquanto que na contagem padrão em placas o resultado seria de 15 UFC/mL.

Fica claro, portanto, que a CBI sempre será superior a UFC, basicamente pelos seguintes motivos:

  • Algumas bactérias podem não crescer na placa e com isso não formam colônias;
  • Uma única colônia é formada geralmente por mais de uma bactéria. Mais adiante, discutiremos em maior detalhe a relação entre CIB e UFC, mas estudos mostram que a UFC é de 2,5 a 4 vezes menor que a CBI.


O que diz a legislação? Deve-se usar a CBI ou UFC?
 

Como os equipamentos que determinam a CBI são relativamente novos e a maioria das legislações/padrões foram escritos há muitos anos, adota-se como via de regra a P (UFC/mL) para se definir os padrões de qualidade do leite.

A grande maioria dos países na Europa, América do Norte e Pacífico, adotam a medida de UFC/mL, assim como o Brasil. Na IN-77 os limites são definidos em UFC/mL, ou seja, quando dizemos que o leite cru refrigerado tipo A deverá ter menos que 100.000 para CBT, significa que deve possuir menos que 100.000 UFC/mL, sendo que a análise deve ser realizada quinzenalmente. Já antes do beneficiamento do leite,  a IN 77 define a CBT máxima de 900 mil UFC/mL.

Alguns países, porém, como o Canadá, Noruega e Inglaterra, alteraram a sua legislação e aram a adotar contagem bacteriana individual (CBI) em seus padrões de qualidade.

Os laboratórios da RBQL do MAPA realizam a determinação da CBT através de equipamentos de citometria de fluxo e os resultados são originalmente expressos em CBI. Como a IN-77 utiliza UFC/mL, os resultados em CBI dos equipamentos precisam ser transformados/convertidos para UFC, tema que será abordado a seguir.


Como transformar os resultados de CBI para UFC?
 

Existem entidades responsáveis por elaborar normas com o objetivo de padronizar os procedimentos analíticos entre diferentes laboratórios e, com isso, alcançar resultados de análise próximos (e tecnicamente “iguais”). É fundamental que uma amostra analisada em um laboratório no Brasil ou na França, por exemplo, possua resultados “iguais” para gordura, proteína, CCS, CBT, etc.

A principal entidade que elabora as normas para análises de leite é a IDF (International Dairy Federation) que atualmente trabalha em conjunto com outra entidade, a ISO (International Organization for Standardization). Especialistas em métodos analíticos formam grupos de trabalho e elaboram as normas para cada tipo de análise e/ou método analítico.

Como a análise de CBT por citometria de fluxo é relativamente nova, somente no ano de 2004 que a IDF publicou a IDF-196 (ou ISO 21187). Esta norma define claramente como deverá ser elaborada a equação para transformar os resultados de CBI para UFC.

Basicamente, o documento define que cada laboratório deve desenvolver a sua equação de transformação. Para isso, amostras de leite devem ser analisadas pelo equipamento e ao mesmo tempo através da contagem padrão em placas. Com isso, é possível criar uma relação entre CBI e UFC e chegar à equação de transformação. Alguns pontos são críticos neste processo:

  • Para ter uma equação de transformação robusta/confiável, deve-se ter pelo menos 400 amostras analisadas pelo equipamento e pela P. No caso da Clínica do Leite, por exemplo, adota-se a análise de 600 amostras;
  • A análise de P deve ser realizada em laboratórios com competência, ou seja, credenciado/acreditado por órgãos competentes. No caso da Clínica do Leite, as amostras são analisadas em laboratório credenciado pelo próprio MAPA.
  • A equação desenvolvida deve ser verificada e atualizada periodicamente. No caso da Clínica do Leite, a cada bimestre, são analisadas cerca de 50 amostras que são incorporadas à equação original, garantindo-se a confiabilidade da mesma. Ao adicionar as 50 amostras mais novas, descarta-se as mais antigas, mantendo sempre as últimas 600 amostras analisadas.

Pode haver diferença entre as equações de diferentes laboratórios e com isso os resultados em UFC serem diferentes?
A diferença entre as equações é um tema que ganhou destaque na Europa a partir de 2005, quando o grupo conhecido como NRL (National Reference Laboratories) realizou um levantamento com 17 laboratórios em diferentes países da Europa.

Em especial, verificou-se qual era a equação de transformação que cada laboratório havia desenvolvido e se o laboratório havia seguido as normas da IDF/ISO (196/21187).

O relatório publicado em 2006 mostrou que existe grande diferença entre as equações dos laboratórios na Europa. Abaixo, segue gráfico (Figura 3) que mostra a correlação entre CBI e UFC para diferentes laboratórios.

Figura 3. Equações de conversão de CBI para UFC em diferentes laboratórios da Europa.

Figura 3

O exemplo acima mostra que uma amostra com CBI de 800 mil poderia apresentar resultados entre 40 e 600 mil UFC dependendo do laboratório em que fosse analisada. Este é um problema sério e que preocupa todos os envolvidos na cadeia do leite na Europa.

Porém, ao comparar os laboratórios que seguiram a norma IDF/ISO (196/21187) no desenvolvimento das suas equações, observou-se que estes apresentaram resultados muito próximos, como mostra a outra figura abaixo.

Figura 4. Equações de conversão de CBI para UFC em diferentes laboratórios que adotam a ISO 196 (Europa e Clínica do Leite - ESALQ/USP).

Figura 4

O exemplo acima mostra que as variações são bem menores, e que uma amostra com CBI de 800 mil apresentaria resultados variando no máximo entre 100 a 300 mil UFC, sendo que a maioria dos laboratórios, a diferença seria entre 200 e 300 mil UFC/mL.

Respondendo a questão feita inicialmente, pode haver sim grande diferença entre os resultados transformados em UFC, caso os laboratórios não sigam a norma IDF/ISO que tem como objetivo exatamente padronizar os procedimentos .

Por exemplo, na figura acima pode-se observar a equação que foi desenvolvida na Clínica do Leite, seguindo-se a norma IDF/ISO e que é muito semelhante aos demais laboratórios, sendo que a relação entre CBI e UFC fica ao redor de 2,8 (UFC é 2,8 vezes menor que a CBI).

Atualmente, este tema ainda continua em ampla discussão. Por exemplo, alguns países estão buscando padronizar as equações entre os laboratórios desenvolvendo uma equação de transformação nacional. Outros estão simplesmente alterando seus padrões para que seja utilizada a contagem bacteriana individual (CBI) diretamente, sem necessidade de transformação nos resultados.

Considerações finais

Fica evidente a necessidade de se padronizar os procedimentos adotados pelos laboratórios. Se houver a adoção de normas como a IDF/ISO, certamente a diferença entre os resultados será minimizada. Com isso, ganham produtores e indústrias que am a confiar nos resultados e não mais preocupar se um determinado resultado está correto ou não.

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Laerte Dagher Cassoli

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NEISE GONCALVES DE MAGALHAES LEITENjunoleo
NEISE GONCALVES DE MAGALHAES LEITENJUNOLEO

RIO DE JANEIRO - RIO DE JANEIRO - PESQUISA/ENSINO

EM 11/06/2018

Muito esclarecedor o texto .
Clínica do Leite
CLÍNICA DO LEITE

PIRACICABA - SÃO PAULO - PESQUISA/ENSINO

EM 19/07/2013

Olá Sergio,
Que bom que o artigo pode trazer esclarecimentos sobre o tema.
Certamente se não tivermos indicadores confiáveis não conseguiremos gerir o nosso negócio. A iniciativa da CGAL/LANAGRO/MAPA irá equalizar esta possível diferença entre transformação de CBI para UFC entre laboratórios da RBQL. No caso da Clínica do Leite, temos a informação de CBI e UFC armazenada em nosso sistema de informação, bem como a conversão utilizada.
Saudações,
Laerte


Sergio Ricardo Mendonça
SERGIO RICARDO MENDONÇA

MARINGÁ - PARANÁ - PRODUÇÃO DE LEITE

EM 19/07/2013

Boa Tarde
Muito oportuno e esclarecedor este artigo. Também aqui temos tido dificuldade em conciliar as várias fontes de informação. Vale ressaltar que o que buscamos, muito mais do que um baixo índice, é também, e principalmente, um índice confiável.
Tivemos informação recente no nosso controle leiteiro (citometria de fluxo) uma contagem de 1.640.000 UFC/ml e na análise de outro laboratório de alimentos(contagem de plaquetas) contagem de 245.000 UFC/ml. Note-se que as duas leituras foram em UFC/ml.
Quero portanto, considerando as informações acima, sugerir que todos os laboratórios no Brasil aptos a fazer a análise por citometria de fluxo informem nos seus laudos as duas informações (CBI e UFC), bem como o fator médio de conversão utilizado.
Vamos portanto adequar as ferramentas que temos para podermos produzir leite com a qualidade que todos nós, enquanto consumidores, merecemos.
Clínica do Leite
CLÍNICA DO LEITE

PIRACICABA - SÃO PAULO - PESQUISA/ENSINO

EM 18/07/2013

Olá Ivandré, Em teoria a equação valeria para qualquer tipo de espécie em função de trabalhos feitos na Europa, e que ao meu ver se aplicam ao Brasil também.
Ivandré Antonio Merlin Junior
IVANDRÉ ANTONIO MERLIN JUNIOR

CANOAS - RIO GRANDE DO SUL - PROFISSIONAIS DE CIÊNCIAS AGRÁRIAS

EM 18/07/2013

Bom dia. Muito esclarecedor o artigo. Minha dúvida é quanto ao leite de outras espécies, que não a bovina. As curvas de conversão são as mesmas para leite de vaca, cabra, ovelha etc?
Clínica do Leite
CLÍNICA DO LEITE

PIRACICABA - SÃO PAULO - PESQUISA/ENSINO

EM 18/07/2013

Olá Leonardo,
Esta foi uma possibilidade discutida pela equipe técnica do MAPA. Existem algumas limitações em se adotar a CBI diretamente e optou-se então por desenvolver uma equação de transformação nacional, projeto este que está em andamento. Com isso, pelo menos todos laboratórios estarão convertendo os resultados da mesma forma.
Leonardo Barros Corso
LEONARDO BARROS CORSO

APUCARANA - PARANÁ - INDÚSTRIA DE INSUMOS PARA A PRODUÇÃO

EM 18/07/2013

Olá, Muito bom esclarecimento.
A IN-62 não é tão velha assim. Já que atualizaram essa IN apouco tempo e sabendo de tudo isso, porque que já não padronizaram tudo para CIB para facilitar todo o processo e reduzir esses erros de conversão?
Clínica do Leite
CLÍNICA DO LEITE

PIRACICABA - SÃO PAULO - PESQUISA/ENSINO

EM 17/07/2013

Olá Estevão, Com certeza é possível produzirmos leite de alta qualidade. Temos indústrias cuja média de CBT é de 25 mil UFC/mL, com grande parte dos produtores na faixa de 10 mil UFC/mL.
Clínica do Leite
CLÍNICA DO LEITE

PIRACICABA - SÃO PAULO - PESQUISA/ENSINO

EM 17/07/2013

Olá Jose Ronaldo, muito boa a sua pergunta. Se considerarmos a análise de uma mesma amostra (mesmo frasco) pelo mesmo equipamento, temos o que chamamos de "incerteza de medição" (diferença entre resultados). No caso de CBT, por exemplo, se uma amostra com valor de 265 mil, analisadas várias vezes num curto período de tempo, pode apresentar resultados de 210 a 336 mil. No caso do método de referência (contagem padrão em placas) a incerteza é superior ao do método de citometria de fluxo.
Lembre-se que esta incerteza é considerando o mesmo equipamento. Entre, equipamentos ela aumenta, e se as equações forem diferentes entre os laboratórios, também teremos uma diferença maior ainda.
Estêvão Domingos de Oliveira
ESTÊVÃO DOMINGOS DE OLIVEIRA

QUIRINÓPOLIS - GOIÁS - PROFISSIONAIS DE CIÊNCIAS AGRÁRIAS

EM 17/07/2013

Excelente artigo.

O importante é tentarmos manter a CBT de nosso leite abaixo de 10.000 células por ml de leite. É perfeitamente possível e demonstra que a ordenha está sendo realizada com boa higiene e que a água utilizada é de boa qualidade.
Jose Ronaldo Borges
JOSE RONALDO BORGES

CUIABÁ - MATO GROSSO - PRODUÇÃO DE LEITE

EM 17/07/2013

Como se explica que duas amostras colhidas juntas de um mesmo tanque dê resultados diferentes para CBT?
Qual a sua dúvida hoje?

Contagem bacteriana total (CBT): entendendo as análises

Existem diferentes métodos e como realizar as análises da contagem bacteriana total (CBT) do leite. Saiba tudo lendo este artigo super completo!

Publicado em: - Atualizado em: - 7 minutos de leitura

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Quando realizamos treinamentos dos transportadores das indústrias sobre os procedimentos de coleta de amostras, reforçamos a importância de uma boa coleta para se obter resultados confiáveis.

Invariavelmente algum deles se manifesta com perguntas do tipo: “Mas e vocês do laboratório, nunca erram?”, “Outro dia o produtor coletou uma diferente, mandou para outro laboratório e o resultado foi totalmente diferente, como pode?”.

A seguir iremos esclarecer algumas dúvidas quanto a análise de CBT do leite e fatores ligados ao processo que podem afetar os resultados. Dentre todas as análises feitas atualmente, talvez a CBT seja a mais crítica, não somente aqui no Brasil como também em outros países como veremos a seguir.

Análise de CBT por equipamentos automatizados

Existem  dois fabricantes no mundo que desenvolvem equipamentos específicos para determinação da CBT em leite cru, e que adotam a metodologia conhecida como citometria de fluxo.

Essa técnica consiste na adição de brometo de etídio ao leite, para que o DNA e RNA das bactérias sejam corados. O leite com o corante é injetado num capilar acoplado a um sistema óptico que recebe, constantemente, um feixe de laser.

Ao ar pelo feixe, cada bactéria emite fluorescência, a qual é captada pelo sistema óptico e, com isso, o número de bactérias é determinado (Figura 1). A contagem bacteriana realizada pelo equipamento é expressa em contagem individual de bactérias (CIB), ou seja, número de bactérias em cada mL de leite (CIB/mL de leite).

Figura 1. Citometria de fluxo.

 

Análise de CBT pelo método tradicional
Um dos métodos mais utilizados para caracterizar a qualidade microbiológica do leite é a contagem bacteriana em placas, também conhecida como contagem padrão em placas (P). Por ser um dos métodos mais utilizados e antigo, é reconhecido como o método de “referência”.

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Na P, uma alíquota de leite é distribuída em placa com meio de cultura e incubada a 36°C por 48 horas  — método analítico oficial do Ministério da Agricultura (Mapa). As bactérias presentes no leite, e que se encontram viáveis, crescem a tal ponto de serem visíveis a olho nu., chamadas “colônias”.

Com isso é possível contarmos quantas cresceram e em função do volume da amostra, determina-se a P expressa em unidades formadoras de colônias por mL de leite (UFC/mL).

No método de P, portanto, conta-se colônias e não bactérias. Sabe-se que, na maioria das vezes, uma colônia é formada por várias bactérias como mostra o esquema de uma placa abaixo (Figura 2). Nesta placa, por exemplo, existem 15 colônias (números em cinza) formadas a partir de 82 bactérias (números em preto).

Figura 2. Ilustração da relação entre bactérias e unidades formadoras de colônia.

Figura 2

Com base no exemplo acima, esta amostra analisada pelo equipamento teria uma contagem bacteriana individual (CBI) de 82 bactérias/mL, enquanto que na contagem padrão em placas o resultado seria de 15 UFC/mL.

Fica claro, portanto, que a CBI sempre será superior a UFC, basicamente pelos seguintes motivos:

  • Algumas bactérias podem não crescer na placa e com isso não formam colônias;
  • Uma única colônia é formada geralmente por mais de uma bactéria. Mais adiante, discutiremos em maior detalhe a relação entre CIB e UFC, mas estudos mostram que a UFC é de 2,5 a 4 vezes menor que a CBI.


O que diz a legislação? Deve-se usar a CBI ou UFC?
 

Como os equipamentos que determinam a CBI são relativamente novos e a maioria das legislações/padrões foram escritos há muitos anos, adota-se como via de regra a P (UFC/mL) para se definir os padrões de qualidade do leite.

A grande maioria dos países na Europa, América do Norte e Pacífico, adotam a medida de UFC/mL, assim como o Brasil. Na IN-77 os limites são definidos em UFC/mL, ou seja, quando dizemos que o leite cru refrigerado tipo A deverá ter menos que 100.000 para CBT, significa que deve possuir menos que 100.000 UFC/mL, sendo que a análise deve ser realizada quinzenalmente. Já antes do beneficiamento do leite,  a IN 77 define a CBT máxima de 900 mil UFC/mL.

Alguns países, porém, como o Canadá, Noruega e Inglaterra, alteraram a sua legislação e aram a adotar contagem bacteriana individual (CBI) em seus padrões de qualidade.

Os laboratórios da RBQL do MAPA realizam a determinação da CBT através de equipamentos de citometria de fluxo e os resultados são originalmente expressos em CBI. Como a IN-77 utiliza UFC/mL, os resultados em CBI dos equipamentos precisam ser transformados/convertidos para UFC, tema que será abordado a seguir.


Como transformar os resultados de CBI para UFC?
 

Existem entidades responsáveis por elaborar normas com o objetivo de padronizar os procedimentos analíticos entre diferentes laboratórios e, com isso, alcançar resultados de análise próximos (e tecnicamente “iguais”). É fundamental que uma amostra analisada em um laboratório no Brasil ou na França, por exemplo, possua resultados “iguais” para gordura, proteína, CCS, CBT, etc.

A principal entidade que elabora as normas para análises de leite é a IDF (International Dairy Federation) que atualmente trabalha em conjunto com outra entidade, a ISO (International Organization for Standardization). Especialistas em métodos analíticos formam grupos de trabalho e elaboram as normas para cada tipo de análise e/ou método analítico.

Como a análise de CBT por citometria de fluxo é relativamente nova, somente no ano de 2004 que a IDF publicou a IDF-196 (ou ISO 21187). Esta norma define claramente como deverá ser elaborada a equação para transformar os resultados de CBI para UFC.

Basicamente, o documento define que cada laboratório deve desenvolver a sua equação de transformação. Para isso, amostras de leite devem ser analisadas pelo equipamento e ao mesmo tempo através da contagem padrão em placas. Com isso, é possível criar uma relação entre CBI e UFC e chegar à equação de transformação. Alguns pontos são críticos neste processo:

  • Para ter uma equação de transformação robusta/confiável, deve-se ter pelo menos 400 amostras analisadas pelo equipamento e pela P. No caso da Clínica do Leite, por exemplo, adota-se a análise de 600 amostras;
  • A análise de P deve ser realizada em laboratórios com competência, ou seja, credenciado/acreditado por órgãos competentes. No caso da Clínica do Leite, as amostras são analisadas em laboratório credenciado pelo próprio MAPA.
  • A equação desenvolvida deve ser verificada e atualizada periodicamente. No caso da Clínica do Leite, a cada bimestre, são analisadas cerca de 50 amostras que são incorporadas à equação original, garantindo-se a confiabilidade da mesma. Ao adicionar as 50 amostras mais novas, descarta-se as mais antigas, mantendo sempre as últimas 600 amostras analisadas.

Pode haver diferença entre as equações de diferentes laboratórios e com isso os resultados em UFC serem diferentes?
A diferença entre as equações é um tema que ganhou destaque na Europa a partir de 2005, quando o grupo conhecido como NRL (National Reference Laboratories) realizou um levantamento com 17 laboratórios em diferentes países da Europa.

Em especial, verificou-se qual era a equação de transformação que cada laboratório havia desenvolvido e se o laboratório havia seguido as normas da IDF/ISO (196/21187).

O relatório publicado em 2006 mostrou que existe grande diferença entre as equações dos laboratórios na Europa. Abaixo, segue gráfico (Figura 3) que mostra a correlação entre CBI e UFC para diferentes laboratórios.

Figura 3. Equações de conversão de CBI para UFC em diferentes laboratórios da Europa.

Figura 3

O exemplo acima mostra que uma amostra com CBI de 800 mil poderia apresentar resultados entre 40 e 600 mil UFC dependendo do laboratório em que fosse analisada. Este é um problema sério e que preocupa todos os envolvidos na cadeia do leite na Europa.

Porém, ao comparar os laboratórios que seguiram a norma IDF/ISO (196/21187) no desenvolvimento das suas equações, observou-se que estes apresentaram resultados muito próximos, como mostra a outra figura abaixo.

Figura 4. Equações de conversão de CBI para UFC em diferentes laboratórios que adotam a ISO 196 (Europa e Clínica do Leite - ESALQ/USP).

Figura 4

O exemplo acima mostra que as variações são bem menores, e que uma amostra com CBI de 800 mil apresentaria resultados variando no máximo entre 100 a 300 mil UFC, sendo que a maioria dos laboratórios, a diferença seria entre 200 e 300 mil UFC/mL.

Respondendo a questão feita inicialmente, pode haver sim grande diferença entre os resultados transformados em UFC, caso os laboratórios não sigam a norma IDF/ISO que tem como objetivo exatamente padronizar os procedimentos .

Por exemplo, na figura acima pode-se observar a equação que foi desenvolvida na Clínica do Leite, seguindo-se a norma IDF/ISO e que é muito semelhante aos demais laboratórios, sendo que a relação entre CBI e UFC fica ao redor de 2,8 (UFC é 2,8 vezes menor que a CBI).

Atualmente, este tema ainda continua em ampla discussão. Por exemplo, alguns países estão buscando padronizar as equações entre os laboratórios desenvolvendo uma equação de transformação nacional. Outros estão simplesmente alterando seus padrões para que seja utilizada a contagem bacteriana individual (CBI) diretamente, sem necessidade de transformação nos resultados.

Considerações finais

Fica evidente a necessidade de se padronizar os procedimentos adotados pelos laboratórios. Se houver a adoção de normas como a IDF/ISO, certamente a diferença entre os resultados será minimizada. Com isso, ganham produtores e indústrias que am a confiar nos resultados e não mais preocupar se um determinado resultado está correto ou não.

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Laerte Dagher Cassoli

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NEISE GONCALVES DE MAGALHAES LEITENjunoleo
NEISE GONCALVES DE MAGALHAES LEITENJUNOLEO

RIO DE JANEIRO - RIO DE JANEIRO - PESQUISA/ENSINO

EM 11/06/2018

Muito esclarecedor o texto .
Clínica do Leite
CLÍNICA DO LEITE

PIRACICABA - SÃO PAULO - PESQUISA/ENSINO

EM 19/07/2013

Olá Sergio,
Que bom que o artigo pode trazer esclarecimentos sobre o tema.
Certamente se não tivermos indicadores confiáveis não conseguiremos gerir o nosso negócio. A iniciativa da CGAL/LANAGRO/MAPA irá equalizar esta possível diferença entre transformação de CBI para UFC entre laboratórios da RBQL. No caso da Clínica do Leite, temos a informação de CBI e UFC armazenada em nosso sistema de informação, bem como a conversão utilizada.
Saudações,
Laerte


Sergio Ricardo Mendonça
SERGIO RICARDO MENDONÇA

MARINGÁ - PARANÁ - PRODUÇÃO DE LEITE

EM 19/07/2013

Boa Tarde
Muito oportuno e esclarecedor este artigo. Também aqui temos tido dificuldade em conciliar as várias fontes de informação. Vale ressaltar que o que buscamos, muito mais do que um baixo índice, é também, e principalmente, um índice confiável.
Tivemos informação recente no nosso controle leiteiro (citometria de fluxo) uma contagem de 1.640.000 UFC/ml e na análise de outro laboratório de alimentos(contagem de plaquetas) contagem de 245.000 UFC/ml. Note-se que as duas leituras foram em UFC/ml.
Quero portanto, considerando as informações acima, sugerir que todos os laboratórios no Brasil aptos a fazer a análise por citometria de fluxo informem nos seus laudos as duas informações (CBI e UFC), bem como o fator médio de conversão utilizado.
Vamos portanto adequar as ferramentas que temos para podermos produzir leite com a qualidade que todos nós, enquanto consumidores, merecemos.
Clínica do Leite
CLÍNICA DO LEITE

PIRACICABA - SÃO PAULO - PESQUISA/ENSINO

EM 18/07/2013

Olá Ivandré, Em teoria a equação valeria para qualquer tipo de espécie em função de trabalhos feitos na Europa, e que ao meu ver se aplicam ao Brasil também.
Ivandré Antonio Merlin Junior
IVANDRÉ ANTONIO MERLIN JUNIOR

CANOAS - RIO GRANDE DO SUL - PROFISSIONAIS DE CIÊNCIAS AGRÁRIAS

EM 18/07/2013

Bom dia. Muito esclarecedor o artigo. Minha dúvida é quanto ao leite de outras espécies, que não a bovina. As curvas de conversão são as mesmas para leite de vaca, cabra, ovelha etc?
Clínica do Leite
CLÍNICA DO LEITE

PIRACICABA - SÃO PAULO - PESQUISA/ENSINO

EM 18/07/2013

Olá Leonardo,
Esta foi uma possibilidade discutida pela equipe técnica do MAPA. Existem algumas limitações em se adotar a CBI diretamente e optou-se então por desenvolver uma equação de transformação nacional, projeto este que está em andamento. Com isso, pelo menos todos laboratórios estarão convertendo os resultados da mesma forma.
Leonardo Barros Corso
LEONARDO BARROS CORSO

APUCARANA - PARANÁ - INDÚSTRIA DE INSUMOS PARA A PRODUÇÃO

EM 18/07/2013

Olá, Muito bom esclarecimento.
A IN-62 não é tão velha assim. Já que atualizaram essa IN apouco tempo e sabendo de tudo isso, porque que já não padronizaram tudo para CIB para facilitar todo o processo e reduzir esses erros de conversão?
Clínica do Leite
CLÍNICA DO LEITE

PIRACICABA - SÃO PAULO - PESQUISA/ENSINO

EM 17/07/2013

Olá Estevão, Com certeza é possível produzirmos leite de alta qualidade. Temos indústrias cuja média de CBT é de 25 mil UFC/mL, com grande parte dos produtores na faixa de 10 mil UFC/mL.
Clínica do Leite
CLÍNICA DO LEITE

PIRACICABA - SÃO PAULO - PESQUISA/ENSINO

EM 17/07/2013

Olá Jose Ronaldo, muito boa a sua pergunta. Se considerarmos a análise de uma mesma amostra (mesmo frasco) pelo mesmo equipamento, temos o que chamamos de "incerteza de medição" (diferença entre resultados). No caso de CBT, por exemplo, se uma amostra com valor de 265 mil, analisadas várias vezes num curto período de tempo, pode apresentar resultados de 210 a 336 mil. No caso do método de referência (contagem padrão em placas) a incerteza é superior ao do método de citometria de fluxo.
Lembre-se que esta incerteza é considerando o mesmo equipamento. Entre, equipamentos ela aumenta, e se as equações forem diferentes entre os laboratórios, também teremos uma diferença maior ainda.
Estêvão Domingos de Oliveira
ESTÊVÃO DOMINGOS DE OLIVEIRA

QUIRINÓPOLIS - GOIÁS - PROFISSIONAIS DE CIÊNCIAS AGRÁRIAS

EM 17/07/2013

Excelente artigo.

O importante é tentarmos manter a CBT de nosso leite abaixo de 10.000 células por ml de leite. É perfeitamente possível e demonstra que a ordenha está sendo realizada com boa higiene e que a água utilizada é de boa qualidade.
Jose Ronaldo Borges
JOSE RONALDO BORGES

CUIABÁ - MATO GROSSO - PRODUÇÃO DE LEITE

EM 17/07/2013

Como se explica que duas amostras colhidas juntas de um mesmo tanque dê resultados diferentes para CBT?
Qual a sua dúvida hoje?